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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Livros: O Coração do Imperador - O segundo romance de Guilherme Santos

Lançada em agosto de 2022, a nova obra ficcional do escritor mineiro é uma trama policial baseada no roubo do coração de D. Pedro I e nos bastidores da Maçonaria.

O livro O Coração do Imperador é o romance policial de Guilherme Santos que aborda o roubo do coração de D. Pedro I e os bastidores da Maçonaria

No segundo semestre do ano passado, conheci o trabalho literário de Guilherme Santos, um autor mineiro de enorme qualidade e de muito potencial. Com apenas dois romances publicados até aqui, “A Morte do Filho do Rei” (Adelante), de 2018, e “O Coração do Imperador” (Gulliver), de 2022, o jovem escritor, que é natural de Santo Antônio do Monte, já desponta como uma das boas revelações da literatura brasileira contemporânea. A especialidade de Guilherme Santos é o thriller dramático. De alguma forma, suas obras me lembraram bastante a produção literária de Sidney Sheldon, norte-americano que era mestre em criar suspenses com muita ação, incríveis reviravoltas nas tramas e enredos com fortíssima pegada cinematográfica. Impossível não gostarmos dessa combinação, né? Curti tanto as narrativas de Guilherme Santos que resolvi fazer um post na coluna Livros – Crítica Literária com a análise aprofundada de seu mais recente trabalho ficcional.


Publicado em agosto de 2022, “O Coração do Imperador” é o segundo título de Guilherme e seu primeiro romance policial. Os leitores mais atentos do Bonas Histórias vão se lembrar que comentei o lançamento deste thriller na coluna Mercado Editorial em setembro. Naquela oportunidade, apresentei as publicações literárias que chegaram às livrarias brasileiras no quinto bimestre do ano passado e, se eu não estiver enganado, destaquei “O Coração do Imperador” como uma das boas novidades recém-lançadas na estante da ficção nacional. Agora com mais calma e espaço (nada como o começo de ano!), vou conseguir debater os detalhes dessa obra com a atenção e a dedicação que ela merece.


Se você já leu “A Morte do Filho do Rei”, a estreia do autor na literatura, saiba que o novo título de Guilherme Santos é tão bom quanto o primeiro. Confesso que até fiquei na dúvida sobre qual dos romances seria melhor. Acho que gostei mais da história de “A Morte do Filho do Rei” – essa obra vale até uma análise completa no Bonas Histórias! Porém, é inegável que o texto e a narrativa de “O Coração do Imperador” foram desenvolvidos com mais cuidado e excelência. Se pensarmos bem, trata-se de um processo natural. Os escritores talentosos e comprometidos com o ofício literário vivenciam, salvo exceções, francas evoluções no início de carreira. Por isso, é normal o segundo livro sair melhor do que o primeiro, o terceiro ter mais qualidade do que o segundo e assim sucessivamente.

Guilherme Santos é o jovem escritor mineiro que publicou os livros O Coração do Imperador e A Morte do Filho do Rei

Além de escritor, Guilherme de Castro Couto Santos é jornalista e redator. Especializado em Gestão Pública, ele trabalhou por mais de quinze anos como assessor de imprensa e assessor parlamentar. Depois de atuar na Assembleia Legislativa em Belo Horizonte e na Câmara dos Deputados em Brasília, Guilherme foi por quatro anos secretário-executivo do diretório estadual do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em Minas Gerais. Na última eleição, ele saiu candidato a Deputado Estadual em Minas pelo partido Democracia Cristã (DC), mas não foi eleito.


Mesmo jovem (tem apenas 34 anos) e ainda novato no fazer literário (são só dois livros publicados até agora), Guilherme Santos é membro da Academia Santantoniense de Letras (ACADSAL). Nascido no interior de Minas Gerais (Santo Antônio do Monte fica próximo a Divinópolis, no Oeste do estado, e está a 180 quilômetros da capital mineira), o autor se mudou para BH para estudar. Formado em jornalismo pela PUC-MG, Guilherme também integra o Grande Oriente do Brasil (GOB), a mais tradicional e conceituada organização maçônica do país. Vale a pena dizer que desde pequeno Guilherme esteve envolvido com a Maçonaria. Filho de maçons, ele já frequentava a Ordem DeMolay na infância. E hoje ocupa o cargo de secretário-geral de Entidades Paramaçônicas da GOB.


