Localizado no alto da Serra do Mar e a 50 quilômetros do Centro da cidade de São Paulo, o distrito de Santo André reúne encantos turísticos e maravilhas históricas que valem a viagem.
Confesso que esse era para ser mais um post da coluna Passeios sobre trilhas no meio do mato, uma de minhas diversões favoritas em São Paulo. Se eu seguisse meu plano inicial, o novo conteúdo do Bonas Histórias trataria exclusivamente de uma caminhada florestal pelos arredores de Paranapiacaba e se somaria ao relato da subida ao Pico do Jaraguá e da jornada a pé pelo Parque da Cantareira até o Mirante da Pedra Grande. Porém, fui hipnotizado pelas belezas históricas e pelas preciosidades arquitetônicas da vila fundada em meados do século XIX pelos ingleses que construíram a São Paulo Railway, a primeira ferrovia paulista. Aí o maior atrativo do passeio deixou de ser o trajeto pela natureza (que também tem lá seus encantos) e passou a ser a volta pelas ruas e casas do charmoso vilarejo encravado no alto da Serra do Mar (que, como programa turístico e histórico, tem muito mais valor). Em outras palavras, troquei a narrativa das trilhas pela narrativa dos trilhos. Desculpem-me, não resisti ao trocadilho fácil!
Fui no domingo retrasado para Paranapiacaba para fazer uma trilha com o grupinho de amigos. Quem escolheu o programa foi o Alan, o mexicano mais paulistano que se tem notícia desde a passagem meteórica de Arturo Barrios. Mara, a bruxinha oficial da turma, Marcela, a chefona da gangue, e Caio, o bom menino de Perdizes que está de mala pronta para Tóquio, completaram o quinteto da caravana mambembe. Só faltaram Paulo, o filho zeloso que visita os pais todos os domingos, mas que está há meses sem vê-los (ele é o único que não percebe tal paradoxo!), Enzo, que engata novos namoros todas as sextas-feiras à noite e está sempre ocupado aos domingos de manhã (não adianta perguntar o segredo do xaveco, ele não conta!), e Rose, a menina que dança por dias e dias ininterruptamente, mas se recusa a fazer caminhadas de cem metros (a exceção é quando se coloca uma porção de batatas fritas no fim do percurso).
Como já disse, nossa proposta original era explorar a Mata Atlântica da região e almoçar um piquenique no meio do mato. Se desse tempo, exploraríamos rapidamente a vila antes de retornar para a cidade de São Paulo no final da tarde, início de noite. Reconheço envergonhado que sempre subestimei o valor histórico e a beleza arquitetônica de Paranapiacaba. Como nunca tinha ido para lá, minha visão era que o distrito de Santo André era feio e estava abandonado. Não atirem pedras, por favor. Estou sendo sincero e já mudei de opinião após a visita, tá? Acho que vivia impactado pelas cenas que tinha em mente de trens em ruínas e dos vários ramais de trilhos desativados que compõem o cenário local. Mas chegando lá, fui seduzido pelos encantos do lugar. E, acredite, até as carcaças dos trens e o festival de trilhos desativados possuem seu charme. Nada como estar in loco para entender os detalhes da região, né?
Antes de contar, aos leitores do Bonas Histórias, os pormenores do dia passado na mais famosa vila de Santo André e de dar dicas para quem pretende visitar Paranapiacaba (as novas propostas desse transformado post da coluna Passeios), acho que vale o registro da importância e das particularidades desse pedacinho de São Paulo com tanta história e beleza. Como diria o antigo programa de televisão infantil: senta que lá vem a história!
A Vila de Paranapiacaba, chamada originalmente de Vila Martin Smith, foi fundada em meados do século XIX pelos ingleses que vieram ao Brasil para construir a ferrovia que ligaria o interior paulista ao Porto de Santos. A ideia era escoar de maneira mais barata e rápida o café, o principal produto da economia brasileira durante o reinado de Dom Pedro II. Assim, foi criada a São Paulo Railway, companhia britânica de capital privado que construiria a estrada de ferro e a operaria por quase um século. A linha férrea ligava Jundiaí (estação do bairro de Arens) a Santos (estação do Largo Marquês de Monte Alegre, pertinho do porto) e passava pela cidade de São Paulo (estações da Luz, Barra Funda, Brás, Lapa, Pirituba e Jaraguá). Quem pega atualmente a linha 7 - Rubi da CPTM entenderá o traçado da ferrovia entre o interior e a capital.
O maior desafio da engenharia era construir a estrada férrea pela Serra do Mar (e não tanto do interior até a cidade de São Paulo, que tem um trajeto mais plano). Podemos dizer que foi um feito grandioso para a tecnologia da época ligar a capital paulista ao litoral. Como os ingleses tinham esse know-how e estavam investindo em projetos de infraestrutura na América (algo que os chineses estão fazendo em escala global no século XXI com o Projeto Nova Rota da Seda), eles se propuseram à empreitada. A ferrovia começou a ser construída em 1860 e entrou em operação em 1866 (imagine quanto tempo demoraria se fosse feita hoje por uma parceria entre uma estatal comandada por políticos do Centrão e uma empreiteira com negócios escusos em Brasília!). Segundo o acordo contratual assinado com o governo brasileiro, a São Paulo Railway tinha a concessão da administração dos trilhos por 80 anos a partir do início de suas atividades comerciais.
Aí alguém pode me perguntar: e onde Paranapiacaba aparece no meio desse relato sobre trem, café e empreendedorismo inglês no século XIX?! Aí está a parte interessante da história. A região onde está hoje Paranapiacaba foi escolhida pelos donos da São Paulo Railway para servir de base operacional e de polo residencial dos funcionários da companhia de trem. A vila erguida em uma remota localidade no alto da Serra do Mar serviu de QG dos ingleses tanto no período da construção da linha férrea quanto na época de sua administração. Por estar em uma região bem alta entre a capital paulista e Santos, o lugar era estratégico para quem precisava coordenar trabalhos nas duas pontas.
Dessa maneira, foi erguida na década de 1860 a Vila Martin Smith, um povoado inglês que atualmente conhecemos como Paranapiacaba (nome tupi que quer dizer: “lugar de onde se vê o mar”). Vale a pena dizer que os principais engenheiros e vários dos funcionários da São Paulo Railway eram britânicos que vieram ao Brasil exclusivamente para viabilizar e operar a estrada de ferro. E eles moravam na vila criada justamente para a acomodação de suas famílias e para ser o centro da administração da empresa.
