Lançada em 1859 e revalorizada nos últimos anos, essa obra romântica é a primeira publicação produzida por uma escritora negra no Brasil.
No final de semana passado, li “Úrsula” (Penguin & Companhia das Letras), o romance clássico de Maria Firmina dos Reis. Esse livro é importante para a literatura brasileira porque representou a primeira obra produzida por uma escritora negra. Além disso, “Úrsula” é considerado o primeiro título abolicionista de nosso país (ele precede, por exemplo, os textos engajados de Castro Alves). Com um enredo romântico protagonizado por um jovem casal branco, a narrativa de Maria Firmina traz uma forte crítica à escravidão, ao tráfico negreiro, ao racismo, à violência, ao patriarcalismo, ao machismo e às injustiças sociais do Brasil no Período Imperial. A grande inovação desse título está em ter dado vozes às personagens negras. Elas apresentam seus pontos de vista e expõem as condições desumanas em que viviam nas fazendas brasileiras.
Nascida em São Luís do Maranhão, em 1822 (só foi registrada em 1825), Maria Firmina dos Reis é filha de uma mulher branca e de um homem negro, provavelmente escravo. Como sua mãe era muito pobre, a menina foi entregue para uma tia mais abastada criar. Esse tipo de rearranjo familiar (vamos chamar essa prática dessa maneira, tá?) sempre foi muito comum no Brasil. Lembremos que o mesmo fato aconteceu com outro escritor famoso, José Mauro de Vasconcelos, autor do incrível “Meu Pé de Laranja Lima” (Melhoramentos) – nascido em uma família pobre do Rio de Janeiro, ele foi criado por familiares mais ricos no Nordeste. Por isso, Maria Firmina foi viver na Vila de São José de Guimarães (cidade atualmente chamada apenas de Guimarães), no interior maranhense, onde a tal tia morava. E foi ali que a futura escritora passou o restante da vida.
Alfabetizada e letrada, Maria Firmina dos Reis se formou professora e lecionou em escolas primárias de Guimarães por mais de três décadas. Na biblioteca da casa da tia, a jovem adquiriu o gosto pela literatura, paixão que cultivou a partir de então. Além de ler muito, Maria Firmina gostava de escrever. O portfólio literário da autora maranhense contempla “Úrsula”, seu romance de estreia, “Cantos à Beira-mar”, coletânea poética de 1871, e “A Escrava”, conto abolicionista publicado em 1887. Ela também compôs músicas e produziu artigos e crônicas para os jornais locais.
Publicado em São Luís, em 1859, “Úrsula” recebeu comentários tímidos da crítica literária maranhense. Naquela época, as poucas matérias jornalísticas sobre o livro variaram entre a indiferença e os elogios contidos. Por não pertencer ao círculo literário da capital de seu estado (então província do Maranhão), Maria Firmina dos Reis não conseguiu promover seu trabalho ficcional com a intensidade desejada/necessária. É verdade também que o fato de ela ser uma escritora mulher e negra não ajudou em nada. É desnecessário dizer que a sociedade brasileira e nordestina naquele período (naquele período?!) era machista e racista. Como consequência, em pouco tempo, “Úrsula” acabou esquecido pelo público e seus exemplares desapareceram da vista de todos.
Foi necessário mais de um século para que o nome e as obras de Maria Firmina dos Reis fossem revalorizados. Em 1975, o Governo do Maranhão lançou uma edição especial de “Úrsula” em comemoração aos 150 anos do nascimento da escritora (celebra-se o aniversário dela de acordo com a data de seus registros). Assim, o romance icônico voltou a circular e ganhou outra vez o público maranhense. Entretanto, a obra só teve uma edição nacional no final da década seguinte. Em 1988, a Montecristo Editora, companhia do Rio de Janeiro voltada à publicação de clássicos literários, lançou “Úrsula” na “Coleção Resgate”. Dessa maneira, o título de Maria Firmina não apenas chegou aos leitores das principais cidades do Centro-Sul do país como foi colocado, pela primeira vez, ao lado dos principais exemplares da literatura clássica brasileira. A partir de então, surgia um novo cânone do Romantismo nacional.
