Cantora e compositora colombiana de 33 anos chega ao auge artístico com merengue contagiante que se tornou hit internacional no segundo semestre de 2024. Essa canção tomou conta da América Latina e rapidamente chegou aos Estados Unidos e à Europa. Conheça a febre do último Verão no hemisfério norte.
Vamos começar este novo post da coluna Músicas brincando de “Quem é?”. Quem é a cantora colombiana mais ouvida atualmente no mundo, hein?! Aí vão algumas dicas. Ela é linda, simpática, inteligente e extremamente carismática. Começou a cantar ainda na adolescência e passou por vários perrengues até se consolidar como uma estrela global. Se tornou símbolo sexual do pop hispano-americano e é uma compositora que enaltece o empoderamento feminino. Mistura vários gêneros musicais, alguns pouco comerciais, e é capaz de emplacar um hit internacional atrás do outro, mesmo cantando em espanhol. E, antes que me esqueça, viveu há alguns anos uma ruidosa separação matrimonial, que a abalou bastante. Inclusive, um de seus sucessos recentes parece ser uma crítica nada velada às puladas de cerca do ex. Já descobriu de quem é a figura em questão, senhoras e senhores?! Que rufam os tambores...
Se você ignorou o título e o subtítulo desta matéria do Bonas Histórias (quem nunca?!) e/ou insiste em responder à minha charada com velhos parâmetros (essa foi uma indireta para você, Marita, a maior fã de Shakira que conheço em terras brasilis!), saiba que o mundo da música latina gira tão veloz quanto o coração dos desalmados ex-zagueiros do Barcelona. A fila da música colombiana caminhou tanto que a capital do pop sul-americano se deslocou de Barranquilla para Medellín – nesse sentido, Bogotá segue sendo uma cidade interiorana e periférica. Como descobriu Elisabeth Sparkle, a personagem de Demi Moore no imperdível filme “A Substância” (The Substance: 2024), o reino do show business mundial é pródigo (ou deveria dizer cruel?) em promover mudanças de cetro.
Como não sou de guardar segredo, anuncio que a personagem do desafio do “Quem é?” de hoje é Karol G, a cantora e compositora de reggaeton nascida em 1991, em Medellín. Ela se tornou a dona do principal hit do Verão europeu e norte-americano em 2024. Talvez o público brasileiro não saiba (por causa dessa mania de não se atentar para o que acontece na parte hispânica do continente ou porque o Verão no hemisfério sul ainda não começou oficialmente), mas a música do momento na América Latina e no mundo é “Si Antes Te Hubiera Conocido”. Nesse merengue contagiante cantado em espanhol, acompanhamos a desilusão amorosa de uma jovem apaixonada pelo melhor amigo. Se a temática do recente sucesso não é nem um pouco original, ao menos precisamos reconhecer que a canção é divertida, gostosa e, claro, grudenta aos ouvidos da massa.
Ou seja, depois de hits improváveis como o pop latino “Mambo Number 5”, do alemão Lou Bega, o sertanejo “Ai, Se Eu Te Pego”, do brasileiríssimo Michel Teló, do rap eletrônico “Gangnam Style”, do sul-coreano Psy, do reggaeton “Despacito”, do porto-riquenho Luis Fonsi, do raï “El Arbi”, do argelino Cheb Khaled, do pop latino “Macarena”, da dupla espanhola Los Del Rio, e do kuduro “Danza Kuduro”, do porto-riquenho Don Omar, chegou a vez do planeta se render às batidas constantes e ao drama sentimental do merengão de Karol G.