Por estar originalmente em uma propriedade particular e isolada do centro urbano (se até hoje Paranapiacaba está distante de tudo e todos, imagine como era há 160 anos!), o pequeno vilarejo era governado pelos chefões da ferrovia. Além de líderes da empresa, os ingleses tinham poderes de prefeitos na Vila Martin Smith no século XIX. Como diz o ditado popular, eles mandavam prender e mandavam soltar. Como consequência, construíram uma pequena cidade com arquitetura de seu país natal, justamente o charme que atrai tantos turistas contemporâneos. Segundo cálculos do Centro Turístico local, são 250 mil visitantes anuais que vão até o alto da serra para conhecer o pedacinho da Inglaterra na Grande São Paulo.
O controle privado dos ingleses em Paranapiacaba durou até novembro de 1907, quando a vila foi elevada a distrito de São Bernardo do Campo. Em novembro de 1938, o vilarejo passou a pertencer a Santo André, que é quem o administra até hoje. Na década de 1960, tentou-se fazer a emancipação do lugar para que se tornasse uma cidade independente, mas o projeto não prosperou (era muito pequeno para virar um município autônomo). Portanto, por mais que tenha ares de cidadezinha interiorana (como acontece, por exemplo, com Monte Verde, no alto da Serra da Mantiqueira em Minas Gerais, que é um bairro de Camanducaia, mas parece ser um município independente), Paranapiacaba pertence a Santo André. Ou como preferem os moradores locais: Santo André pertence a Paranapiacaba... Dessa forma, é errado chamá-la de cidade. Mas que dá vontade, dá!
Segundo o último Censo, ocorrido em 2010, Paranapiacaba tinha pouco mais de 3 mil habitantes. Entretanto, de acordo com o que os moradores locais me falaram, esse número não passa atualmente de mil pessoas (seriam novecentas e poucas). Pela minha observação totalmente fortuita, acredito que a quantidade verdadeira de residentes deve estar no meio do caminho (3 mil me parece uma quantia excessiva, enquanto mil me parece uma estatística subvalorizada).
Localizada a 50 quilômetros do Centrão de São Paulo e 30 do Centro de Santo André (a distância do Centro de Mogi das Cruzes e do Centro de Santos são, respectivamente, de 40 e 55 quilômetros), Paranapiacaba está a uma altitude entre 750 e 900 metros. Uma das características marcantes da paisagem local é a névoa, que invade as ruas no final da tarde e só a abandona no meio da manhã. Por isso, acho que visitar o distrito no frio tem muito mais charme (névoa, para mim, combina perfeitamente com friaca). Não à toa, Paranapiacaba é um ótimo destino de Inverno principalmente para quem mora na Grande São Paulo e quer fazer um passeio diferente, divertido e rico do ponto de vista cultural e histórico. Dá muito bem para fazer um bate-e-volta de final de semana. A maioria dos turistas chega de manhãzinha, explora a vila o dia inteiro e retorna no final da tarde ou no início da noite para casa. O domingo é o dia mais concorrido, independentemente da estação do ano.
Há três maneiras para se chegar à Paranapiacaba. A mais legal é pelo Trem Turístico, que faz apenas uma viagem aos domingos. O trem dos anos 1960 sai da Estação da Luz às 8h30 e chega à vilinha inglesa aproximadamente às 10h. E, na volta, ele sai do distrito histórico de Santo André às 16h30 e chega ao Centro de São Paulo mais ou menos às 18h. Ou seja, a viagem dura em torno de 1h30 para ir e mais 1h30 para regressar. O valor unitário do ingresso de R$ 50,00 dá direito à dupla jornada (ir e vir). Há descontos para quem vai em dupla (R$ 41,00 cada), trio (R$ 38,33 cada) ou em quarteto (R$ 37,00 cada). Idosos com mais de 60 anos e estudantes podem adquirir a passagem pela lei da meia-entrada (R$ 25,00). Esses valores são de junho e julho de 2023.
O bacana dessa opção é vivenciar o charme e a emoção da viagem pela ferrovia com caráter turístico, algo que infelizmente é pouco difundido em nosso país. Só o passeio do trem antigo já vale a experiência. Por mais que o Trem Turístico utilize boa parte da linha tradicional da CPTM (da Estação da Luz até a Estação Rio Grande da Serra, mas sem paradas; a novidade é a parte que liga Rio Grande da Serra a Paranapiacaba, trecho inoperante para as locomotivas normais), ainda sim é muito divertido poder percorrer os trilhos em vagões históricos e adaptados para viajantes que buscam lazer e entretenimento. O clima no interior do Trem Turístico é geralmente contagiante. Se você estiver em uma turminha animada, melhor ainda.
Outro aspecto interessante desse tipo de deslocamento é que é possível ficar 6h30 em Paranapiacaba. Parece pouco?! Pois saiba que é tempo mais do que suficiente para explorar a vila inteira (ela é bem pequenina!), almoçar em um restaurante local, fazer uma trilha mais curta pela mata da região e ainda acompanhar o entardecer com direito a chegada da névoa. Na viagem de volta do trem, dá para descansar no vagão. Quase sempre, a empolgação (ou seria a energia?!) dos passageiros é menor no regresso (quando o passeio pela ferrovia já deixou de ser uma grande novidade) e há muitos que aproveitam para dormir. Até as crianças, nesse momento, estão com as baterias meio descarregadas ou no finalzinho – obrigado, Santo Deus!!!
Porém, essa opção não está imune aos problemas. O primeiro deles é a dificuldade para se conseguir ingressos. Por causa da alta demanda (e da oferta limitada), é preciso adquirir com algumas semanas de antecedência a passagem pela página da CPTM no site do Sympla – há viagens do Trem Turístico para Jundiaí, Paranapiacaba e Mogi das Cruzes. Mal são disponibilizados, os ingressos acabam em um piscar de olhos. Desde maio, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos colocou um quarto carro na locomotiva para aumentar a oferta de passageiros, mas a dificuldade para se conseguir as passagens continua. Há a previsão de que um quinto carro seja inserido no comboio até o final do ano, mas ele será um vagão-restaurante, o que parece que não ajudará em nada no aumento do número de ingressos disponibilizados.
