Utilizando-se do recurso da comparação, Ricardo Bonacorci apresenta o texto de estreia da nova série narrativa da coluna Contos & Crônicas.
Ele acreditava que o homem era a maior criação de Deus. Ela tinha a certeza de que deus era a maior brincadeira do Homem. Se os relacionamentos amorosos fossem baseados nas leis da natureza, aquela união não teria acontecido e, muito menos, se transformado em um matrimônio longo e frutífero. Já diziam os cientistas que água e óleo não se misturam. E os biólogos alertam para os perigos da procriação entre espécies tão distintas.
Para Ângelo, sorriso fácil, mulato alto, evangélico doente, amigo de muitos, malufista cego, monoglota, corintiano não praticante, de origem humilde, fanático por coxinhas de padaria, professor de português do ensino médio e marido fiel, seu casamento com Luciana Tomé era mais uma das obras do Pai misericordioso. Aleluia! Ele, lá em cima de tudo e de todos, sabe o que faz.
Para Lucy, cara amarrada, caucasiana corpulenta, ateia convicta, de pouca conversa, petista radical, poliglota, são-paulina fanática, de família abastada, apaixonada por cerveja trincando de gelada e jornalista política de revista mensal, o casório com Ângelo Nazário não passava dos resultados práticos da produção hormonal de seus corpos quando jovens. Inferno! Eles, ali embaixo dos lençóis, não sabiam o que estavam fazendo.
Viver um casamento de duas décadas é sobreviver diariamente sem raciocinar. Liga-se o piloto automático e a aeronave decola e pousa suavemente nas pistas cotidianas do relacionamento à dois. Ou à três. Há muito que, na família Tomé-Nazário, um mais um somava três. Bastava contar as xícaras na mesa do café da manhã, única hora do dia em que a divina trindade se reunia integralmente. Faça sol ou faça chuva, uma xícara tem café puro e quente, outra café com leite morno e a terceira chocolate gelado.
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“Primeira Página” é a sétima série narrativa da coluna Contos & Crônicas. Nessa nova coletânea de textos do Bonas Histórias, Ricardo Bonacorci apresenta, ao longo de 2021, a primeira página de oito possíveis romances. A ideia é mostrar a força e a intensidade dos parágrafos iniciais das tramas ficcionais. Enquanto tenta cativar a curiosidade dos leitores, Ricardo utiliza (e explica suscintamente) algumas técnicas clássicas de abertura narrativa.
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Técnica utilizada em “Um Homem Fiel”: comparação.
A comparação é a estratégia de contar uma história relacionando-a com outras ou de associar elementos, personagens, cenários ou situações. Além de enriquecer a narrativa, a comparação oferece imagens mais polissêmicas ao texto em prosa.
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