Não é exagero da minha parte dizer que, nos últimos dois meses, tenho ouvido diariamente “Si Antes Te Hubiera Conocido”. Teria eu virado fã da jovem colombiana? Acho que não... Kevin Johansen, No Te Va a Gustar (ainda vou falar na coluna Músicas sobre a banda uruguaia que completa 30 anos em 2024) e Manu Chao continuam liderando as preferências na minha playlist castellana. A questão é que a música de Karol virou onipresente em Mi Buenos Aires Querido, cidade que insisto em viver apesar do câmbio cada vez mais desfavorável. E olha que os argentinos se dividem basicamente entre os apreciadores do bom e velho Rock e os adoradores da animada e popularesca Cumbia. Mesmo assim, este merengue está em todos os lugares das margens mais caóticas do Rio da Prata. No som ambiente dos supermercados em Núñez, nas caixas de som dos frequentadores mais ruidosos dos parques da Zona Norte, nas rádios dos Ubers portenhos, na trilha sonora do café em frente a minha casa e no Spotify da vizinha gatinha do andar de baixo, “Si Antes Te Hubiera Conocido” toca de manhã à noite. Impossível não ser captado por seus versos e por seu ritmo.
Curiosamente, conheci Karol G (que, com o exagero e a pretensa originalidade das novas gerações, prefere ter o nome artístico grafado em letras maiúsculas – KAROL G) só no começo deste ano. Como integrante do SOSAMOR (Sociedade Orelhuda Secreta dos Adoradores das Músicas Orgulhosamente Ruins), o comitê organizador do prestigiado Prêmio Melhores Músicas Ruins, trabalho há um tempinho monitorando o que rola no cenário musical. Se as principais canções brasileiras já estão no meu radar há muitos anos, em janeiro de 2024 passei a observar com mais atenção as canções lançadas em espanhol. Não era para contar, mas o Melhores Músicas Ruins terá uma versão latino-americana a partir deste ano. Não falei que não conseguia guardar segredo... Porém, isso é algo para relatar aos leitores do Bonas Histórias só em janeiro de 2025. Por enquanto, seguimos falando de Karol G, o assunto deste post.
Em março, fui impactado por “Contigo”, um irritante e fraquíssimo hit ao melhor estilo música pop comercial que gruda como chiclete nos tímpanos alheios e não diz absolutamente nada. Apesar de ter odiado a canção (“contigo/con... contigo, eh/ contigo/ com... contigo, eh/ contigo/com... contigo, eh” – sim, esse é o refrão de uma profundidade assustadora), admito que gostei bastante da cantora loira de mechas rosadas. Ana Castela, não fique com ciúmes, por favor: tem lugar para todas as novinhas em meu coraçãozinho. Ao pesquisar um pouco mais sobre a colombiana, descobri algumas músicas mais interessantes, como “Amargura”, “Mi Ex Tenía Razón” e “TQG”.
Entretanto, o que mais apreciei em Karol G (não sei o porquê, mas preciso me segurar para não escrever Karol K – seria culpa de Karol Conká?!) foi sua atuação no palco. Seus shows são realmente admiráveis e empolgantes. Prova disso foi seu último concierto na Costa Rica. “Mañana Será Bonito” (2023) conquistara o prêmio de melhor álbum no Grammy Latino e, assim, merecia ser visto por quem queria aumentar o conhecimento sobre o universo fonográfico latino-americano. O que eu não imaginava era me deparar com uma intérprete tão carismática e animada diante do público. O Estádio Nacional em San José, a capital costa-riquenha, veio abaixo, principalmente com (acredite se quiser!) “Contigo”.
Assim, quando ouvi pela primeira vez “Si Antes Te Hubiera Conocido” em um domingão no fim de julho, já conhecia a cantora. Não sei se você vai crer em minhas palavras, mas sei exatamente onde estava quando fui apresentado a esta canção de Karolzinha – Karolzinha é para os íntimos, tá?! Minha memória auditiva é surpreendente até mesmo para mim... Estava na Costanera de Vicente López (uma espécie de Beira-Rio da Gran Buenos Aires) tomando sol (para espantar a friaca do Inverno portenho) e aprendendo a bebericar mate (para me aculturar ao país que escolhi como casa). Aí uns versos saídos de uma caixa de som de adolescentes esparramados no gramado assustaram meus combalidos tímpanos. Eles diziam: “Yo me caso contigo/ Mi nombre suena bien con tu apellido/ Toy esperando el primer descuido/ Pa´ presentarte como mi marido”.