Outra questão delicada é que essa alternativa de viagem é exclusiva para os domingos de manhã, quando o uso comercial dos trilhos de trem da Grande São Paulo não está sobrecarregado. Se você quiser ir aos sábados e feriados ou em horários alternativos para Paranapiacaba pelo Trem Turístico não irá conseguir. É de domingo de manhã ou é de domingo de manhã. Ponto. Também é estranho embarcar em um trem da década de 1960 para conhecer uma ferrovia que foi inaugurada nos anos 1860. Você não percebe essa defasagem temporal do passeio quando embarca de manhã na Estação da Luz. Contudo, no retorno à São Paulo, depois de ter percorrido as ruas antigas de Paranapiacaba e de ter visitados seus museus, você se pergunta o quão legal teria sido a utilização de um trem verdadeiramente histórico para a atração.
Se você quiser chegar de transporte público à Paranapiacaba (o Trem Turístico não é considerado um serviço público, tá?), a outra opção é utilizar a dobradinha entre trem e ônibus (com exceção da viagem especial aos domingos de manhã, a vila inglesa não é atendida regularmente pela linha férrea, por mais paradoxal que isso possa parecer do ponto de vista histórico). Aí a alternativa é ir até a Estação Rio Grande da Serra (pela linha 10 – Turquesa da CPTM, que parte da Estação Brás) e lá pegar um ônibus intermunicipal até o Centrinho de Paranapiacaba (linha 424: Rio Grande da Serra/Centro – Santo André/Paranapiacaba ou linha 040: Santo André/Terminal Metropolitano Leste – Santo André/Paranapiacaba). O tempo total do trajeto saindo do Brás é de aproximadamente duas horas. Não é preciso dizer que esse passeio, por mais que utilize quase todo o caminho usado pelo Trem Turístico, não tem um décimo da graça da primeira opção.
O terceiro e último jeito para se chegar à Paranapiacaba é, claro, de carro ou moto. Quem for por essa alternativa precisa saber que as estradas para lá podem estar em péssimo estado. É o caso da Estrada de Paranapiacaba, normalmente a primeira opção que o Waze dá para quem (de forma desavisada) deixa a cidade de São Paulo em direção ao vilarejo inglês de Santo André. Além da buraqueira incorrigível, há longos trechos de chão de terra e de cascalho, partes interditadas em que a via se torna única para quem vai e para quem vem, ausência ou péssima iluminação e (rufam os tambores!) travessia sobre os trilhos de trem, o que sempre faz o coração disparar. Não por acaso, é muito comum encontrarmos veículos 4x4 no distrito (inclusive motos de motocross).
Paranapiacaba é um ótimo destino para quem curte fazer off road. Há também muitos ciclistas de mountain bike e andarilhos, fãs da Rota da Madeira, trecho turístico que usa justamente a Estrada de Paranapiacaba como trajeto. No caso específico desses grupos de aventureiros, quanto piorem forem as vias, melhores são os passeios (visão que os turistas normais com carros não adaptados para o caos dos pisos nacionais não compartilham).
Quem não quiser passar por perrengues durante o caminho, o melhor é escolher a Rodovia Deputado Antonio Adib Chammas (SP-122), que liga Ribeirão Pires a Paranapiacaba. Ela está em melhores condições do que a Estrada de Paranapiacaba. Pelo menos, a rodovia é toda asfaltada, possui acostamento e não tem crateras na via, o que permite uma viagem muito mais tranquila de carro e moto. Porém, saiba que talvez o Waze ignore essa opção de imediato e indique a Estrada de Paranapiacaba – juro que não sei o porquê! Por falar nisso, não confie cegamente nas coordenadas oferecidas pelos aplicativos de localização e de trânsito. Eles costumam cometer erros bisonhos, que o mínimo de bom senso desconfiaria (beijo, Marcelinha).
De maneira geral, para se pegar a SP-122, o paulistano deve usar a Via Anchieta. No km 29, usando a pista marginal sentido Riacho Grande, entra-se na Estrada Velha do Mar (SP-148) no sentido de Ribeirão Pires. Pega-se, então, a Rodovia Índio Tibiriçá (SP-31) até a alça do km 45,5. Nesse momento, o viajante motorizado entra na tão esperada SP-122, a Rodovia Antonio Adib Chammas. Aí é só seguir em frente que se chega em Paranapiacaba. Falando assim, pode parecer complicado, mas não é não. Acredite em mim, é mais fácil do que encarar a buraqueira da Estrada de Paranapiacaba. Anda-se um pouco mais e demora-se um pouco mais para chegar, é verdade, mas vale a pena.
Outro inconveniente é o tempo de deslocamento. É bom você saber que o distrito de Santo André não é tão perto quanto aparenta da cidade de São Paulo. Da minha casa (eu moro no Parque São Domingos, Zona Oeste da capital paulista), a viagem de carro pelos 60 quilômetros dá por volta de duas horas, duas horas e dez minutos. Isso em um domingo de manhã, quando não há trânsito nenhum pela cidade. Durante a semana, não quero nem imaginar quanto tempo demora... Só à título de comparação, Campos do Jordão, outra belíssima pedida para a Temporada de Inverno, fica a cerca de duas horas e meia de casa em uma viagem domingueira, mesmo estando a 200 quilômetros de distância de Sampa – é, acredite, três vezes mais longe do que Paranapiacaba e se chega mais ou menos no mesmo tempo. E as estradas para o Centro de Capivari (a nossa vila suíça) estão impecáveis, mesmo quando o Waze se prova sacana...
Uma vez com os pés bem fincados em Paranapiacaba, você encontrará um distrito que pode ser dividido basicamente em duas partes (Parte Alta e Parte Baixa) ou em três partes (a Parte Baixa, nesse caso, se subdivide em Vila Nova e Vila Velha). A Parte Baixa (Vila Nova e a Vila Velha) são os pedaços mais turísticos e históricos da localidade, que merecem uma visita mais atenta e demorada. É esse trecho que era chamado no século XIX de Vila Martin Smith pelos ferroviários britânicos. A diferença entre as vilas é que a Vila Velha foi construída entre 1860 e 1870 e a Vila Nova foi erguida entre 1890 e 1900. Ou seja, a nova da nomenclatura não é tão nova assim... A segunda etapa da construção da Vila Martin Smith/Paranapiacaba ocorreu quando os ingleses construíram a segunda via férrea da São Paulo Railway em 1895. Com o aumento substancial da produção do café e a necessidade de se elevar a oferta de transporte dos cafezais do interior paulista ao Porto de Santos, uma outra estrada de ferro foi erguida ao lado da antiga. E, para comportar mais funcionários e mais famílias europeias que chegaram ao Brasil, foi preciso erguer uma segunda vila. Ela foi chamada de Vila Nova, enquanto o pedaço original ganhou a alcunha de Vila Velha.
