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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Talk Show Literário: Stanislaw Ponte Preta

O segundo entrevistado de 2022 é a maior criação ficcional de Sérgio Porto e é o autor de Febeapá, Festival de Besteira que Assola o País.

Talk Show Literário: Stanislaw Ponte Preta - Febeapá, Festival de Besteira que Assola o País - Sérgio Porto

Darico Nobar: Senhoras e senhores, senhoritas e senhoritos, o Talk Show Literário dessa noite tem um convidado para lá de especial. No programa de hoje, vamos conversar com um dos mais renomados colunistas sociais do Rio de Janeiro nas décadas de 1950 e 1960. Ele trabalhou por muitos anos no Última Hora. Foi assíduo usuário do Pretapress. Escreveu (e leu!) vários livros. Era fã das velhas Remington. Adorava as noites (e principalmente as madrugadas) cariocas. E saiu, morram de inveja, com dezenas e dezenas de Certinhas do Lalau. Com vocês, no palco do nosso talk show, ele – o verdadeiro e único Stanislaw Ponte Preta!!!


[Lá vinha ele, escadaria abaixo do auditório, comendo suas goiabinhas quando encontrou a figurinha entusiástica do apresentador no centro do palco. Sentou-se no sofá de entrevistado indiferente aos ensurdecedores aplausos da plateia. O barulho vindo do público não demorou para cessar].


Stanislaw Ponte Preta: Olá! [Fez-se sério como um ministro de Estado, com as guloseimas na mão e a boca cheia].


Darico Nobar: Como vai o caro colega?


Stanislaw Ponte Preta: Mais ou menos, enganando pela meia cancha, me defendendo como posso e atacando quando oportuno [guarda as goiabinhas no bolso do casaco]. Enfim, nem lá nem cá. Vivendo sem maiores sucessos [limpa as mãos na calça].


Darico Nobar: O amigo engana-se [interrompe o convidado sem qualquer cerimônia]. Saiba que estás de parabéns. É um orgulho para a nossa nação ter um escritor clássico em seu seio. [Abraça-o em postura militar e, vendo as mãos do entrevistado ainda sujas de doce, regozija-se]. Diga-me, Stanislaw, como surgiu o Febeapá?


Stanislaw Ponte Preta: É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o país. Talvez a coisa tenha começado no século XVI, pouco depois que Pedro Álvares Cabral, rapaz que estava fugindo da calmaria, encontrou a confusão, isto é, encontrou o Brasil. Até aí não havia Rio de Janeiro. Pensando bem, a coisa degringolou pra valer depois de 1512, quando rapazes lusitanos que estavam esquiando fora da barra, descobriram uma baía muito bonita e, distraídos que estavam, não perceberam que era baía. Pensaram que era um rio e, como fosse janeiro, apelidaram a baía de Rio de Janeiro. Eis portanto, que o Rio já começou errado.


Darico Nobar: E o auge do Festival? Há um período mais farto de besteira?


Stanislaw Ponte Preta: A Redentora foi um marco, um divisor de águas. Cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem otoridades, sentindo a oportunidade de aparecer, já que a Redentora, entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo, institucionalizaram o Festival de Besteira. A partir daí, ele segue em caudal.


Darico Nobar: E quando você constatou o primeiro caso típico de Febeapá?


Stanislaw Ponte Preta: Ainda na escola. Era um garotinho quando a inspetora de ensino, portanto uma senhora de um nível intelectual mais elevado pouquinha coisa, ao saber que seu filho, meu coleguinha mais estimado, tirara zero numa prova de matemática, embora sabendo que o filho era um debiloide, não vacilou em apontar às autoridades o professor da criança como perigoso agente comunista. Sabe como é – filho nosso pode ter cara de burro, orelha cumprida, focinho equino, jeitão de jerico, cheiro de asno, atitude de besta, caminhar com quatro patas e mentalidade tacanha, mas não admitamos que ninguém o chame de burro impunemente.


Darico Nobar: Esse episódio mexeu com você, né?