É legal comentar que a atuação de Guilherme Santos tanto na política quanto na Maçonaria foram fundamentais para a criação de seus primeiros romances. Em “A Morte do Filho do Rei”, acompanhamos a campanha política de Gamaliel Brasil, um senador baiano ambicioso e carismático que deseja chegar à Presidência da República. No centro da trama, temos a dupla formada por Amélia Ribeiro, assessora parlamentar, e João Carlos Assis, assessor de imprensa. Ambos os funcionários trabalham no gabinete do senador baiano em Brasília e estão envolvidos diretamente com a eleição de Gamaliel. Na reta final da campanha, nada pode dar errado. O problema é que Gamaliel Brasil, uma figura de caráter ilibado perante a opinião pública, esconde segredinhos (e segredões) que podem dinamitar sua imagem perante o eleitorado nacional. Juro que me lembrei bastante do senador mineiro Aécio Neves durante essa leitura. Para mim, Gamaliel seria a versão soteropolitana e ficcional do ex-candidato do PSDB à Presidência da República.


No caso de “O Coração do Imperador”, a essência da obra está nos bastidores da Maçonaria. O conhecimento e a prática de Guilherme Santos no Grande Oriente do Brasil foram decisivos para a construção dos cenários, dos rituais e da dinâmica da sociedade secreta. Na trama da nova publicação, a alta cúpula do GOB é a principal suspeita do roubo de uma relíquia histórica portuguesa que fora contrabandeada para nosso país. Para descobrir quem são os responsáveis pelo crime, a Polícia Judiciária (de Portugal) e a Polícia Federal (do Brasil) precisarão unir forças e mergulhar no passado do Período Imperial Luso-brasileiro.

Livro O Coração do Imperador é o romance policial de Guilherme Santos

Em uma brincadeira de misturar o universo da ficção com a biografia do autor, diria que o trio de protagonistas de “A Morte do Filho do Rei” – Gamaliel Brasil (político), Amélia Ribeiro (assessora parlamentar) e João Carlos Assis (jornalista) – possui as mesmas profissões e as mesmas rotinas de Guilherme Santos. E os principais suspeitos de cometer o roubo em “O Coração do Imperador” têm os mesmos cargos e as mesmas atribuições do escritor mineiro no GOB. Não à toa, uma das características mais legais da literatura de Guilherme é a verossimilhança das personagens ficcionais, a fidedignidade da ambientação dos romances e a veracidade de situações e cenas dos livros.


Outro elemento muito positivo de “A Morte do Filho do Rei” e “O Coração do Imperador” é o mergulho aprofundado em temas que fogem do dia a dia das pessoas comuns e que o romancista tem total domínio. Por exemplo, eu não conhecia os detalhes da dinâmica de um gabinete político em Brasília. Para ser sincero, jamais tinha parado para pensar como as coisas funcionam (ou não funcionam) por lá. E, para completar, me surpreendi com a estrutura e a ambição da Maçonaria no Brasil. Na minha concepção, a sociedade secreta (não tão secreta assim, vale destacar!) era algo que tinha ficado no passado e agia (quando agia) bem sutilmente. Em outras palavras, além de trazer narrativas gostosas, conflitos empolgantes e personagens carismáticas, os livros de Guilherme Santos fogem dos enredos mais convencionais. Se isso não representar a síntese da boa literatura, não sei mais o que poderia agradar aos leitores mais exigentes.


A ideia para produzir o enredo de “O Coração do Imperador” surgiu mais ou menos na metade de 2020. Foi a partir de uma reportagem da Revista Aventuras na História que o autor teve a sacada criativa para o novo romance. Na leitura da matéria jornalística, Guilherme Santos descobriu o que aconteceu com D. Pedro I quando ele voltou para Portugal. Em sua terra natal após a expulsão do Brasil, Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon (ufa! Acho que não me esqueci de nenhum dos nomes do filho de D. João VI) recuperou o trono usurpado pelo irmão, virou para os lusitanos D. Pedro IV, o Rei Soldado, e se tornou definitivamente herói nacional.