Já a Parte Alta é o trecho de Paranapiacaba que reúne as construções mais recentes. É ali que ficam as casas e os comércios do século XX e XXI. E é nessa seção do bairro inglês de Santo André que reside grande parte de seus habitantes e onde estão os estabelecimentos comerciais menos turísticos e mais convencionais. Para ser sincero, não há nada demais nessa ala do distrito, que se parece com qualquer típico bairro suburbano de uma grande cidade brasileira. Ou, se você se encantar por suas ladeiras de paralelepípedo e suas ruelas estreitas, a referência mais adequada seria compará-la (com um pouco de boa vontade, claro) às cidades coloniais mineiras. Mas como falei, é preciso um certo esforço imaginativo por parte do turista mais empolgado, algo que confesso que não sou.
Com exceção da imponente Igreja Bom Jesus de Paranapiacaba que pode ser vista de qualquer ponto do vilarejo, nada mais chama a atenção ali. Há um cemitério, que não tem nada de diferente de qualquer cemitério (assim como a igreja não tem nada de especial tanto do lado de fora quanto do lado de dentro). Tem também um estacionamento gratuito e amplo para os felizardos que chegam pela Rodovia Antonio Adib Chammas (SP-122). Como não sou fã de prédios religiosos (até procuro manter uma distância protocolar deles, independentemente da religião professada) e nunca achei graça em caminhar por tumbas (nem o passeio mórbido pelo Cemitério da Recoleta me agradou), então posso dizer que não há muitos atrativos na Parte Alta, além das vagas para os veículos.
Falei isso para alertar aqueles que têm pouco tempo de visitação por Paranapiacaba. Não desperdice as preciosas horas em uma localidade tão interessante onde não há atrativos. Insisto: foque seu passeio na Parte Baixa! É lá que está a diversão. Uma opção legal é deixar o carro no estacionamento da Parte Alta e ir caminhando para a Vila Nova e a Vila Velha, sem paradas longas e sem a investigação desnecessária pelo trecho contemporâneo do distrito. Só no trajeto a pé do estacionamento principal até a Parte Baixa já dá para conhecer rápida e suficientemente o pedaço mais modernoso (e sem graça) de Paranapiacaba. Por falar nisso, é possível percorrer tranquilamente a Parte Alta, a Vila Velha e a Vila Nova a pé. A ordem desse passeio é explorar o lugar caminhando.
Quem for de carro ou moto pela Estrada de Paranapiacaba (provando que tem espírito aventureiro e/ou que possui veículo off road para aguentar os trancos), estacione nas ruazinhas da Vila Nova (local de sua chegada) e explore a Parte Baixa sem precisar entrar na Parte Alta. Garanto que você não perderá nadinha por não visitar o morrão. O legal dessa alternativa é que, poupando-se do sobe e desce da Parte Alta, você terá mais energia para bater perna pela Vila Nova e Vila Velha, onde as ladeiras são menos íngremes.
É importante dizer que a Parte Alta e a Parte Baixa são ligadas por uma extensa passarela para pedestres que passa por cima dos incontáveis ramos dos trilhos de trem. A Passarela Metálica sobre a Ferrovia foi construída originalmente em 1899 e dá acesso ao Relógio da Estação, construção de 1890 que lembra o Big Ben, ao Museu Funicular, que abriga a história, os objetos e as máquinas da linha férrea da São Paulo Railway, e à Estação de Trem de Paranapiacaba, de onde chega e de onde parte o Trem Turístico da CPTM. Não é preciso falar que percorrer a passarela é um dos passeios imperdíveis para os visitantes (quem for de trem, passará obrigatoriamente por ela). Se você tiver oportunidade, suba até lá no finalzinho da tarde para conferir a ação sorrateira e implacável da névoa, que vem pelas montanhas entre 16h30 e 17h00 e toma conta das ruas. Há quem diga que até o flog londrino foi trazido pelos engenheiros ingleses no século XIX. Brincadeirinha! Dá para fazer fotos bem legais lá de cima. E não deixe de conhecer o Relógio da Estação e o Museu Funicular, por favor!
Se você for de trem, é fácil identificar a Parte Alta da Parte Baixa. Ao chegar na estação, você terá que subir a passarela metálica sobre os trilhos. Aí é só ver onde está o morro (Parte Alta, à direita da subida da passarela) e onde está o Vale (Parte Baixa, à esquerda da subida da passarela). Não tem erro! Como disse, se você for de carro pela Estrada de Paranapiacaba, você entrará automaticamente no distrito pela Parte Baixa (mais especificamente pela Vila Nova). Quem utilizar a Rodovia Antonio Adib Chammas ou os ônibus intermunicipais vindos de Rio Grande da Serra, aí a chegada será pela Parte Alta.
Para você não se perder (algo que duvido que aconteça!), é bom pegar o mapinha de Paranapiacaba que é oferecido em vários lugares da vila. O material foi produzido pela Prefeitura de Santo André e é distribuído gratuitamente aos visitantes. Além da planta do povoado, o folheto do tamanho de uma folha A4 e com duas dobras contém o guia das atrações mais recomendadas e as informações de onde estão os serviços essenciais (bases policiais, postos médicos, agrupamentos do corpo de bombeiro, sanitários públicos, pontos de WiFi e centros de atendimento aos turistas). Com o mapa em mãos, você conseguirá certamente otimizar seu passeio e planejar melhor a incursão em cada uma das vilas.
Agora que já conhecemos a história e a geografia local, podemos falar, enfim, dos principais atrativos turísticos de Paranapiacaba. Comecemos pela Vila Nova, minha área favorita da Parte Baixa. Ali encontramos o Mercado Antigo de Secos e Molhados, o Museu Castelo, a Feira de Artesanato, a Casa Fox, o Complexo Cine Lyra da Serra, a Casa de Maquetes e o Clube União Lira Serrano.