Em meu espanhol ainda claudicante, juro que “Toy esperando el primer descuido” foi captado pelos meus ouvidos com peso na consciência (sim, meus ouvidos têm consciência!) como “Toy esperando mi perrito Pescuitto”. É bom contar que Pescuitto é meu vira-latinha (que minha irmã insiste em dizer que é dela) que deixei no Brasil quando me mudei para a Argentina. Não é preciso dizer o pulo de pânico que dei ao ouvir uma canção que falava justamente do meu maior trauma emocional recente (maior até do que desconhecer o que fiz de errado para perder o afeto da Sub-30). Abandonar o cachorrinho que não vivia sem mim é tão difícil que chego a ouvir cantoras gatinhas mencionando essa minha delicada passagem biográfica em suas músicas comerciais...
Apavorado, voltei correndo da Costanera (correndo é modo de dizer, pois peguei o trem que aos domingos pode ser beeeeem lento) e a primeira coisa que fiz quando cheguei em casa foi pesquisar aquela música que mencionava “mi perrito Pescuitto”. Para meu alívio (ou não!), constatei que se tratava de mais um equívoco idiomático da minha pessoa cada vez mais confusa. Dessa vez, não foi algo tão grave quanto confundir tacones com tapones justamente em una primera cita nem tão constrangedor quanto mencionar a palavra correr com sotaque brasileiro que soa para os argentinos como coger – questões essas que juro que vou comentar no próximo texto de “Tempos Portenhos”, a coletânea de narrativas não ficcionais que estou publicando na coluna Contos & Crônicas.
Duas semanas depois daquele domingo angustiante à beira-rio, ouvi novamente “Si Antes Te Hubiera Conocido” quando passeava pelo Parque Saavedra em um congelante fim de tarde. O pessoal que fazia ginástica com um personal trainer escutava essa música em um volume considerável (talvez para espantar o frio). A partir daí, o merengue se tornou onipresente em Buenos Aires. Pelo menos aonde eu ia, ele tocava como se fosse meu stalker. Às vezes, não precisava nem sair de casa para ser alvo de sua ação sorrateira. Os vizinhos e os comércios das redondezas tratavam de me expor ao hit colombiano sem qualquer pudor.
Não é preciso dizer que, em uma nova pesquisa googleana, descobri que não se tratava de um stalker sonoro (juro que esse foi meu primeiro pensamento) e sim do novo sucesso de Karol G na Argentina. E para meu espanto, vi que o êxito da canção era mais abrangente do que supunha. Pelo visto, a América Latina fora contagiada por “Si Antes Te Hubiera Conocido”. Essa faixa é uma das mais tocadas em vários países do continente. Até o Brasil, resistente à influência dos vizinhos sul-americanos, assistiu recentemente ao brilho da cantora colombiana. Ela foi um dos destaques da última edição do Rock in Rio. Segundo as manchetes de alguns jornais nacionais, a loira foi apontada como a sucessora natural de Shakira. Tá vendo, Mara, não sou apenas eu quem está dizendo isso!
Daí em diante, fiquei cada vez mais impressionado com a dimensão do sucesso de Karol G. No mês retrasado, conversei por videochamada com uma amiga (beijo, Carlinha). Em viagem pelo sul da Europa, ela me ligou para mostrar o luxo que era falar pelo celular no centro de uma cidade (algo que os brasileiros desconhecem e até acham impossível). Ou só estava interessada em me mostrar o peguete (literalmente) grego com quem ela estava naquele momento. De qualquer forma, o que chamou verdadeiramente minha atenção no rápido bate-papo foi a canção que estava tocando ao fundo na praia de Algarve. Ao ser questionada sobre o som ambiente, minha amiga se saiu com essa: “É uma música que tá em todo lugar. Não sei de quem é. Acho que é de uma cantora espanhola do tipo Anitta. Só sei que aonde vou, escuto essa droga”.