Mesmo com os destaques recebidos nas décadas de 1970 (local/estadual) e 1980 (nacional), “Úrsula” só ganhou novas e recorrentes edições no século XXI. Com uma visão mais diversificada e plural, o mercado editorial brasileiro soube reconhecer os méritos de escritores (e escritoras!) talentosos que estavam esquecidos. Nos últimos anos, assistimos à revitalização de muitos artistas das letras (Maria Firmina dos Reis é uma delas). Desde 2009, é possível achar com facilidade “Úrsula” nas livrarias brasileiras, algo que sempre fora dificílimo. Várias editoras (de todos os portes e de muitas regiões do país) publicaram novas edições desse romance nos últimos cinco anos, o que contribuiu para sua popularização.
É verdade que, na ânsia de querer reparar as injustiças do passado (esquecimentos e preconceitos, por exemplo), alguns exageros e inverdades foram cometidos. Um deles é dizer que “Úrsula” é o primeiro livro escrito e publicado por uma mulher no Brasil. Não, não é correto afirmar isso! A primeira obra lançada no país por uma autora feminina foi “Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens”, de Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo da potiguar Dionísia Gonçalves Pinto. Polêmicas à parte sobre sua originalidade (há quem acuse Nísia Floresta de ter traduzido um título francês para o português sem o devido crédito), “Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens” é reconhecido por grande parte da crítica literária como o primeiro livro escrito por uma mulher da literatura brasileira.
Mesmo com essa ressalva (ela é importante porque muita gente esqueceu-se de Nísia Floresta), “Úrsula” continua sendo uma obra de grande valor literário e histórico (tem até mais predicados literários do que, por exemplo, as publicações de Nísia Floresta). O romance de Maria Firmina dos Reis continua sendo o primeiro livro escrito por uma mulher negra no Brasil (o que não é pouca coisa!). Além disso, “Úrsula” é a obra inaugural do abolicionismo em nosso país e um precursor da literatura afro-brasileira em língua portuguesa. Portanto, méritos não faltam para Maria Firmina ser alçada ao posto das principais figuras do Romantismo Brasileiro e da Cultura Negra de nosso país no século XIX.
O enredo de “Úrsula” começa em uma risonha manhã de agosto. Tancredo de ***, o jovem filho de um rico fazendeiro local, cavalga pelos campos com o coração partido. Ele foi traído pela noiva, Adelaide. A moça o trocou por ninguém menos do que o pai dele. Desconsolado com a recente descoberta da dupla punhalada no peito (praticada tanto pelo próprio pai quanto pela amada), Tancredo trota com seu cavalo à esmo pelos campos. Atormentado pelos pensamentos inquietantes da traição, o rapaz não percebe a fadiga do animal que o carrega. Assim, depois de uma andança aleatória e interminável, o cavalo desaba fatigado no chão. Como consequência ao acidente, Tancredo também cai e bate a cabeça no solo. Ele fica desacordado por algum tempo.
Por sorte, o jovem cavaleiro é socorrido por Túlio, um dos escravos da fazenda de Luiza B., uma viúva que está há doze anos prostrada em uma cama (ela é paralítica). O negro estava passando por ali e encontrou o rapaz desfalecido. Tancredo é levado, então, por Túlio à sede da propriedade. Lá, ele é atendido por Úrsula B., a filha única da dona da fazenda. Enquanto se recupera do acidente, o viajante tem alucinações que revelam as angústias do passado e as tormentas do coração. Tanto padecimento acaba cativando os sentimentos de Úrsula. A moça se apaixona pelo rapaz que está sob seus cuidados. Para alegria de muitos, a paixão de Úrsula é correspondida. Tancredo também se encanta com a meiguice e a beleza do anjo que vive à beira de sua cama.
Antes de se prometerem um para o outro, o casal de protagonista decide contar as agruras pelas quais padeceram nos últimos anos. Tancredo de *** relata para a nova amada a paixão frustrada por Adelaide. Interessada na fortuna do pai, a moça o largou para se casar com o velho fazendeiro tão logo a mãe de Tancredo morreu. Por sua vez, Úrsula precisa cuidar sozinha da mãe. No passado, Luiza B. brigou com o irmão, o comendador Fernando P., quando decidiu se casar com Paulo B., um homem de poucas posses. O ódio de Fernando pela nova família da irmã desencadeou uma série de vinganças que comprometeram o destino dos pais de Úrsula. As brigas resultaram no assassinato de Paulo B. e na prostração de Luiza na cama. Sem pai e com a mãe inativa, Úrsula B. cresceu em uma fazenda que foi mantida graças ao trabalho de Túlio e de Mãe Ursula, a dupla de escravos do lugar.
