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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Talk Show Literário: Raquel

Na terceira entrevista da oitava temporada do TSL, Darico Nobar bate um papo enigmático com a protagonista de A Bolsa Amarela, o livro infantojuvenil mais famoso de Lygia Bojunda.

Talk Show Literário: Entrevista com Raquel, a divertida e sonhadora protagonista de A Bolsa Amarela, o livro infantojuvenil mais famoso de Lygia Bojunda

[Depois de uma frenética corrida pelo mundo televisivo, o controle remoto pede arrego. Em uma folga mais do que merecida no expediente noturno, ele descansa no Talk Show Literário. A imagem na tela mostra um senhor conversando com uma garotinha].


Darico Nobar: Tá bom, mas me diga o que tem aí nessa bolsa.


Raquel: Você tá falando dessa aqui? [Puxando pela alça, coloca a bolsa, que até então repousava tranquilamente no outro canto do sofá, mais perto do seu corpo]. Ela veio num pacote de enjoo da tia Brunilda.


Darico Nobar: Pacote de enjoo?!


Raquel: Ela enjoa depressa das compras. Acho isso tão esquisito! Usa três, quatro vezes e pronto: não presta mais. Aí manda um embrulho enorme com vestido, sapato, blusa, colar e cacareco lá para casa. Mamãe fala que a tia Brunilda é boazinha, sabe que a gente vive no maior aperto e cada vez manda mais roupa. Tio Júlio parece não se importar. Quando o pacotão chega, o pessoal sai correndo para pegar as coisas. Eu só fico espiando. Porque só tem roupa de gente grande, nada serve pra mim.


Darico Nobar: É só cortar, diminuir...


Raquel: Não adianta. Mesmo diminuindo, tudo continua com cara de roupa de gente grande. Pelo menos é o que dizem lá em casa.


Darico Nobar: Roupa não tem cara.


Raquel: As da tia Brunilda tem, sim senhor. É roupa de gente grande.


Darico Nobar: Tá bom. E essa bolsa amarela, hein? Continuo sem saber a história dela.


Raquel: Não tem mistério. Ela apareceu no último embrulho. Passou na mão de todo o mundo. Pegaram, examinaram, acharam feia e deixaram pra lá. No fim, alguém disse – toma Raquel, fica pra você. Peguei pra mim. Agora ela é minha. Só minha.


Darico Nobar: Entendi. Mas você ainda não respondeu a minha primeira pergunta. O que você guarda aí que não pôde deixar a bolsa em casa?


Raquel: O mais legal, Darico, é que ela é amarela. Para mim, o amarelo é a cor mais bonita que existe. Mas não é um amarelo sempre igual. Às vezes é forte, mas depois fica fraco. Não sei se porque já chegou desbotado um pouco ou porque já nasceu assim mesmo. De qualquer jeito, é bom porque ser sempre igual é muito chato.


Darico Nobar: Parece uma sacola de tão grande. Não sei como você consegue carregar isso para cima e para baixo.


Raquel: Eu sou forte. E ela não é tão grande assim. Vire e mexe, o pessoal tem que se apertar dentro dela para caber tudo.


Darico Nobar: Pessoal?!


Raquel: Olha, Darico, ela tem sete filhos!


Darico Nobar: Filhos?!


Raquel: Sempre achei que, pelo nome, o bolso da bolsa é o filho dela. Os sete moram assim: os dois grandões ficam em cima, um de cada lado e com zipe. Eles tomam conta dos outros. Logo embaixo, vem dois bolsos menores, que fecham com botão. Num dos lados tem o magro e comprido, que achei que não cabia nada. No outro lado, tem o filho menor, que estica e diminui conforme colocamos a mão. Ele tem mania de sanfona. E, por último, tem o pequenininho, o bebê da bolsa. Pelo tamanho, é recém-nascido.


Darico Nobar: É mesmo uma bolsa muito bacana, Raquel. [Coça a cabeça e fica alguns segundos em silêncio. Parece procurar uma nova estratégia para levar a inusitada conversa]. Mas pensando bem, acho que não cabe muita coisa nela... É uma pena porque é bom ter onde guardar o que vamos acumulando no dia a dia.


Raquel: É grande sim. Cabe as minhas principais vontades e os meus melhores amigos. Nunca deixei ninguém de fora.


Darico Nobar: Huuuuum... Então, é uma bolsa que guarda sentimentos e amizades.


Raquel: Não tinha parado para pensar nisso. Para mim é só uma bolsa. Coloco coisas dentro dela e pronto. É assim que funciona.


Darico Nobar: Por que você guarda as suas vontades aí?


Raquel: Não são as vontades magras, pequenininhas, que nem tomar sorvete, dar sumiço na aula de matemática ou comprar brinquedo novo. Ponho só as vontades que vão crescendo e engordando que nem balão. Se as pessoas descobrirem, vão rir de mim. Os adultos não entendem essas coisas, acham que é infantil, não me levam à sério.