Foi aí que descobrir que o hit de Karol G tinha tomado conta do Verão Europeu – pelo menos na Península Ibérica. Ao pesquisar um pouco mais o assunto, vi que seu efeito pandêmico atingira também os Estados Unidos. É, meus amigos do Bonas Histórias, “Si Antes Te Hubiera Conocido” se tornou febre no Verão do hemisfério norte. Daí minha vontade de comentar essa questão no post de hoje da coluna Músicas. Independentemente de nossas preferências sonoras, acho que vale a pena comentar um sucesso dessa magnitude, ainda mais vindo de uma artista com tantas qualidades.
Antes de falar da canção que é o tema desta matéria, deixe-me dar um dedo de prosa sobre Karol G. Nascida Carolina Giraldo Navarro (é isso mesmo que você leu: o nome dela é Carolina com C e o G é de seu primeiro sobrenome), a então adolescente rechonchudinha de 14 anos se destacou na versão colombiana do programa The X Factor. Mesmo não tendo levado o principal prêmio da atração televisiva, a jovem (ao lado de seu pai, seu principal incentivador) ficou empolgada com o desempenho e resolveu investir na carreira musical. Foi nessa época que escolheu o nome artístico (que mantém até hoje) e optou pelo reggaeton, gênero nascido em Porto Rico que mistura o reggae jamaicano (daí a primeira parte do nome) com a salsa cubana, o hip hop norte-americano e o pop latino.
Contudo, os primeiros anos foram duríssimos para a talentosa Karol G. O fato de ser muito jovem e mulher se constituíram em grandes empecilhos para seu crescimento profissional. Até então, o universo do reggaeton era dominado por homens tanto na Colômbia quanto no exterior – Ivy Queen é a exceção que só comprova a regra de exclusão das mulheres. Se você acha que o sertanejo e o funk brasileiro eram machistas, é porque você não conheceu a realidade do principal ritmo caribenho.
No fim da primeira década do século XXI, é bom que se diga, a misoginia dominava o mercado musical do reggaeton tanto pela perspectiva dos profissionais e das gravadoras quanto pelos hábitos do público ouvinte e da imprensa especializada. Ninguém estava acostumado a acompanhar artistas femininas ao microfone e, com essa justificativa, quase todo mundo se opunha ferrenhamente à presença das mulheres. Por mais que o reggaeton tivesse deixado o campo underground dos anos 1980 e 1990, ele ainda carregava uma aura de música proibida (uma espécie de funk carioca dos países caribenhos) e possuía um forte clima de marginalidade (algo que o rap e o hip hop tinham até pouco tempo atrás na maioria dos países).
O machismo apareceu na vida de Karol G de várias maneiras: do assédio de empresários e da má vontade das gravadoras até os comentários indelicados do público nos shows e na Internet (principalmente porque a cantora não tinha um corpo dentro dos padrões de beleza do show business internacional – ela sempre foi meio gordinha). Com as portas fechadas para a atuação como vocalista, sua alternativa foi compor canções para músicos mais famosos. Mesmo vendo o êxito de suas criações autorais nas bocas alheias, Karol queria ser cantora.
Ela só conseguiu dar o primeiro passo nessa direção quando foi convidada para ser dançarina de Reykon, cantor colombiano cinco anos mais velho. O que parecia ser uma decisão equivocada se mostrou acertadíssima. Entre 2011 e 2012, a moça integrou a equipe do astro de reggaeton, que também nasceu em Medellín. Curiosamente, o talento musical de Carolina a fez deixar o bailado e pegar no microfone. No começo, era uma espécie de segunda voz de Reykon. Porém, quando compôs “301”, ela passou a dividir a interpretação de algumas canções com o cantor. “301” se tornou um enorme sucesso na Colômbia e nos países vizinhos. O público começou a enxergar Reykon e Karol G como uma dupla talentosa. Enfim, a bailarina virou verdadeiramente uma cantora.
