Gravada em julho de 1982, a canção com refrão grudento tornou-se rapidamente onipresente no país e consagrou a banda carioca como fenômeno das massas.
Vamos falar hoje, na coluna Músicas, de um grande sucesso do início da década de 1980. Quem tem mais de trinta e cinco anos e viveu no Brasil na primeira metade dos anos 1980 na certa conhece “Você Não Soube Me Amar”, o principal hit da Blitz. Não é errado dizer que essa canção se tornou onipresente nas rádios do país há quarenta anos. A banda de rock formada por Evandro Mesquita, Fernanda Abreu, Márcia Bulcão, Ricardo Barreto, Lobão, Antônio Pedro Fortuna e Billy Forghieri explodiu nacionalmente e se tornou um fenômeno musical brasileiro. O grupo foi um dos pioneiros do rock nacional, gênero que viveria nesse período sua era dourada. Curiosamente, o sucesso da Blitz começou justamente com “Você Não Soube Me Amar”, a música de trabalho do primeiro álbum da banda carioca. Graças a febre do público pelo novo ritmo, as vidas dos integrantes da Blitz mudaram da água para o vinho do dia para a noite. Essa transformação veio nos embalos dos versos grudentos de “Você não soube me amar/ Você não soube me amar/ Você não soube me amar/ Você não soube me amar”.
Para entendermos a real dimensão de “Você Não Soube Me Amar” e o que essa canção representou para o cenário musical brasileiro da época, é preciso antes explicar como surgiu a Blitz. O grupo nasceu dentro da companhia teatral “Asdrúbal Trouxe o Trombone”. Fundada em 1974 no Rio de Janeiro e especializada em comédia teatral, o “Asdrúbal Trouxe o Trombone” revelou vários artistas brasileiros tanto no universo cênico quanto no universo musical. Para termos uma ideia da força da companhia, Regina Casé, Luís Fernando Guimarães, Patrícia Pillar, Patrícya Travassos e Nina de Pádua são alguns dos atores consagrados formados ali. No lado musical, Cazuza e Evandro Mesquita começaram a carreira artística nos palcos do grupo cênico e depois migraram para os palcos mais cantantes. Outros grupos de teatro também surgiram a partir do “Asdrúbal Trouxe o Trombone”. Podemos citar, entre eles, os “Banduendes Por Acaso Estrelados”, a “Companhia Tragicômica Jaz-o-coração”, “Diz-Ritmia” e “Beijo na Boca”.
Evandro Mesquita integrava a equipe do “Asdrúbal Trouxe o Trombone” desde o finalzinho dos anos 1970. Em 1981, ele decidiu montar uma banda de rock performático, um gênero até então novo no Brasil. A ideia era cantar nos barzinhos da capital fluminense as composições próprias do jovem cantor-ator. Muitos dos músicos convidados por Evandro para integrar a nova banda estavam envolvidos de alguma forma com o “Asdrúbal Trouxe o Trombone”. O vocal principal do grupo recém-criado ficou, obviamente, com Evandro Mesquita. No vocal de apoio (que de apoio não tinha nada, pois participava ativamente das canções), foram escaladas Fernanda Abreu, que mais tarde teria uma exitosa carreira solo, e Márcia Bulcão. Na banda que acompanhava o trio de cantores, a Blitz tinha Ricardo Barreto na guitarra, Lobão na bateria (sim, ele mesmo – Lobão!), Antônio Pedro Fortuna no baixo e Billy Forghieri nos teclados. Apesar de alguns dos integrantes do grupo serem atualmente nomes consagradíssimos da música nacional, naquele momento todos eram novatos no show business.
Para quem tem curiosidade em saber como surgiu o nome da banda, a ideia partiu de Lobão, grande amigo de Evandro Mesquita que ficou pouquíssimo tempo no grupo musical (ele não concordava com a linha artística da Blitz; Lobão sempre foi mais do rock tradicional do que do rock performático). Vendo que Evandro era parado e multado constantemente pela polícia carioca pelo excesso de velocidade do fusquinha que o vocalista dirigia, nada melhor do que nomear a banda de Blitz. A proposta de Lobão foi aceita por unanimidade e instantaneamente pelos colegas. A primeira apresentação com a nova denominação aconteceu quase um ano depois da união dos músicos. Em janeiro de 1982, a Blitz se apresentou no Circo Voador, a principal casa de espetáculos do Rio de Janeiro de então. O desempenho no palco foi decisivo para a assinatura do primeiro contrato com uma gravadora renomada, a EMI.