No Mercado, ocorre regularmente a Feira do Cambuci, a fruta típica da região. A maioria dos itens oferecidos no antigo prédio de Secos e Molhados possui esse ingrediente. Sorvetes, compotas, geleias, sorvetes, bolos, doces, cerveja e mais uma infinidade de artigos culinários vem com o famoso cambuci. Visitar Paranapiacaba e não provar uma iguaria com sua fruta tradicional é um sacrilégio. É como ir à Salvador e não conhecer o acarajé, viajar à Teresina e não experimentar a cajuína, dar um pulo em Recife e não comer o bolo de rolo, passar por Belo Horizonte e ficar sem o pão de queijo local, ir à Vitória e não conferir a moqueca capixaba ou vir à São Paulo e não se aventurar pelo pastel de feira. Acho que você já entendeu o que quero dizer, né?
O único problema técnico é que o cambuci é bem amargo (ao seu lado, o limão e o maracujá se tornam docinhos...), o que estraga a maioria das receitas feitas com ele. Por isso, prove o que é ofertado antes de comprar. As barraquinhas de venda dos produtos oferecem amostras gratuitas aos visitantes, prática que, no final das contas, acho que mais atrapalha os negócios do que ajuda. E, por favor, não faça caretas na frente dos produtores, por mais amargos que sejam os produtos experimentados ali (abraço, Caio!).
Quase em frente ao Mercado, só que na parte bem mais alta da topografia, temos o Museu Castelo. Erguida em 1898 para ser a residência do engenheiro-chefe da ferrovia, a bela casa de pedra abriga uma exposição permanente com mobiliário e peças típicas da virada do século XIX para o século XX. Percorrer as dependências da construção é vivenciar um pouco dos hábitos e da cultura dos ingleses daquela época. Além da exposição que leva o turista a conhecer cada cômodo da casa do chefão da São Paulo Railway, o Museu Castelo tem um excelente café/confeitaria e uma vista espetacular de Paranapiacaba. De sua residência, o engenheiro-chefe conseguia saber tudo o que acontecia na vila e nos trilhos da ferrovia. E dá para tirar ótimas fotos dali de cima, uma dica fundamental em tempos instagramáveis.
Em um mesmo quarteirão, quase na entrada do povoado para quem vem da Estrada de Paranapiacaba, a Vila Nova oferece três atrações: a Feira de Artesanato, a Casa Fox e o Complexo Cine Lyra da Serra. A feirinha que vende artesanatos, artes e antiguidades acontece nos segundos domingos de cada mês desde 2015. Como fui no terceiro domingo, não vi movimentação nenhuma no local. Logo ao lado, está a Casa Fox, uma espécie de residência histórica que retrata como era a vida dos moradores comuns da vila inglesa na primeira metade do século XX. No outro lado da rua está o Complexo Cine Lyra da Serra. Infelizmente, ele está fechado no momento. De acordo com as últimas notícias passadas pela Prefeitura de Santo André, o prédio passará por reformas e sua reabertura está prevista para o meio de 2024. A conferir!
Ainda na pegada de visitação aos centros culturais, de lazer e de história do distrito, temos a Casa de Maquetes e o Clube União Lira Serrano. A Casa das Maquetes, também chamada de Centro de Documentos em Arquitetura e Urbanismo, apresenta a formação urbana e arquitetônica da antiga Vila Martin Smith. Quem gosta de mapas e maquetes irá adorar a visita por lá. O Clube União Lira Serrano foi erguido em 1930 (não confundir com o Serrano Atletic Club, time fundado em 1903) para servir de espaço de lazer e entretenimento para os trabalhadores da ferrovia. Hoje, é um importante centro de eventos da localidade.
Na Vila Nova, é ainda programa mandatório para o turista percorrer as ruas e ver a arquitetura local. As construções são normalmente de madeira, estão bem conservadas e possuem o banheiro no lado de fora. É muito legal ver os detalhes das edificações de um século e pouco atrás. Uma coisa positiva dos banheiros serem fora das casas é que vários deles se tornaram públicos. Nunca estive em uma localidade com tanta oferta de sanitários para os visitantes. Quando você está com um grupo que adora se aliviar (nunca vou me esquecer as epopeias vividas com os meus amiguinhos no último Carnaval!), esse é um atrativo indispensável.
Ao atravessar a Rua da Estação, que liga os dois pedaços da Parte Baixa, o turista chega à Vila Velha. Nessa parte, a recomendação é fazer visitas ao Largo dos Padeiros, às Ruínas do Serrano Athletic Club, ao Campo de Futebol do Clube União Lira Serrano, às Casas Históricas da Rua Nova, aos Galpões Ferroviários e ao Centro de Visitantes do Parque Nascentes de Paranapiacaba.
O Largo dos Padeiros é onde era o antigo Centro Comercial da Vila Martin Smith, parada obrigatória dos mascates no final do século XIX e início do século XX. O local passou por reformas de restauração há cerca de quinze anos e está agora em boas condições para receber os visitantes. Logo ao lado, subindo a Rua Direita, temos a famosa Casa dos Solteiros, construção de madeira que suscitava polêmicas antigamente porque abrigava os funcionários solteiros da ferrovia (algo malvisto pelas tradicionais famílias britânicas). Atualmente, o prédio é uma pousada com diárias entre R$ 300,00 e R$ 400,00. Pelas instalações simplórias (querendo ou não, é uma construção centenária!), você logo perceberá que, pelo valor cobrado, não vale a pena ficar hospedado ali. Por valores similares, você consegue ficar em hotéis de ótimo nível em outras cidades turísticas.
Quem gosta de futebol, Paranapiacaba reserva ótimas surpresas. Fundado pelos ingleses da São Paulo Railway, o Serrano Athletic Club foi um dos primeiros times de futebol do Brasil. O distrito preserva as Ruínas da antiga sede da equipe. Seguindo a Rua Vereador João Dias Carrasqueira, o turista encontra o Campo de Futebol do Serrano que foi criado em 1903. Ele ainda mantém as medidas originais (do início do século XX) e, segundo dizem os historiadores locais, foi usado por Charles Miller nas primeiras partidas disputadas em nosso país. O pequeno estádio passou por uma recente reforma que o deixou charmosíssimo. A previsão é que sua reinauguração seja feita em julho, em pleno Festival de Inverno de Paranapiacaba. Disputar uma pelada ali deve ser uma delícia.