Nessa época, ela cursou música na Universidade de Antioquia, em Medellin, e aumentou a produção de canções autorais. Terminada a graduação e a parceria com Reykon, Carolina Giraldo Navarro se mudou para Nova York para aprender inglês e continuar sua evolução musical. Por alguns anos, fez parcerias artísticas com nomes mais famosos do pop latino e do reggaeton. Também lançou vários singles, que obtiveram boa receptividade entre os jovens colombianos. Nesse momento, ela já conseguira superar parte do machismo do mercado fonográfico local.
Em 2017, Karol G lançou seu primeiro algum: “Unstoppable”. Dois anos depois, veio o segundo disco “Ocean” (2019). Ambos foram muito bem-recebidos na Colômbia, tornando a cantora famosa nacionalmente. Além das canções, a jovem ficou em evidência na mídia caribenha pelo namoro com o rapper porto-riquenho Anuel AA. Eles se conheceram logo depois do rapaz ter deixado a prisão. Prisão?! Sim, o músico sempre foi meio barra-pesada. O casal adorava expor nas redes sociais e na imprensa o amor mútuo. O noivado foi anunciado em pleno evento da Billboard Latin Music Awards com direito a anel de diamante. Contudo, o conto de fadas da princesa e o sapão acabou em abril de 2021, pouco depois de Karol ter lançado seu terceiro álbum, “KG0516”. O término do relacionamento foi duríssimo para ela, que flertou com a depressão.
O quarto disco, “Mañana Será Bonito”, veio em 2023, juntamente com o novo namoro. O felizardo dessa vez é Feid, outro cantor natural de Medellín (eu não disse que há algo de especial nessa cidade!). Porém, ele NÃO causa confusões e NÃO tem problemas com a polícia – ufa! A nova relação parece que deu sorte para a moça. “Mañana Será Bonito” estourou tanto na América Latina quanto nos Estados Unidos. Ele foi o primeiro disco gravado em espanhol por uma cantora a alcançar o posto de número 1 na Billboard 200 norte-americana. Depois do reconhecimento do público, veio a premiação da crítica especializada. Karol G ganhou o Grammy Internacional de Melhor Álbum de Música Urbana no ano passado. Na edição do Grammy Latino daquela temporada, ainda venceu como Melhor Álbum.
Assim, a artista colombiana se tornou reconhecida e bem-sucedida globalmente. Contudo, ainda faltava uma canção bombástica que fizesse as estruturas da música mundial se abalarem. Por mais que tivesse alguns grandes hits na Europa e na América do Norte (“Provenza”, “Tusa”, “A Ella”, “Pineapple”, “Cairo”, “Ocean”, “Amargura” e “Bichota” são os mais famosos para os gringos), nenhum foi capaz de se tornar onipresente nos quatro cantos do planeta. Isso até “Si Antes Te Hubiera Conocido” pintar na área.
Pronto, chegou a vez de falarmos exclusivamente dessa música, senhoras e senhores. Espero que ninguém tenha abandonado meu texto até aqui. Para começarmos os trabalhos de análise, nada melhor do que conhecer a letra da canção, né? Veja, a seguir, os versos do hit criado por Karol G com sua equipe de compositores:
“Si Antes Te Hubiera Conocido” (2024) – Karol G, Édgar Barrera, Andrés Jael, Correa Ríos e Alejandro Ramírez Suárez
¿Qué hubiera sido?
Si antes te hubiera conocido
Seguramente
Estarías bailando esta conmigo
No como amigos
Sino como otra cosa
Usted cerca me pone peligrosa
Por un besito hago cualquier cosa
La novia suya me pone celosa
Y aunque es hermosa, ey
No te va a tratar como yo
No te va a besar como yo
No está tan rica así como yo
Ella es tímida y yo no
Con estas ganas que tengo yo
Me atrevo a comerme a los dos
Hoy estás jangueando con ella
Pero, mmm, después tal vez no
¿Qué hubiera sido?