Para o lançamento do compacto de estreia da Blitz, em julho de 1982, foi escolhida a canção “Você Não Soube Me Amar”. A música fora composta por Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, Guto Barros e Zeca Mendigo para a peça teatral “A Incrível História de Nemias Demutcha”. O espetáculo com essa faixa musical foi apresentado pela companhia “Banduendes Por Acaso Estrelados” no início da década de 1980. O disco com apenas a música “Você Não Soube Me Amar” (compacto era um disquinho de vinil que trazia apenas uma ou duas faixas) vendeu impressionantes 100 mil cópias em poucas semanas, o que rendeu ao grupo o disco de ouro (premiação do mercado fonográfico para quem superava a marca de 100 mil unidades vendidas).
Vendo o sucesso daquele hit e o apelo absurdo da jovem banda entre a juventude da época, a EMI decidiu gravar um álbum da Blitz dessa vez no formato tradicional (aquele com tamanho padrão e contendo pouco mais de uma dezena de faixas). Assim, em setembro de 1982, chegava às lojas brasileiras “As Aventuras da Blitz”, o primeiro disco da banda carioca. Além da onipresente “Você Não Soube Me Amar”, o álbum trazia outras 12 canções: “Blitz Cabeluda”, “Vai, Vai, Love”, “De Manhã (Aventuras Submarinas)”, “Vítima do Amor”, “O Romance da Universidade Otária”, “O Beijo da Mulher Aranha”, “Totalmente em Prantos”, “Eu Só Ando a Mil”, “Mais Uma de Amor (Geme Geme)”, "Volta ao Mundo", “Ela Quer Morar Comigo na Lua” e “Cruel, Cruel Esquizofrenético Blues”. As músicas do disco foram compostas, na maioria das vezes, por Evandro Mesquita, ora sozinho ora com algum parceiro musical (Ricardo Barreto e Antônio Pedro Fortuna eram os parceiros habituais).
O sucesso do discão da Blitz foi ainda maior do que aquele alcançado pelo compacto. “Você Não Soube Me Amar” integrou a trilha sonora da novela “Sol de Verão”, que foi ao ar pela Rede Globo entre outubro de 1982 e março de 1983. Essa aparição televisiva ajudou a manter a música em destaque por mais tempo. A canção da Blitz não estava na abertura do programa, mas era o tema geral da novela. O álbum de estreia do grupo carioca vendeu mais de 700 mil unidades e conquistou o disco de platina (para venda superior a 250 mil cópias segundo os patamares da época). Por isso, “As Aventuras da Blitz”, também chamado de “As Aventuras da Blitz 1” (repare que na capa do álbum há o número 1 depois do título, apesar de jamais ter havido um disco com o nome de “As Aventuras da Blitz 2”), é considerado um dos álbuns brasileiros mais bem-sucedidos do século XX. Daí sua relevância (gostemos ou não gostemos de suas músicas).
O interessante é que a excelente receptividade de “Você Não Soube Me Amar” logo de cara pelo público pautou a linha musical da Blitz dali em diante. Repare que a proposta do rock performático, quase como apresentações cênicas nos palcos e nos videoclipes, com canções carregadas de bom humor, diálogos inusitados entre os cantores e letras de duplo sentido (invariavelmente fazendo referência ao sexo, o que rendeu uma série de censuras ao grupo – sim, havia censura no Brasil no início dos anos 1980!), marcou as principais faixas tanto desse álbum inicial quanto dos demais trabalhos da banda. No aspecto estético, é preciso dizer que a Blitz foi um grupo musical com forte identidade autoral, o que a diferenciava das demais bandas de rock dos anos 1980.
Se analisarmos atentamente, “Mais Uma de Amor (Geme Geme)”, "O Beijo da Mulher Aranha", "Volta ao Mundo" e “Cruel, Cruel Esquizofrenético Blues”, outros sucessos desse primeiro disco da Blitz, seguem exatamente a concepção musical de “Você Não Soube Me Amar”. O mesmo ocorre com “A Dois Passos do Paraíso”, “Betty Frígida”, “Weekend”, “Radioatividade” (todas essas canções são do segundo álbum, “Radioatividade”, de 1983), “Egotrip”, “Eugênio” e “Louca Paixão” (essas últimas faixas são do terceiro disco, “Blitz 3”, de 1985). Por isso, ouso dizer que “Você Não Soube Me Amar” originou não apenas um tipo de música para a banda, mas também uma nova e frutífera vertente do rock nacional. A Blitz e seu maior sucesso, portanto, deram origem a uma linha artística que foi seguida, mais tarde, pelos “Mamonas Assassinas”, “Ultrage a Rigor”, “Virgulóides”, “Raimundos”, “Massacration”, “Pedra Letícia”, “Herva Doce” e tantas outras bandas de rock bem-humoradas (e muitas vezes politicamente incorretas).