Stanislaw Ponte Preta: Daí por diante entrei pro time dos descontentes de souza. Já adulto feito e desfeito, só abria a boca ou balançava a pena para dizer que é um absurdo, onde é que nós vamos parar, o Brasil está à beira do abismo etc. Mesmo na redação, onde eu era visto com suspeita pelos colegas, sempre rasguei o jogo e atirei maionese no ventilador.


Darico Nobar: Foi quando surgiu sua antológica coluna no jornal.


Stanislaw Ponte Preta: Puxa! Então era isto. Aqui o filho de d. Dulce tinha se tornado antológico num espaço pseudojornalístico dedicado às crônicas do café-soçaite e às desgraças policiais?! O que é a natureza, hem? Sinceramente, eu não mereço tantas lantejoulas. Até porque – hoje em dia – ser chamado de comunista é uma barbada. Aqui no Brasil pegou a moda de subversão. Tudo que se faz e que desagrade a alguém é considerado subversivo. Nesse país, cruzam cabra com periscópio pra ver se arrumam bode expiatório.


Darico Nobar: Concordo.


Stanislaw Ponte Preta: O Ibrahim, por exemplo, chamava de comunista todo aquele que lia o seu livro, 000 contra Moscou, e não gostava. Ora, como todo mundo que lia não gostava, é claro… todo mundo era comunista, não é mesmo? Esta folga precisa acabar. Sou da velha guarda, pra mim comunista é quem come criancinhas, bate nos padres, invade propriedades privadas e toca fogo nas casas burguesas.


Darico Nobar: Sempre taxaram você de comunista, não é Stanislaw?


Stanislaw Ponte Preta: Desde o tempo em que Papai Noel tinha barba preta. Uma vez me questionei sobre isso. Aí fiz o que todos deveriam fazer em caso de dúvida – consultei Tia Zulmira. A velha é batata e num instante matou a charada. Ela falou: “Meu filho, tá na cara que você já tinha um jeitinho comunista lá na maternidade. Por que você acha que seus pais te colocaram um nome russo, hem?”.


Darico Nobar: Sabe que faz sentido... Mas, no fundo, ser visto como comunista não te incomoda nem um pouco?


Stanislaw Ponte Preta: Há quem se ache mais inteligente quando o outro grita: seu comunista! O sujeito abre o sorrisão, se apruma e sai andando com o nariz empinado, como se tivesse sido elogiado ou ganhado pontos extras no teste de Q.I. Pior é ser chamado de reaça, emedebista, crente, usuário de redes sociais, coxinha, brasileiro nato ou consumista.


Darico Nobar: Tenho a impressão de que o Febeapá será eterno no Brasil. Ele não acabará nunca, né?


Stanislaw Ponte Preta: Quem nasce para cavalo vai morrer pastando. Para alegria da cocorocada, da meia dúzia de leitores de Ibrahim Sued, de quem recorre ao voto de cabresto e dos gozadores de plantão, a estrada será longa! Por aqui tem mais gozador que carestia. Tem vida-torta às pampas.


Darico Nobar: Conte-nos, Stanislaw, um caso recente que poderia ilustrar o Festival de Besteira que Assola o País, se ele ganhasse uma edição mais contemporânea.