Si antes te hubiera conocido
Seguramente
Estarías bailando esta conmigo
No como amigos, ey
Y yo te veo y no sé cómo actuar
Bebé, pa' conquistarte que me pasen el manual
Espero lo que sea, yo no me voy a quitar
Tengo fe que esos ojitos un día me van a mirar
Yo me caso contigo
Mi nombre suena bien con tu apellido
Toy esperando el primer descuido
Pa´ presentarte como mi marido
No has entendido que
No te va a tratar como yo
No te va a besar como yo
No está tan rica así como yo
Ella es tímida y yo no
Con estas ganas que tengo yo
Me atrevo a comerme a los dos
Hoy estás jangueando con ella
Pero, mmm, después tal vez no
¿Qué hubiera sido?
Si antes te hubiera conocido ey,
Seguramente
Estarías bailando esta conmigo
No como amigos, no, no, no
O videoclipe oficial da canção está abaixo. Ele foi lançado em 20 de junho:
É possível notar o tom divertido e empolgante do vídeo. A galera dançando na rua com Karol G e o povo pedindo bis no final são momentos impagáveis. Acho que essa sequência demonstra com clareza a febre que tomaria conta dos países latino-americanos nas semanas seguintes. Não é exagero dizer que “Si Antes Te Hubiera Conocido” se tornou a canção onipresente do Deserto de Chihuahua à Patagônia neste segundo semestre de 2024. Por onde andamos no lado espanhol do continente, ouvimos os versos: “¿Qué hubiera sido?/ Si antes te hubiera conocido/ Seguramente/ Estarías bailando está conmigo/ No como amigos, ey”.
Uma semana depois da divulgação do videoclipe oficial, foi lançado um vídeo mais formal (formal pela lógica latina, por favor!) e focado exclusivamente na execução da canção (o pessoal dançando atrás da cantora foi excluído da apresentação). É bom destacar também que, dessa vez, a produção audiovisual recebeu o patrocínio de uma famosa marca de refrigerantes, em uma ação de Merchandising ao mesmo tempo sutil e inteligente. Ou você vai me dizer que não reparou na propaganda indireta do refri do Papai Noel?!
Porém, a apresentação mais emblemática para o público internacional foi a realizada por Karol G no MTV Video Music Awards no mês passado. Ver a plateia norte-americana sendo contagiada pelo merengue da colombiana mostrou o quão impactante é o ritmo desta canção. Além disso, o que podemos falar das cenas de Taylor Swift e Camila Cabello dançando o novo hit de Karolzinha, hein?! Para mim foi espetacular ver as estrelas da primeira prateleira da música mundial bailando ao som de uma canção em espanhol.
Depois de tanto blábláblá, preciso analisar efetivamente “Si Antes Te Hubiera Conocido” antes que os haters de plantão despertem dos recôncavos mais sórdidos da Internet para me criticar. Afinal, a proposta da coluna Músicas é debater as faixas com grande representatividade social, não é? Por mais interessante que seja a história por trás da composição de Karol G e da vida da artista colombiana, o que eu quero saber (e imagino que os leitores do Bonas Histórias também queiram) é o impacto desta canção. Como não sei a reação das outras pessoas, terei que focar na minha própria experiência. Vou usar minha percepção pessoal como se ela fosse da galera, tá? O blog é meu e faço o que eu quero! Pronto, falei. Jejeje.
Comecemos discutindo a melodia, senhoras e senhores. Como um legítimo merengue, a batida sonora de “Si Antes Te Hubiera Conocido” é muitíssimo simples e se mantém simétrica do começo ao fim. Nota-se a execução de apenas cinco notas ao longo dos 3 minutos e 15 segundos de execução da música. Os instrumentos utilizados são a conga/tumbadora (tambor longo de origem cubana que foi inspirado no atabaque africano), o teclado, o baixo e o metrónomo (uma espécie de reco-reco caribenho).