A ciência do passado difícil e trágico dos parceiros potencializa o amor de Tancredo e Úrsula. Eles decidem se casar. Antes, porém, Tancredo de *** precisa fazer uma última viagem para a fazenda da família. Ele quer acertar as contas com o pai e com a antiga noiva. Só depois de falar o que pensa diretamente à dupla de traidores, o rapaz estará pronto para subir ao altar com a nova amada. Para essa viagem, Tancredo convida Túlio para acompanhá-lo. Agradecido pelo socorro que o negro lhe prestou, o rapaz deu a Túlio todo o dinheiro que carrega consigo. Dessa maneira, o escravo consegue comprar sua carta de alforria. Sendo agora um homem livre, Túlio aceita o convite do amigo para acompanhá-lo na viagem.
Esperançosa por dias melhores, Úrsula B. aguarda a volta do noivo para se casar e ser, enfim, feliz. O que a moça não imagina é que enquanto espera o retorno de Tancredo, ela irá se tornar alvo do coração do pior inimigo de sua família. Sem Tancredo de *** e Túlio por perto, as mulheres da fazenda de Luiza B. se tornarão vítimas fáceis da maldade do homem mais rico da região. Por essa nova perspectiva, o drama de Úrsula B. acaba ficando até mais intenso e angustiante.
“Úrsula” é um romance de 224 páginas. Ele está dividido em um prefácio de Maria Firmina dos Reis, 20 capítulos e um epílogo. Na edição da Penguin/Companhia das Letras, há também uma longa introdução de Maria Helena Pereira Toledo Machado, na qual conhecemos a importância e o pioneirismo de “Úrsula” e de Maria Firmina dos Reis para literatura brasileira, e uma cronologia de Flávio dos Santos Gomes, em que somos apresentados aos principais fatos relativos à época de publicação desta obra. Levei entre sete e oito horas para percorrer as páginas de “Úrsula” no domingo da semana passada. Comecei a leitura de manhãzinha e só terminei à noite.
Narrado em terceira pessoa por um narrador que não fica colado a nenhuma personagem especificamente (ele/ela acompanha ora Tancredo de ***, ora Úrsula B., Túlio, Mãe Susana, Luiza B. e Fernando P.), “Úrsula” tem como principal característica a multiplicidade de linhas narrativas. É possível notar essa qualidade do romance desde os primeiros capítulos. Maria Firmina dos Reis construiu sua história ancorando-se em algumas vertentes antagônicas: passado (tragédias sentimentais de Luiza e de Tancredo) versus presente (amor de Úrsula e Tancredo); os dramas dos escravos negros (em busca de liberdade e de uma vida digna) versus as paixões e desavenças dos fazendeiros brancos (normalmente indiferentes ao que se passa em suas senzalas); e as brigas de cada família separadamente (da família *** e da família P/B) versus as intrigas entre as duas famílias (paixão de Tancredo e Úrsula). Grande parte da riqueza literária deste enredo se dá por essa multiplicidade de perspectivas narrativas.
Outra questão essencial de “Úrsula” é a contundente crítica ao racismo e à escravidão contida em suas páginas. O tom abolicionista aparece tanto no discurso das personagens do romance quanto nas palavras engajadas do narrador. E é justamente este aspecto o que torna este livro uma peça tão singular na literatura brasileira. Mais ou menos três décadas antes da decretação da Lei Áurea, Maria Firmina dos Reis já escancarava na ficção o drama dos negros aprisionados injustamente nas senzalas brasileiras. Sob esse ponto de vista, o capítulo 9 é simplesmente espetacular. Nele, Túlio e Mãe Susana conversam abertamente sobre os horrores da falta de liberdade. A velha escrava conta para o rapaz que tem como filho como era sua vida na África, antes de ser aprisionada e levada à força para o outro lado do Oceano Atlântico. Esta parte é realmente emocionante.