Antes de discutirmos “Você Não Soube Me Amar” com mais detalhes (afinal, essa é a ideia central do post de hoje do Bonas Histórias, né?), confira, a seguir, a letra da famosa música e uma das interpretações originais da Blitz na época do lançamento de “As Aventuras da Blitz”:
“Você Não Soube Me Amar” (1982) - Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, Guto Barros e Zeca Mendigo
Sabe essas noites em que você sai caminhando sozinho
De madrugada com a mão no bolso (na rua)
E você fica pensando naquela menina
Você fica torcendo e querendo que ela estivesse (na sua)
Aí finalmente você encontra o broto
Que felicidade (que felicidade),
Que felicidade (que felicidade)
Você convida ela pra sentar
(Muito obrigada)
Garçom uma cerveja
(Só tem chope)
Desce dois, desce mais
(Amor, pede uma porção de batata frita)
Okay, você venceu
Batata frita
Aí blá blá blá blá blá blá blá blá blá
(Ti ti ti ti ti ti ti ti ti)
Você diz pra ela
Tá tudo muito bom (bom)
Tá tudo muito bem (bem)
Mas realmente, mas realmente
Eu preferia que você estivesse (nua)
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Todo mundo dizia
Que a gente se parecia
Cheio de tal coisa
E coisa e tal
E realmente a gente era
A gente era um casal
Um casal sensacional
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Você não soube me amar
No começo tudo era lindo
Era tudo divino, era maravilhoso
Até debaixo d'água nosso amor era mais gostoso
Mas de repente
A gente enlouqueceu
Aí eu dizia que era ela
E ela dizia que era eu
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Você não soube me amar
(Amor, que qui cê tem?
Cê tá tão nervoso)
Nada nada nada nada nada nada
(Foi besteira usar essa tática,
Dessa maneira assim dramática)
Eu tava nervoso (o nosso amor era uma orquestra sinfônica)
Eu sei (e o nosso beijo uma bomba atômica)
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Você não soube me amar
Você não soube me amar (é, foi isso que eu disse a ela)
Você não soube me amar
Você não soube me amar (é, foi isso que ela me disse)
Você não soube me amar
Você não soube me amar (Oh baby não!)
O primeiro aspecto que chama a atenção em “Você Não Soube Me Amar” é o tom de diálogo da canção, algo totalmente inusitado no cenário do Rock and Roll. Repare que Fernanda Abreu e Márcia Bulcão não são uma simples dupla de backing vocal. Elas interagem ativamente com Evandro Mesquita, o cantor principal, como se todos fossem verdadeiramente personagens da música (no caso, um casal enamorado). O mais correto seria dizer que a letra de “Você Não Soube Me Amar” emula uma cena de um encontro (e depois desencontro) amoroso. O cenário, obviamente, é o Rio de Janeiro contemporâneo (ou melhor, a capital fluminense dos anos 1980). Esse enredo oferece um componente cênico à faixa musical. Não à toa, essa canção da Blitz foi produzida originalmente para uma peça teatral (e não para ser gravada em um disco ou executada nas rádios, nos palcos e em videoclipes).
Ainda falando sobre os diálogos trazidos pela música, eles são de vários tipos. A conversa prioritária é entre o jovem casal que começa a sair e, depois de engatar um relacionamento, a brigar: “Você convida ela pra sentar/ Muito obrigada”; “Amor, pede uma porção de batata frita/ Okay, você venceu/ Batata frita”; “Aí blá blá blá blá blá blá blá blá blá/ Ti ti ti ti ti ti ti ti ti”; e “Amor, que qui cê tem?/ Cê tá tão nervoso/ Nada nada nada nada nada nada”. Há também uma rápida conversa da personagem principal com o garçom do bar/lanchonete: “Garçom uma cerveja/ Só tem chope”. Se analisarmos bem, é possível identificarmos ainda um diálogo do protagonista com sua própria consciência, como se ele falasse consigo ou se pensasse alto: “Tá tudo muito bom/ Bom/ Tá tudo muito bem/ Bem/ Mas realmente, mas realmente/ Eu preferia que você estivesse/ Nua”; “Sabe essas noites em que você sai caminhando sozinho/ De madrugada com a mão no bolso/ Na rua/ E você fica pensando naquela menina/ Você fica torcendo e querendo que ela estivesse/ Na sua”.