Logo após a morte do monarca, seu coração foi colocado em um relicário de prata e guardado com pompas imperiais na Igreja da Lapa, na cidade do Porto. O órgão embalsamado de D. Pedro I (ou de D. Pedro IV, como preferir) está lá até hoje e se constitui em uma peça que molda o orgulho e a identidade dos portuenses. Achando aquela história sensacional, Guilherme pensou: e se alguém roubasse a relíquia histórica do imperador luso-brasileiro, hein?! Estava criado o mote da segunda obra do autor. Contudo, como estávamos vivenciando o ápice da pandemia da Covid-19 na metade de 2020 e a proposta da publicação ficcional precisava ainda ser amadurecida na mente do escritor mineiro, a produção do texto do livro não aconteceu de maneira tão imediata.

Segunda publicação de Guilherme Santos, O Coração do Imperador é um surpreendente thriller policial

Os trabalhos efetivos de Guilherme Santos em “O Coração do Imperador” só começaram para valer em dezembro de 2022, quando ele realizou pesquisas mais aprofundadas sobre os temas do enredo e planejou a estrutura da narrativa. De tão empolgado que ficou com a proposta do novo livro, Guilherme precisou interromper os outros projetos literários (um título infantojuvenil e a continuação da saga de “A Morte do Filho do Rei”) para mergulhar na produção do segundo romance, cujo título só foi definido no processo final da confecção da obra. O desenvolvimento da escrita propriamente dito de “O Coração do Imperador” ocorreu de fevereiro de 2021 a fevereiro de 2022. A partir daí, foram dois meses de revisão do autor, dois meses de trabalho final da editora (revisão, criação do projeto gráfico e diagramação) e dois meses entre a impressão do livro e o lançamento efetivo nas livrarias.


Quem publicou “O Coração do Imperador”, assim como “A Morte do Filho do Rei”, foi a Gulliver Editora, uma casa editorial localizada em Divinópolis, a Princesinha do Oeste. A empresa possui três selos: Gulliver (para títulos literários), Artigo A (para obras técnicas e acadêmicas) e Adelante (para autopublicações). Fundada em agosto de 2011 por Joubert Caetano Amaral, publisher, professor universitário da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) e um dos organizadores da FLID (Festa Literária de Divinópolis), a Gulliver se destaca como uma das principais promotoras da literatura no interior de Minas Gerais.


Diferentemente da obra de estreia de Guilherme Santos que foi uma autopublicação (“A Morte do Filho do Rei” saiu originalmente pelo selo Adelante), o segundo romance já representou um investimento por parte da editora e não do escritor (“O Coração do Imperador” saiu pelo selo principal da Gulliver). Por acompanhar atentamente a dinâmica deste mercado, eu gosto de assistir ao amadurecimento dos autores ficcionais brasileiros e à evolução de seus trabalhos dentro da literatura comercial. Guilherme é um ótimo exemplo de um jovem romancista que conseguiu escalar as íngremes e desafiantes encostas do mercado editorial nacional com seu talento e dedicação. E há ainda quem diga que os livros autopublicados não abrem as portas das boas editoras para as promessas literárias. Sabe de nada, inocente!


Falemos agora mais detalhadamente do enredo de “O Coração do Imperador”. Essa história se passa nos dez primeiros dias de setembro de 2022. A trama inicia-se no Porto. Na madrugada de 1º de setembro, alguém roubou o coração de D. Pedro I (como os brasileiros o conhecem) ou de D. Pedro IV (como preferem os portugueses). O órgão embalsamado do monarca luso-brasileiro estava alojado em um monumento na Igreja da Lapa e, por ser uma relíquia histórica para Portugal e para a cidade do Porto, estava sob rigoroso sistema de proteção. Para efetuar o furto, o criminoso assassinou Mendes Rocha, o Presidente da Câmara local, que era o responsável por guardar as chaves do monumento. Em posse do artefato e ainda com as mãos sujas de sangue, o criminoso fugiu da Europa. Ou seja, tão logo deixou a Igreja da Lapa, o misterioso ladrão embarcou em um avião rumo (adivinhe para onde, senhoras e senhores?!) ao Brasil.

Publicado em agosto de 2022, O Coração do Imperador é o romance policial de Guilherme Santos

Não é preciso dizer que o crime de tal dimensão mobilizou instantaneamente os principais políticos portugueses e a cúpula da polícia local. Tadeu Tomás, diretor da Polícia Judiciária (uma espécie de Polícia Federal lusitana), foi acionado na própria madrugada do roubo pela Ministra da Justiça. A ordem era capturar o ladrão custe o que custasse e reaver o coração de D. Pedro I (no caso, D. Pedro IV – você já entendeu, né?!). Para essa investigação, Tadeu convocou Maria Gomes e Afonso Henriques, dois inspetores muito experientes e competentes da PJ. O problema é que a dupla de policiais nunca se bicou e cada um preferiu trabalhar sozinho. Dessa maneira, a investigação praticamente se dividiu em duas linhas logo no começo: uma comandada por Maria Gomes e outra por Afonso Henriques.