Além do racismo e da escravidão, a escritora maranhense também escancara em “Úrsula” o machismo, o patriarcalismo, a violência doméstica, as traições familiares, as práticas incestuosas, a ambição pelo status e a ganância pelo dinheiro na sociedade rural brasileira na metade do século XIX. Em termos de crítica social e de representação da vida brasileira no período imperial, essa obra é impecável. Assistimos ao panorama político-social e aos dramas dos habitantes daquela época sem subterfúgios ou firulas. A realidade é atroz, injusta e violenta principalmente para as mulheres, para os negros e para a população pobre. Contudo, nem mesmo os homens brancos escapam, às vezes, das mazelas provocadas pelas engrenagens sociais que eles próprios comandam.
Se por um lado a literatura de Maria Firmina dos Reis pode ser descrita como pioneira, disruptiva e corajosa, por outro lado ela peca ao impor às personagens negras os papéis de meros coadjuvantes da trama. Admito que, antes da leitura de “Úrsula”, imaginava que Túlio e Mãe Susana, por exemplo, fossem os protagonistas do livro. Contudo, para minha surpresa, coube a Tancredo de ***, Úrsula de B. e Fernando P. os papéis de personagens principais dessa história. O trio é formado por figuras brancas advindas de famílias ricas. Confesso que isso me decepcionou um pouco (tinha outra expectativa).
Ou seja, por mais inovador que tenha sido esse romance de Maria Firmina dos Reis, ainda foram necessárias mais algumas décadas (ou século) para os negros serem alçados ao posto de protagonistas da literatura brasileira. Paradoxalmente, “Úrsula”, a obra inaugural da literatura afro-brasileira, é caracterizado por ter suas personagens negras no papel de coadjuvantes da narrativa. Se Túlio e Mãe Susana fossem os verdadeiros protagonistas desta obra, aí sim teríamos algo ainda mais revolucionário.
Isso quer dizer, então, que “Úrsula” é um livro decepcionante? Não, é claro que não! Ele possui vários elementos narrativos que merecem nossos elogios. Por exemplo, gostei muito do clima de suspense que permeia quase todo o relato. O suspense surge já nas primeiras páginas, ao esconder do leitor o nome do rapaz que cai do cavalo. Curiosamente, descobrimos o nome de Tancredo apenas no quarto capítulo. Até ali, ele não teve sua identidade revelada, o que potencializa a curiosidade de quem lê o romance. Apesar de hoje ser um expediente narrativo até banal a ocultação da designação do protagonista, quando “Úrsula” foi publicado isso não era tão comum. Adorei esse tom de mistério.
Outro ponto espetacular é o desfecho da trama. Sem dúvida nenhuma, o desenlace de “Úrsula” é um dos mais tristes, amargos e trágicos da literatura brasileira e da ficção em língua portuguesa. Para quem gosta de finais surpreendentes e ácidos, temos aqui um prato cheio.
De maneira geral, os pontos negativos de “Úrsula” são todos relativos ao tipo de literatura praticada na época de Maria Firmina dos Reis, o Romantismo, e não às características pessoais da produção ficcional da autora maranhense. Assim, a descrição detalhada dos cenários e da natureza, a linguagem profundamente formal, a construção de personagens planas e o amor exacerbado dos protagonistas, questões que aos olhos modernos comprometem à qualidade da narrativa (vamos discutir cada um desses pontos nos próximos parágrafos), eram aspectos inerentes ao estilo da literatura romântica. Vale a pena ressaltar que a palavra “romântica”, no final da frase anterior, refere-se ao Romantismo, a escola literária que vigorou no Brasil durante boa parte da segunda metade do século XIX. Maria Firmina dos Reis foi uma escritora romântica.
A descrição detalhada dos cenários e da natureza salta aos olhos logo no início da obra. As primeiras páginas de “Úrsula” são puramente relatos do lugar onde a trama acontece. Esse é um recurso tipicamente romântico. Lembremos dos romances de José de Alencar, por exemplo, com páginas e páginas exclusivamente descritivas. Pela perspectiva dos leitores contemporâneos (público extremamente ansioso e refém de textos com muita ação), esse expediente narrativo atrapalha um pouco a fluidez da história. Talvez essa característica possa ser apontada como o principal problema de “Úrsula” (e de quase todos os títulos românticos).