Ao lado do campo, no outro lado da Rua Nova (sim, a Rua Nova fica na Vila Velha!), pertinho do início da Estrada do Taquaruçú, temos as Casas Históricas de Paranapiacaba. Era ali que moravam as primeiras famílias dos funcionários da ferrovia. Só mais tarde, no final do século XIX, os principais engenheiros ingleses e os chefões da São Paulo Railway se mudaram para os casarões da Vila Nova. Até a expansão da Vila Martin Smith, era ali que todos viviam. As residências históricas da Vila Velha foram restauradas há alguns anos pela Prefeitura de Santo André e, em seguida, alugadas para interessados em viver em Paranapiacaba. Assim, as casas estão todas ocupadas atualmente por famílias. Os moradores são proibidos de fazer qualquer tipo de intervenção arquitetônica nas propriedades ou de promover reformas que possam descaracterizá-las. É muito legal assistir às construções antigas sendo habitadas normalmente até hoje.
A Vila Velha também abriga os Galpões Ferroviários. Esse conjunto de construções fica perto da Rua Direita e do Largo dos Padeiros e está paralelamente ao Pátio Ferroviário, na Rua da Estação. Era ali que os funcionários da São Paulo Railway faziam a manutenção e o conserto de máquinas e equipamentos. As oficinas também serviam para a produção de ferramentas e itens para a construção da vila.
Por fim, bem no meio da Rua Direita, a principal via da Vila Velha, temos o Centro de Visitantes do Parque Nascentes de Paranapiacaba. É nesse ponto em que é possível conhecer as opções de trilhas para se fazer no meio do mato e onde se contrata os guias para os passeios. Infelizmente, não dá para fazer nenhuma trilha sem o acompanhamento de um profissional local. Desde 2002, é obrigatória a contratação de um guia local. Por mais que eles digam que tal medida tem o caráter de proteção ambiental e de segurança aos turistas, nota-se que é na verdade uma maneira de angariar mais recursos dos visitantes. Paciência!
Na hora de contratar o guia, é importante você ficar atento. Há guias chatérrimos (que não param de falar um segundo sequer e que, em cinco minutos, já deixam o grupo com dor de cabeça com o papinho besta) e com jeitão de malandros (a sensação é que eles querem extorquir os visitantes). Por outro lado, há profissionais muito gente boa, que são agradáveis no trato, tem um papo gostoso e respeitam a dinâmica do grupo de turistas. No passeio do domingo retrasado, acabamos vivenciando as duas experiências.
Mal chegamos ao Centro de Visitantes do Parque Nascentes de Paranapiacaba, fomos abordados ainda na rua por um tal de Ed. O cara disse que mostraria as trilhas, mas que não era guia. Uma vez dentro do Centro de Visitantes, ele quis explicar a história inteira do parque para nosso desespero. Quando viu que não estávamos nem um pouco interessados naquele papinho e que íamos embora, ele falou que era guia local e poderia nos conduzir pela trilha. Como assim, se há pouco disse que não era guia?! Aí cobrou um valor que viemos saber depois que estava um pouco inflacionado (R$ 50,00 por pessoa para fazer a Trilha da Pontinha). É claro que não aceitamos e saímos correndo dali.
No prédio ao lado, o da AMA – Associação dos Monitores Ambientais de Paranapiacaba – fomos atendidos de um jeito muito melhor e mais profissional. O guia Clayson explicou de maneira sucinta e clara as trilhas disponíveis e nos cobrou R$ 30,00 por pessoa para fazer a Trilha da Pontinha (R$ 150,00 para o grupo de cinco pessoas). É claro que fechamos na hora! E essa foi a melhor coisa que nos poderia ter acontecido. O Clayson se mostrou um guia espetacular. O cara deu ótimas informações e se mostrou agradabilíssimo. A sensação geral foi de alívio. Juro que fiquei imaginando o tormento que teria sido se tivéssemos de conviver por uma hora e meia com o tal de Ed. Não! Ninguém merece.
Por isso, tome cuidado na hora de contratar o guia local. Uma escolha errada pode arruinar seu passeio. Por outro lado, a escolha correta pode tornar Paranapiacaba mais interessante e potencializar a diversão pela mata. Fica a dica: fuja dos Eds da vida e procure pelos Claysons de plantão.
Por falar em trilha, é legal dizer que existem trilhas oficiais e trilhas informais em Paranapiacaba. As trilhas oficiais são feitas com guias credenciados, estão normalmente dentro do Parque Nascentes de Paranapiacaba e são homologadas pelas autoridades municipais. Além de orientarem os turistas pelo caminho correto, os profissionais contam detalhes da história do lugar e fornecem informações ambientais. Confesso que fiquei contente com a experiência. As entradas e as saídas das trilhas são monitoradas por uma espécie de guarda florestal. O local possui um portão trancado com correntes e cadeados e só é aberto para grupos de visitantes que estejam com os guias certificados. Ou seja, não adianta nem tentar fazer passeios sem a contratação de profissionais (os guardas-florestais não vão abrir os portões dos parques só porque você é simpático).
Como disse, fizemos a Trilha da Pontinha. A caminhada durou em torno de uma hora e quinze minutos (com direito a piquenique no meio da mata) e foi tranquila (se a Mara não reclamou é porque o nível de dificuldade foi fácil). Dentro do parque, a extensão do caminho é de aproximadamente 1,5 km. Porém, para se chegar até o portão de entrada (na Estrada do Taquaruçú) e regressar depois ao Centro Histórico do distrito (pela Estrada de Paranapiacaba) deve dar no total algo em torno de 2 km, 2,5 km de bate-pé.
No meio da mata, passamos por várias pontes (daí o nome da trilha), riachos (de águas calmas e límpidas), lagos (no Verão até dá para cair na água) e as barragens feitas pelos ingleses (a mais impactante é a Barragem da Pontinha). E, claro, pudemos conferir as particularidades da fauna e da flora da Serra do Mar. Contudo, a parte mais legal, na minha opinião, foi verificar o sistema de abastecimento de água construído no meio da floresta pela São Paulo Railway em 1900 para abastecer a vila. Os dutos de ferro são usados ainda hoje e estão em ótimo estado. Incrível!