Obviamente, a homogeneidade melódica da canção de Karol G é uma faca de dois gumes. Por um lado, ela pode incomodar bastante os ouvidos mais sensíveis e exigentes, principalmente por se tratar de um hit muito executado. A repetição aliada à simplicidade da melodia a torna cansativa, enjoativa. Que Doutor Saraiva não escute essa música, por favor! Entretanto, foi exatamente essa característica que a tornou mundialmente viral, né? A pessoa ouve uma, duas vezes e já fica viciada. Quando a faixa toca pela terceira vez, já é possível identificá-la instantaneamente e o corpo automaticamente começa a remexer. Em muitos casos, o cérebro já envia informações para a boca cantarolar a letra: “Yo me caso contigo/ Mi nombre suena bien con tu apellido/ toy esperando el primer descuido/ Pa´ presentarte como mi marido”.
É bom que se diga que a combinação de repetição melódica e simplicidade de notas não é algo exclusivo de “Si Antes Te Hubiera Conocido”. Trata-se de uma das marcas mais acentuadas do merengue. Lembro que quando trabalhava na Dança & Expressão, esse gênero dançante era um dos mais polêmicos entre os alunos de Dança de Salão. Na escola, havia o grupo que amava dançar merengue exatamente pela sua estrutura musical intuitiva, fácil e homogênea. Normalmente, eram os iniciantes que a apreciavam. E havia, obviamente, a galera que odiava dançar esse ritmo porque as canções não saíam (metaforicamente falando, tá?) do lugar. Não preciso dizer que eram geralmente os dançarinos mais experiente que nutriam a repulsão pelo marasmo e pela monotonia.
Talvez isso explique o porquê não tenhamos faixas clássicas de merengue no imaginário popular. Você já parou para pensar sobre isso?! Qual é o merengue que nós brasileiros conhecemos de cabeça, hein? Peguemos o caso da salsa, outro estilo caribenho globalmente conhecido. Poderia passar algumas horas listando as canções de salsa que aprecio e que até canto automaticamente: “Quizás, quizás, quizás”, “Bamboleo”, “La Vida es un Carnaval”, “El Bodeguero”, “Besame Mucho”, “Guantanamera”, “Dos Gardenias” etc. Aposto que só de nome você irá se lembrar da maioria dessas faixas. Porém, confesso que não me lembro de nenhum merengue. Eu disse NENHUM!
Ao mesmo tempo que a escolha melódica de Karol G me pareceu arriscadíssima num primeiro momento (pelo ponto de vista de quem desejava agradar ao mercado internacional), é impossível não associar “Si Antes Te Hubiera Conocido” ao universo musical do Caribe. Quando a canção começa, somos levados automaticamente à América Central e ao norte da América do Sul, uma das regiões musicalmente falando mais ricas do planeta. Acho que todos os hits mundiais considerados imprevisíveis (lembremos de “Mambo Number 5”, “Ai, Se Eu Te Pego”, “Gangnam Style”, “Despacito”, “El Arbi”, “Macarena” e “Danza Kuduro”, para ficarmos nos citados no início deste post) possuíam como charme o colorido de uma região específica. Em um mundo cada vez mais globalizado e padronizado, o que faz o público se empolgar pra valer é justamente notar o tempero da música local.
Portanto, “Si Antes Te Hubiera Conocido” é um merengue com M maiúsculo, seja para o bem, seja para o mal. O lado que você escolherá nesse embate maniqueísta dependerá das batidas de seu coração e das vontades de sua alma. Como me apaixonei pelo trabalho de Karolzinha, sinto que não preciso informar explicitamente minha posição nesse confronto musical. Entretanto, respeitarei sua decisão, mesmo se ela não coincidir com a minha, tá?
Em relação à letra, temos que destacar o clichê temático. É mais uma história de frustração amorosa como tantas que existem por aí. Uma moça chora pelo amigo que tem uma namorada séria e bonita. Para desespero do eu lírico feminino, o rapaz não demonstra vontade de trocar a dona de seu coração. Dessa maneira, inicia-se a inevitável comparação com a rival (quem nunca?!). Como seria a vida se ela assumisse a tão desejada posição no centro do coração do amigo? Qual das duas mulheres merece realmente ocupar o posto de companheira do rapaz?! Por mais que esse seja o assunto de 99% das canções desde a Grécia Antiga (não sei o que os egípcios dos tempos dos faraós cantavam...), ainda assim “Si Antes Te Hubiera Conocido” tem ótimos versos.