O linguajar é profundamente rebuscado, inclusive nos diálogos. O formalismo excessivo confere um caráter um tanto inverossímil ao discurso do romance. Entretanto, (repito!) isso não é uma falha de Maria Firmina dos Reis e sim dos textos românticos de maneira geral. Recordemos como Peri e Ceci, os protagonistas de “O Guarani” (Paulus), livro clássico de José de Alencar, falavam... Se aquilo lá não era um texto inverossímil, sinceramente não sei mais o que significa verossimilhança em uma narrativa literária.
As personagens de “Úrsula” são sempre figuras planas. Em outras palavras, ou elas são totalmente boazinhas (heróis e heroínas sem qualquer defeito de caráter) ou são totalmente más (vilões sem quaisquer características nobres). Não há, portanto, gradações. Querendo ou não, esse maniqueísmo tão acentuado acaba tirando alguns pontos da qualidade desse romance.
Outra questão que acho divertidíssima nos romances românticos é o amor instantâneo e exacerbado das personagens. Você já reparou como as pessoas se apaixonam perdidamente em um piscar de olhos nesses livros?! O cara viu a moça, a moça olhou para o rapaz e pronto! Booom!!! Eles estão perdidamente apaixonados. Um simples olharzinho, às vezes de canto de olho, já é suficiente para eles ficarem presos um ao outro para todo o sempre. A partir daí, ninguém consegue ser feliz se não estiver ao lado do amado ou da amada. Se isso acontecesse uma ou outra vez nessas obras, tudo bem, até aceitaria. O problema é que todos os amores para os autores românticos são imediatos e possuem a força de uma bomba atômica. Confesso que nunca consegui digerir essa parte da trama.
Para encerrar a análise de “Úrsula”, preciso comentar a introdução de Maria Helena Pereira de Toledo Machado. Obviamente, esse texto está disponível na edição do livro da Penguin/Companhia das Letras, a versão do romance de Maria Firmina dos Reis que li na semana passada. Especialista em história social da escravidão, abolição e pós-emancipação, Maria Helena é uma respeitada acadêmica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Na introdução à obra, a pesquisadora apresentou um impecável ensaio sobre a importância desse livro e do papel de Maria Firmina dos Reis para a literatura brasileira. Além disso, Maria Helena Pereira de Toledo Machado teceu um panorama riquíssimo sobre a realidade social no Nordeste brasileira no século XIX. Se você já leu “Úrsula” em outra edição, vale a pena ler essa só para conhecer o belíssimo texto introdutório. Realmente, ele é completo, profundo e belíssimo.
Seu único tropeção foi ter contado a história inteira do livro, inclusive o desfecho, para os leitores antes que eles pudessem ter lido o romance. Sim, é isso mesmo o que você leu: ficamos sabendo o enredo e o desenlace da narrativa de Maria Firmina dos Reis já na introdução de Maria Helena. Ai, ai, ai. Isso não se faz! Repare que nem nos posts do Bonas Histórias nós apresentamos os finais das histórias comentadas. Como já tinha apontado em março desse ano na análise de “A Falência” (Penguin & Companhia das Letras), clássico de Júlia Lopes de Almeida que também tem esse equívoco, não se deve antecipar NUNCA o desfecho do romance em sua introdução. Se o autor convidado para discorrer sobre a obra insistir, coloca-se, então, esse texto como posfácio. Pronto: aí o problema fica resolvido. O que não se deve fazer JAMAIS é estragar a experiência do leitor – algo que vem sendo feito sistematicamente nessa coleção de títulos clássicos da Penguin & Companhia das Letras. É uma pena essa falta de sensibilidade dos editores.
Mesmo com o estraga-prazer da revelação do que irá acontecer na trama (minha dica: leia o texto de Maria Helena Pereira de Toledo Machado só depois da leitura da história ficcional de Maria Firmina dos Reis), “Úrsula” se mostra um romance incrível. Ele se torna mais interessante todas as vezes que se debruça sobre as questões escravocratas e menos quando se volta para o amor incondicional do jovem casal branco. Vale a pena conhecer esse título icônico da literatura afro-brasileira. Maria Firmina dos Reis foi uma excelente escritora. Ela merece nossos aplausos e elogios, além de ser justa a revalorização de seu trabalho depois de ter ficado por tanto tempo esquecido.
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