A Trilha da Pontinha é apenas uma das opções de trilha oficial em Paranapiacaba. Outra que me pareceu bem interessante é a Trilha do Mirante. Nesse passeio clássico de Paranapiacaba, o visitante vai do centrinho histórico até a torre da extinta TV Tupi, um dos locais mais altos do distrito e com uma vista espetacular da Serra do Mar. Em dias que não há névoa nem o céu está nublado, dizem que dá para ver o litoral. O nível de dificuldade dela é mediano (há mais subidas do que a Trilha da Pontinha). Sua extensão é de 2,5 km e dura aproximadamente 2 horas. Confesso que, se eu estivesse sozinho e não em grupo, teria escolhido a Trilha do Mirante e não a Trilha da Pontinha. Porém, fui voto vencido. Meus amigos preferem as caminhadas mais rápidas e simples.
Veja algumas alternativas de trilha: Trilha Olho D´Água (nível fácil, com 1 km de extensão e tempo de duração de 1 hora), Trilha do Poço Formoso (nível médio, com 4 km de extensão e tempo de duração de 4 horas), Trilha da Cachoeira Escondida (nível médio, com 5 km de extensão e tempo de duração de 5 horas), Trilha da Prainha do Mogi (nível difícil, com 7 km de extensão e tempo de duração de 7 horas) e Trilha da Raiz da Serra (nível difícil, com 13 km de extensão e tempo de duração de 9 horas). Essa última me deu vontade de fazer. O visitante caminha até Santos descendo no meio da Serra do Mar. Chegando lá, ele volta de ônibus para Paranapiacaba. Deve ser um passeio fantástico.
Aqui vale um comentário (ou seria uma reflexão?!) sagaz. Por mais que você queira fazer trilhas maiores e mais desafiantes, é importante colocar na balança o que você prefere: passeios no meio do mato ou passeios pelo Centro Histórico de Paranapiacaba? Como normalmente as pessoas visitam o distrito inglês de Santo André em apenas um dia (o famoso bate-e-volta), quanto mais tempo você ficar enfurnado no meio da floresta, menos tempo terá para explorar as charmosas ruas e para conferir as construções da Vila Nova e da Vila Velha, que na minha opinião é a parte mais legal da viagem.
Por isso, acho que fizemos o certo ao escolher uma das trilhas mais rápidas (mesmo assim, ainda acredito que poderíamos ter optado pela Trilha do Mirante, que só dura meia hora a mais do que a Trilha da Pontinha) pela manhã. Aí deu tempo para retornarmos no início da tarde para “a cidade” e passear pela Parte Baixa. Pense nessas variáveis quando você for escolher a trilha. Se você estiver com o Trem Turístico da CPTM, é importante calcular a chegada ao Centrinho Histórico com pelo menos uma hora de antecedência da viagem de retorno para São Paulo. Sabe-se lá o que pode acontecer de contratempo no meio da caminhada pela mata, né? E o trem não espera os atrasadinhos. Ele é guiado pela pontualidade britânica.
Em relação às trilhas informais (pode chamá-las de ilegais também!), Paranapiacaba também é farta em aventuras. Alguns desses caminhos são proibidos pelas autoridades, o que aumenta a graça dos turistas com espírito mais desbravador. E, acredite, mesmo nas trilhas informais/ilegais é possível contratar guias. Há profissionais que aceitam caminhar fora dos trajetos programados pelo Parque Nascentes de Paranapiacaba e outros que se recusam. É só conversar com eles para descobrir a disponibilidade de cada um. O motivo da proibição desses trajetos é que eles são perigosos e têm históricos de acidentes fatais, inclusive com a morte de guias. Se até os profissionais que conhecem em detalhes os caminhos acabam sucumbindo aos seus riscos, imagine o que não podem passar os andarilhos de primeira viagem, né?
O mais famoso desses caminhos proibidos é o da Trilha do Funicular. A caminhada de 12 quilômetros de Paranapiacaba até Cubatão é feita em cima dos trilhos desativados da ferrovia. O perigo (e está justamente aí a razão de sua proibição) é que em algumas partes do trajeto os trilheiros precisam se equilibrar sobre os trilhos que estão a centenas de metros de altura (há várias pontes e viadutos pelo caminho). Adivinha só o que acontece com quem se desequilibra e despenca do alto da ferrovia?! Com tanta trilha legal homologada, não entendo o motivo para se correr riscos desnecessários. Porém, cada um faz o que quiser com a sua vida, né?
Se eu tivesse que dar uma dica de programa completo por Paranapiacaba ao leitor do Bonas Histórias, diria: viaje pelo Trem Turístico; assim que chegar ao distrito, vá diretamente à Associação dos Monitores Ambientais de Paranapiacaba (e não ao Centro de Visitantes do Parque Nascentes de Paranapiacaba) e escolha uma trilha de até duas horas de duração; faça a caminhada ainda de manhã e retorne imediatamente ao Centrinho de Paranapiacaba; aí aproveite para explorar as ruas da Vila Velha e da Vila Nova; almoce na Parte Baixa; à tarde, visite alguns lugares emblemáticos do distrito, como o Mercado com Feira do Cambuci, o Museu Castelo, o Relógio da Estação, a Casa Fox, o Museu Funicular, o Campo de Futebol do Serrano e as Casas Históricas da Rua Nova; por fim, espere a chegada na névoa no alto da Passarela Metálica até o horário do embarque do trem de volta para São Paulo. Acho que essa seria a minha agenda ideal de um dia por Paranapiacaba.
Falando em plano perfeito de viagem, fica a questão: qual é a melhor época para se conhecer Paranapiacaba, hein? Indo contra a minha alma taurina, minha resposta vem ao melhor estilo libriano: depende! Eu gostei muito de visitá-la no Inverno. Conhecer uma vila histórica inglesa no frio tem lá seu charme. Além disso, como tradicionalmente essa é a época com menos chuvas, dá para fazer trilhas sem medo de imprevistos meteorológicos. Para completar, o distrito promove vários eventos na Temporada de Inverno. Aos finais de semana de julho, por exemplo, há festivais gastronômicos, encontros culturais, sessões musicais e até convenções de bruxas. Acho que não contei, mas Paranapiacaba tem uma atmosfera meio sobrenatural. Basta caminhar pelas ruas no entardecer para você se sentir em um filme de terror. Por tal perspectiva, a visitação das bruxas faz todo o sentido e confere uma ambientação diferenciada à vila.