Stanislaw Ponte Preta: Diz que era capitão, hoje chefe de Governo. Isto é, ficava o dia inteiro dentro de uma sala vendo se havia conspiração, manifesto, contrabando, mau-olhado e demais crimes contra a nação. Como sempre, não tinha nada. A coisa era de uma monotonia de fazer inveja ao cotidiano de Brasília, por mais que o país pegasse fogo. Até que um dia aconteceu um troço chato. Correu que o capitão tinha feito uma excelente descoberta. A notícia se esparramou por aí. Isto eu estou contando para você porque todo mundo já sabe, portanto não é fofoca não. Até o Primo Altamirando já ficou sabendo. Ligações de celular, mensagens no Telegram no maior código secreto. Secretárias e ministros cruzando os corredores do palácio na maior agitação. Os que trabalhavam no edifício onde se instalava o Executivo nacional notaram logo que tinha linguiça por debaixo do pirão. Foi aí que um curioso resolveu perguntar ao contínuo do gabinete qual era o pó?! Que movimentação era aquela? Houve alguma coisa grave? O capitão descobriu alguma coisa importante? Vão prender aqueles comunistas de sempre? Que qui foi, que qui não foi?! O contínuo, muitos anos a serviço da nobre família, fez-se de moita. Ficava balançando a cabeça, que nem amante de plantão, quando quer negar que teve um caso com certa senhora, mas ao mesmo tempo quer que a suspeita fique bem positivada. Fábio Jr. casa, Fábio Jr. separa, apareceu no Gabinete um jornalista que era um velho amigo do contínuo. Puxou-o pelo braço, levou-o para um cantinho discreto e quis saber: “Derrama a verdade, velhinho. Que qui houve? O capitão descobriu alguma infiltração nas áreas do judiciário, de perigosos agentes vermelhos no STF? O contínuo arregalou os olhos e sussurrou – Coisa mais pior. O homem fez um serviço belíssimo. Descobriu um cargo vago na embaixada dos Estados Unidos e quer nomear o filho dele. São cento e cinquenta mil por mês e mais as rachadinhas dos diplomatas.


Darico Nobar: Ótima! Ótima história! Ótima mesmo!!! [As frases saem entrecortadas por causa da gargalhada que insiste em dominar o entrevistador. A plateia no auditório acompanha as risadas e aplaude]. Não disse que os causos dele eram ótimos [fala agora olhando para câmera 2, que está posicionada ao lado de sua mesa]. Stanislaw, conte-nos outra de suas crônicas [volta-se para o convidado]. Elas são impagáveis.


Stanislaw Ponte Preta: São assim porque vocês querem. O dia em que colocarem aqui [bate com o dedo indicador da mão direita na palma da mão esquerda] cinco lobos guarás ou dez tartarugas de pente, elas deixarão de ser impagáveis, Darico.


[Apresentador e plateia continuam rindo].


Stanislaw Ponte Preta: Em Recife, quem tocasse buzina na zona considerada de silêncio, pagava uma multa de vinte reais. O deputado estadual Alcides Teixeira sabia disso, mas distraiu-se e tocou. Imediatamente apareceu um guarda e multou-o. Alcides deu uma nota de cem reais para pagar os vinte e o guarda informou-o de que não tinha troco. O deputado quebrou o galho: deu mais quatro buzinadas na Zona de Silêncio, ficou quite com a Justiça e foi embora.


Darico Nobar: Sensacional! [Se contorce na poltrona de tanto gargalhar].


Stanislaw Ponte Preta: O Sr. Juraci Magalhães tomava posse no Ministério das Relações Exteriores. A tônica de seu discurso era “continuar a obra de Vasco Leitão da Cunha”. Continuar a obra do Vasco Leitão da Cunha era uma boa maneira de dizer que não estava pretendendo fazer nada.


Darico Nobar: Maravilhoso!!! [Enxuga os olhos com o lenço de tanto que riu]. Para terminarmos essa entrevista, qual é, na sua opinião, o maior mal do Brasil?


Stanislaw Ponte Preta: A inflação.


Darico Nobar: A inflação, Stanislaw?!


Stanislaw Ponte Preta: Sim, a inflação de estupidez. Ao invés de diminuir, ela só aumenta. Ano a ano a cocorada e os fãs da Redentora se propagam como barracões nos morros do Rio, plateia em show de funk ou contribuintes em cultos evangélicos.


Darico Nobar: Pessoal, esse foi o Talk Show Literário de hoje. Muito obrigado pela sua presença, Stanislaw. [Convidado faz que sim com um movimento de cabeça e coloca uma das mãos no bolso do casaco. A plateia aplaude]. Até a semana que vem com mais uma entrevista ao vivo e exclusiva [olha outra vez para a câmera 2]. Até lá!


[Apresentador e entrevistado se cumprimentam. O convidado, então, se levanta e caminha para a parte de trás do palco. Ele sai comendo suas goiabinhas tranquilamente].


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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas cinco primeiras temporadas, neste sexto ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.


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