Para mim, os aspectos mais charmosos da composição de Karol G são a simplicidade poética e o impacto de sua letra. Em seis versos curtos, temos a apresentação da cena que molda toda a trama musical: “¿Qué hubiera sido?/ Si antes te hubiera conocido/ Seguramente/ Estarías bailando esta conmigo/ No como amigos/ Sino como otra cosa”. Logo em seguida, surge a dupla de quartetos que expõe o conflito da história: “Usted cerca me pone peligrosa/ Por un besito hago cualquier cosa/ La novia suya me pone celosa/ Y aunque es hermosa, ey” e “Y yo te veo y no sé cómo actuar/ Bebé, pa' conquistarte que me pasen el manual/ Espero lo que sea, yo no me voy a quitar/ Tengo fe que esos ojitos un día me van a mirar”.
Sabendo da momentânea desvantagem na disputa pelo coração do amado, o eu lírico feminino só pode se utilizar do recurso da oratória. Assim, começam as associações, as comparações e até as ameaças veladas. Tudo para convencê-lo a efetuar a troca de namorada. Obviamente, na cabeça de quem canta, não há opção mais vantajosa do que ela para o posto de dona do coração do amigo: “No te va a tratar como yo/ No te va a besar como yo/ No está tan rica así como yo/ Ella es tímida y yo no”; “Con estas ganas que tengo yo/ Me atrevo a comerme a los dos/ Hoy estás jangueando con ella/ Pero, mmm, después tal vez no”; e “Yo me caso contigo/ Mi nombre suena bien con tu apelido/ Toy esperando el primer descuido/ Pa´ presentarte como mi marido”.
Vamos combinar que as rimas não são nem um pouco elaboradas. Para ser bem franco com você, beiram a rusticidade (não à toa, algumas rimas utilizam a mesma palavra). Porém, elas funcionam bem no contexto da música comercial da atualidade. Outro elogio é para a oralidade da letra da canção (“toy” e “pa´”, por exemplo). Os compositores de “Si Antes Te Hubiera Conocido” usam e abusam das gírias (“jangueando” é a melhor para mim) e do texto conotativo (“comer” e “rico”). Meu destaque vai, claro, para o sentido amoroso-sexual de palavras como “comer” e “rico” do castelhano colombiano. Neste caso, o idioma de Karol G é mais parecido ao português brasileiro do que ao espanhol rioplatense (que é mais literal para o verbo “comer” e para o adjetivo “gostoso/gostosa”).
Já que estamos falando das partes mais picantes da música, o que dizer do verso “Me atrevo a comerme a los dos”, hein? Acho que ele casa perfeitamente com o comportamento dos jovens atuais (a bissexualidade deixou de ser um tabu) e com o reconhecimento da beleza da rival pelo eu lírico feminino. A namorada do amigo é tão bonita que até mesmo a amiga rejeitada a pegaria. Faz sentido no contexto da história musical...
E aí, o que você achou de “Si Antes Te Hubiera Conocido”, hein?! Na sua opinião, temos aqui um hit que merece o sucesso que atingiu ou se trata de mais uma maluquice superestimada pelo público contemporâneo?
De tanto que ouvi essa canção nos últimos três meses, admito que passei a apreciá-la com bons olhos (ou seriam bons ouvidos?!). Independentemente da sua qualidade musical (que reconheço ser discutível), fiquei muito feliz ao constatar que o Merengue entrou no mainstream da música internacional e que Karol G atingiu o topo da parada mundial. A moça é gente boa, trabalhadora e talentosa. Merece, sim, o sucesso que está fazendo.
Quem é a cantora colombiana mais escutada hoje em dia no planeta, hein?!