Por outro lado, no Verão, é possível aproveitar as trilhas para entrar nas cachoeiras e lagos de águas cristalinas da região. Um bom trilheiro que se preze dá valor aos banhos nos riachos – beijo, Menina Mara! Mesmo nos dias mais quentes, a temperatura sempre fica em um patamar agradável. Raramente se passa dos 25º C em Paranapiacaba, mesmo no auge do Verão paulista. Assim, não há chance de você sucumbir ao calorão de dezembro ou janeiro no alto da Serra do Mar. Quem não gosta de extremos de temperatura, acho que vai preferir o “calorzinho” de Paranapiacaba à sua friaca de meio de ano.
Se você sentiu falta de dicas gastronômicas sobre Paranapiacaba nesse meu post da coluna Passeios, acho que vou ficar devendo mais informações sobre esse assunto. Como fiquei apenas um dia no distrito (no caso, foi só metade de um dia percorrendo a Vila Velha e a Vila Nova), não posso indicar os bons e os maus estabelecimentos para se comer e beber. Sinto muito! Embarcar no conteúdo da coluna Gastronomia em tão pouco tempo explorando o vilarejo inglês de Santo André seria uma temeridade e, por que não, uma injustiça da minha parte, equívocos que não quero cometer de maneira nenhuma com os leitores do Bonas Histórias.
O que posso falar com alguma propriedade é da minha impressão inicial. Como os restaurantes, bares, cafés e lanchonetes da Parte Baixa ficam em casinhas simples e antiguíssimas, é difícil dizer se o lugar é bom ou ruim só pela aparência – julgar o livro pela capa é um hábito que tenho e que imagino que as torcidas do Corinthians e do Flamengo também tenham. Afinal, tudo parece simplório demais em Paranapiacaba (que os historiadores não me leiam...).
O único lugar gastronômico mais bonitão que vi, com uma arquitetura contemporânea que foge bastante do padrão de Paranapiacaba (pela perspectiva histórica, ele é um atentado urbanístico), é o Bar da Zilda. Ele fica no comecinho da Rua Direita e no final da Rua da Estação, bem no Largo dos Padeiros. Apesar de possuir preços mais altos do que o praticado nas redondezas, o Bar da Zilda me pareceu o estabelecimento mais apetitoso para uma refeição parruda ou para um tira-gosto entre amigos. E, o que é importante para quem passou tanto tempo caminhando, ele oferece um conforto que os turistas mais exigentes querem receber e não encontro na maioria dos restaurantes e bares. Quem não quer arriscar o certo pelo duvidoso, a opção mais segura é, disparadamente, o Bar da Zilda.
O restante dos estabelecimentos culinários tem, como disse, aspecto antigo e não oferecem tanto conforto, o que pode espantar as almas mais melindrosas. O ideal seria explorar com mais atenção o lugar para separar o joio do trigo, mas normalmente os turistas (estou nessa categoria) não possuem tanto tempo. De maneira aleatória, visitei com meus amigos apenas dois pontos gastronômicos em Paranapiacaba: a Casa de Chá Raízes da Serra e o Tô na Pista II.
A Casa de Chá Raízes da Serra é um café muito simpático na Avenida Fox. Fomos ainda de manhãzinha lá e tomamos um chocolate branco quente simplesmente maravilhoso. Confesso que nunca tinha provado chocolate branco quente e aprovei a experiência (ele é feito na hora e leva barras efetivas de chocolate). O problema foi o preço: R$ 18,00 o copinho de mais ou menos 250 ml. Achei caro até mesmo para o padrão de uma região turística. Mas a qualidade era absurdamente boa (diria muuuuuito boa) e ele veio fervendo (nem mesmo a caminhada pelas ruas frias da Vila Nova o esfriou). Assim, o custo-benefício valeu o investimento.
No cair da noite, resolvemos jantar em uma lanchonete/hamburgueria na esquina da Avenida Fox com a Rua Rymkiwicz (não sei se é mais difícil escrever ou falar o nome dessa via!). Acho que o nome do lugar era Tô na Pista II. Bem próximo à Casa de Chá Raízes da Serra, a lanchonete/hamburgueria tinha uma estrutura tão espartana que não possuía seu nome estampado em muitos lugares no lado de fora nem no lado de dentro. A sensação era que ele era novinho/recém-inaugurado, por isso a falta de cuidado na divulgação da marca. Seus preços eram mais adequados: hamburguers de R$ 17,00 a R$ 20,00, pratões de sopa de R$ 20,00 a R$ 25,00 e porções gigantescas de batata frita para quatro ou cinco pessoas por R$ 30,00. Aí o problema foi a qualidade baixa. Sabe quando o barato sai caro? Foi o que aconteceu. Ou a comida servida no Tô na Pista II ficava muito a desejar ou os sanduíches mexicanos que provamos no meio da trilha estavam deliciosos e exterminaram a concorrência (abraço, Chef Alan).
Tive a sensação de que se come bem e se paga caro ou se come mal e se gasta pouco em Paranapiacaba. Mas como disse anteriormente, essa foi só uma impressão inicial que tive. Se você tiver outras experiências gastronômicas pelo distrito inglês de Santo André, por gentileza, compartilhe conosco no campo de comentários. Em minha próxima visita, quero me dedicar mais a culinária local, algo que senti que faltou em minha estreia do domingo retrasado.
Em suma, gostei muito de Paranapiacaba. Fui por causa da trilha e o que mais gostei foi de ter conhecido as histórias riquíssimas da Vila Martin Smith e da São Paulo Railway. O passeio vale sim muito a pena. Quero voltar mais algumas vezes lá para explorar as novas trilhas (ainda farei a Trilha do Mirante e, quem sabe, a Trilha Raiz da Serra) e me enveredar por sua gastronomia (que deve esconder atrativos que não pude desvendar em tão pouco tempo).
O único ponto negativo da visitação foi constatar que o Turismo é ainda uma área amadora no Brasil e em São Paulo. Um distrito com tanta riqueza histórica e arquitetônica e com tanto potencial turístico é ainda explorado de um jeito tacanho pelas esferas públicas. Com um pouco mais de zelo, investimento e profissionalismo, Paranapiacaba poderia ser uma atração ainda mais divertida, impactante e memorável para um número maior de visitantes. Algo que, infelizmente, ainda estamos muito, mas muito longe de ver em nosso país e em nosso Estado.