É interessante notar que tanto Evandro Mesquita quanto Fernanda Abreu e Márcia Bulcão utilizam-se de suas habilidades cênicas na interpretação da música. Afinal, a trupe é originária do “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, né? E o trio de cantores tem obviamente um pé no teatro – além de músicos, são atores e atrizes (inclusive, Evandro Mesquita, nas décadas seguintes, ficou mais conhecido do grande público pelos papéis interpretados na televisão do que como cantor). Parte do charme da interpretação (ou seria atuação?!) dos vocalistas da Blitz está justamente na veia cômica e cênica que eles colocam na execução das canções. Afinal, o que seria do rock performático sem o empenho e as habilidades dos artistas no palco, hein?!
Outra questão que não pode ser relevada em “Você Não Soube Me Amar” é o humor de sua letra. Como sempre foi típico do portfólio da Blitz, essa música exala comicidade em cada verso. Temos aqui um humor ingênuo, puro e natural. É verdade que essa não é a faixa mais engraçada da banda, mas não dá para renegar seu bom humor. As passagens de destaque da canção são: “Aí blá blá blá blá blá blá blá blá blá/ Ti ti ti ti ti ti ti ti ti”; “Tá tudo muito bom/ Bom/ Tá tudo muito bem/ Bem/ Mas realmente, mas realmente/ Eu preferia que você estivesse/ Nua”; “No começo tudo era lindo/ Era tudo divino, era maravilhoso/ Até debaixo d'água nosso amor era mais gostoso/ Mas de repente/ A gente enlouqueceu/ Aí eu dizia que era ela/ E ela dizia que era eu”; e “Foi besteira usar essa tática/ Dessa maneira assim dramática/ Eu tava nervoso/ O nosso amor era uma orquestra sinfônica/ Eu sei/ E o nosso beijo uma bomba atômica”. Note que o enredo da música por si só já é divertido – um casal que vai do primeiro encontro empolgado e da paixão fulminante à decepção sentimental e as constantes brigas. Atire a primeira pedra quem nunca passou por algo assim ou não viu isso acontecer com alguém próximo.
Outras marcas de “Você Não Soube Me Amar” (e da Blitz de maneira geral) são a linguagem coloquial e a oralidade. Boa parte dos termos usados na letra da música foi extraída do cotidiano. Daí a overdose de gírias, interjeições e informalidade verbal. Muitas das expressões trazidas na canção eram típicas dos anos 1980 e do Rio de Janeiro. Dá para citar, sem pensar muito: “broto”, “okay”, “blá blá blá blá blá blá blá blá blá/ ti ti ti ti ti ti ti ti ti”, “cheio de tal coisa/ e coisa e tal”, “amor, que qui cê tem?/ cê tá tão nervoso” e “eu tava nervoso”. Incrível essa mistura bem azeitada de oralidade e coloquialismo.
Por essa perspectiva linguística, não é surpresa nenhuma que a música tenha caído no gosto do público e na boca do povo, que passou a repetir incessantemente alguns dos versos de “Você Não Soube Me Amar” no dia a dia. Em se tratando da criação de bordões, não lembro de outra faixa da MPB mais exitosa. Algumas frases dessa canção da Blitz podem ser ouvidas até hoje em nosso cotidiano: “Que felicidade/ Que felicidade/ Que felicidade/ Que felicidade”; “Aí blá blá blá blá blá blá blá blá blá/ Ti ti ti ti ti ti ti ti ti”; “Tá tudo muito bom/ Bom/ Tá tudo muito bem/ Bem”; “No começo tudo era lindo/ Era tudo divino, era maravilhoso”; “Amor, que qui cê tem?/ Cê tá tão nervoso”.
Há algum erotismo ou sensualidade (escolha o conceito que preferir) em “Você Não Soube Me Amar”?! Se você considerar o verso “Eu preferia que você estivesse/ Nua” como algo demasiado caliente, a resposta é positiva. Porém, se você considerar o repertório musical da Blitz – ouça, por exemplo, “Mais Uma de Amor (Geme Geme)”, “A Dois Passos do Paraíso”, “Betty Frígida” e “Weekend” –, a resposta só pode ser negativa. Comparada com as canções coirmãs da banda carioca, “Você Não Soube Me Amar” é extremamente casta.