Darico Nobar: Cabem muitas vontades numa bolsa?


Raquel: Só coloquei três.


Darico Nobar: Acho melhor você não dizer quais.


Raquel: Por quê, Darico?


Darico Nobar: Para manter o segredo, né?


Raquel: Para você eu posso contar de boa. Neste bolso aqui, eu escondo a vontade de crescer. [Indica os lugares à medida em que vai falando]. Neste outro, guardei a vontade de escrever. E neste que tem botão, espremi a vontade de ter nascido garoto. Agora elas estão presas na bolsa amarela.


Darico Nobar: Por que a vontade de ter nascido garoto? Não compreendo.


Raquel: Os meninos podem jogar bola, empinar pipa, ficar descalços, brincar na rua, andar de skate, voltar tarde para casa, se sujar...


Darico Nobar: Mas as garotas também podem fazer tudo isso!


Raquel: Foi o que descobri depois. Por isso, essa vontade foi emagrecendo, diminuindo, sumindo. Agora ela desapareceu. Olha só! [Ao abrir o bolso, não há mais nada. O público no auditório aplaude a cena com entusiasmo]. Obrigada, pessoal.


Darico Nobar: E as outras vontades? Elas cresceram ou diminuíram?


Raquel: A vontade de crescer não sumiu, mas está bem pequenina agora. Só não abro o bolso para mostrar porque ela pode cair no chão e aí vai ser difícil achar. A única que não diminuiu foi a vontade de escrever. Às vezes, ela cresce, cresce e cresce. Quando vejo que vai ficar muito pesada, sento e começo a escrever. Escrevo qualquer coisa – carta, romancinho, telegrama, o que me der na cabeça. Aí pronto, ela volta a diminuir.


Darico Nobar: Mas o pessoal não ri do que você escreve?


Raquel: Fazer o quê? Paciência. Melhor rirem de mim do que eu carregar esse peso dentro da bolsa amarela.


Darico Nobar: Essa é uma atitude muito madura da sua parte, Raquel.


Raquel: Obrigada. [A plateia parece concordar e manda mais uma rodada de aplausos para a menina]. Obrigada, obrigada. O Afonso disse a mesma coisa outro dia.


Darico Nobar: Afonso?


Raquel: Esse foi o nome que ele pegou dentro da bolsa. No começo, também achei que não combinava. Ele não tem cara de Afonso. Disse isso para ele e sabe o que ele me falou? [O apresentador balança a cabeça negativamente]. Posso não ter cara, mas tenho coração de Afonso. Comecei a chamar ele de Afonso e me acostumei. Até a Guarda-chuva se acostumou.


Darico Nobar: Guarda-chuva?


Raquel: São meus amigos. Eles moram na bolsa. Tem o Afonso, a Guarda-chuva, o Alfinete de Fralda, o Terrível...


Darico Nobar: O Alfinete de Fralda é terrível?!


Raquel: Não, Darico! [A garota gargalha com gosto]. O Terrível é o galo de briga que estamos escondendo. [Aponta para o espaço maior que tem um fecho velho].


Darico Nobar: Você esconde um galo na sua bolsa?!


Raquel: Não, não. Eu escondo dois. O Terrível e o Afonso.


Darico Nobar: O Afonso também é um galo?


Raquel: Ele é primo do Terrível. Mas não é galo de briga, é um galo-tomador-de-conta-de-galinha.


Darico Nobar: E o que seria isso?


Raquel: O galo-tomador-de-conta-de-galinha é o galo que toma conta de galinha. [Diante da cara de espanto do senhor à sua frente, a entrevistada continua a explicação]. Ele fica lá no galinheiro tomando conta das esposas. É a função dele.


Darico Nobar: Eita que vidão, meu Deus!


Raquel: Que nada. O Afonso não gostava. Ele fugiu do galinheiro porque queriam que ele fosse tomador-de-conta-de-galinha e ele tinha horror disso. Diz que era uma complicação danada, que não era justo só um ter que tomar as decisões. Ele morava com quinze galinhas e ficava sem jeito de ser o chefe de uma família tão esquisita.


Darico Nobar: Como você soube dessa história?


Raquel: Está escrita em um romance.


Darico Nobar: Você leu esse livro?


Raquel: Não. Eu escrevi essa história.


Darico Nobar: Cada vez eu entendo menos o que você fala, Raquel. Acho que essa é a entrevista mais difícil que tive no Talk Show Literário.


Raquel: No duro? [Ele balança a cabeça para cima e para baixo com vergonha]. O que você não entendeu até agora?


[O apresentador coloca as mãos novamente na nuca. Quando ele vai falar algo, o controle remoto, já com as energias restabelecidas pela folga maior do que o previsto, sente uma coceira incontrolável no botão que troca os canais. Na volta dele ao trabalho, as imagens da televisão passam a mudar em velocidade alucinante].


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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas sete primeiras temporadas, neste oitavo ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.


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