Algo que pouca gente comenta e que me chamou bastante atenção nessa canção da Blitz é a impressão que não há melodia em boa parte de “Você Não Soube Me Amar”. Nas primeiras vezes que ouvi essa música, podia jurar que Evandro Mesquita, Fernanda Abreu e Márcia Bulcão cantavam sem o acompanhamento da banda na maioria dos versos. Para mim, a melodia só entrava para valer no refrão: “Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar”. Não há nada mais equivocado do que tal impressão. A melodia é ótima e acompanha a letra do início ao fim. O que pode ter causado em mim essa falsa sensação de ausência melódica é que a força do diálogo e a pegada de conversa dos versos iniciais de “Você Não Soube Me Amar” tenham colocado os acordes em segundo plano. Como prestamos muita atenção no diálogo cênico e nas interpretações dos vocalistas que fogem da cantoria tradicional, esquecemos da música ao fundo. Pelo menos isso aconteceu comigo. Não sei se mais pessoas passaram pela mesma experiência musical que eu.
Por fim, não dá para falar em “Você Não Soube Me Amar” e não comentar seu refrão um tanto apelativo. Na certa, esse é o trecho mais pegajoso da história da Música Popular Brasileira (“Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar”). Confesso que torço normalmente o nariz para canções que usam refrões pobres, simplórios e diminutos. O que dizer, então, de uma faixa musical que traz como refrão uma frase só, hein? (“Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar”). É complicado apontar a composição de Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, Guto Barros e Zeca Mendigo como um primor estético quando analisamos exclusivamente seu verso principal. Se por um lado não temos grande qualidade musical nesse trecho, por outro lado é inegável o quão carismático e impactante é seu refrão ao ouvido popular (“Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar/ Você Não Soube Me Amar”). Ouça essa faixa uma vez e você ficará com essa frase na cabeça por dias, semanas, meses e, quiçá anos. Há quem diga que na porta do inferno, a música ambiente é justamente essa da Blitz (mas não temos evidências científicas dessa informação).
O que dá para dizer com propriedade é que “Você Não Soube Me Amar” está no hall dos clássicos do rock nacional e da música brasileira, gostemos ou não de seu refrão. A revista Bravo elegeu, em 2006, o maior sucesso da Blitz como uma das cem canções essenciais do nosso país. A posição exata da música é a 94ª colocação, uma posição atrás de “Brasileirinho”, sucesso de Waldir Azevedo e Pereira da Costa, e um posto à frente de “Disparada”, hit de Geraldo Vandré e Theo de Barros. Já na lista da revista Rolling Stones com as músicas brasileiras mais importantes de todos os tempos que foi divulgada em 2009, “Você Não Soube Me Amar” figura na honrada 97ª posição, justamente entre “Disritmia” de Martinho da Vila e “A Noite do Meu Bem” de Dolores Duran.
Apesar da inegável relevância histórica dessa canção, nenhum artista da primeira divisão da música nacional ousou regravar “Você Não Soube Me Amar” nas últimas quatro décadas. Pelo menos eu não tenho conhecimento de uma nova versão dessa faixa. Acredito que a ausência de novas gravações seja em função da forte identidade criada pela Blitz com sua principal criação. Impossível não ouvirmos “Você Não Soube Me Amar” e não lembrarmos imediatamente da banda carioca. Por isso, creio que ninguém aceitou cantá-la.
Para terminar esse post da coluna Músicas, preciso dizer que o auge da Blitz aconteceu entre julho de 1982 (estouro do hit “Você Não Soube Me Amar”) e dezembro de 1985 (últimos shows do terceiro álbum da banda, “Blitz 3”). Nesse intervalo de três anos e meio, o grupo de rock se transformou no grupo musical de maior sucesso do Brasil. Seus shows arrastavam multidões, os convites para aparições nos programas de televisão se multiplicavam e seus lançamentos (três discos no total) vendiam milhares de cópias. Contudo, a exposição excessiva e a vontade de seus integrantes por novos projetos artísticos decretaram o fim da banda em março de 1986. Depois disso, a Blitz até voltou algumas vezes (entre 1994 e1997 e em 2006), mas jamais retornou ao patamar de arrasa quarteirão da primeira metade da década de 1980.