Afonso Henriques, o protagonista deste romance, é o clássico investigador excêntrico. Aos 51 anos, ele está na polícia há 30. Especializado no combate aos crimes contra o patrimônio histórico e cultural, Afonso não desgruda de Dom Egas, seu gatinho persa. O inspetor leva o bichano para todos os lugares, independentemente se está no horário de trabalho ou no horário de lazer. Além de se vestir de maneira peculiar e se expressar de um jeito pitoresco, o policial português é cheio de manias. Ele adora genealogia, é apaixonado por História e é um exímio observador. Nada parece escapar de sua visão bem treinada e aguçadíssima. Por outro lado, Afonso Henriques tem tique nervoso na sobrancelha quando algo importante vai acontecer, é portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o que exige o uso de Ritalina, e adora mascar chiclete de menta. Em outras palavras, é uma figuraça!!!


Em menos de 24 horas, Afonso Henriques descobre que o ladrão do coração do imperador fugiu em um voo particular para o Brasil. O inspetor pode ter lá suas esquisitices, mas sabe muito bem o que está fazendo. Assim, o profissional da Polícia Judiciária (PJ para os íntimos, tá?) parte para o outro lado do Oceano Atlântico. Sua intenção é solucionar o quanto antes o crime que está deixando Portugal em rebuliço. Como Maria Gomes avança sobre outras pistas, ela continua investigando o roubo da Igreja da Lapa em Porto mesmo. A partir do que seus funcionários informam, Tadeu Tomás precisará unir as duas pontas do quebra-cabeça.


Ao chegar em São Paulo (trazendo obviamente Dom Egas a tiracolo), Afonso Henriques ganha a companhia de dois brasileiros nos trabalhos investigativos. O primeiro deles é João Inácio Valença, agente da Polícia Federal na capital paulista. O policial brasileiro tem a incumbência de acompanhar o colega português em nossas terras. A dupla (ou seria o trio, se considerarmos que o gato persa acompanha os policiais em todos os lugares) recebe a ajuda providencial de Isabel Sarmento L`Accole, uma das historiadoras mais respeitadas do país. Professora da USP (Universidade de São Paulo) e especialista no Período Imperial Brasileiro, Isabel é quem fornece as explicações históricas para as charadas e pistas deixadas pelo(s) criminoso(s). Pelo visto, o roubo do coração de D. Pedro I/D. Pedro IV está relacionado a intrigas que remontam ao século XIX, quando Brasil e Portugal ainda viviam sob regimes monárquicos.

O Coração do Imperador é o segundo livro de Guilherme Santos, jovem romancista mineiro

A investigação do trio (ou quarteto – não nos esqueçamos de Dom Egas, por favor!!!) logo levanta as suspeitas para a existência de uma célula criminosa operando no Grande Oriente do Brasil, a mais antiga e importante casa maçônica brasileira. Fundado por D. Pedro I há 200 anos, o Grande Oriente do Brasil, também chamado de GOB, poderia estar, segundo indicam as pistas mais fortes obtidas pelos policiais, por trás do roubo do órgão do imperador luso-brasileiro em Porto e seu envio para o Brasil. A desconfiança de Afonso Henriques, João Inácio Valença e Isabel Sarmento L`Accole é que Alberto Clemente, o grão-mestre da Ordem da Maçonaria, tenha patrocinado o crime. Afinal, o GOB tem um evento importante marcado para as comemorações de 7 de setembro, data do bicentenário da Independência do Brasil. E, pelo que parece, a autoridade máxima da casa maçônica quer apresentar aos seus seguidores uma relíquia histórica de valor imensurável do fundador mais famoso do Grande Oriente do Brasil. Ai, ai, ai. Acho que tem caroço nesse angu, meus amigos!


O problema do grupo de investigadores é que os inimigos estão cientes de seus passos. Por onde andem, seja em São Paulo, seja em Brasília e no Rio de Janeiro, Afonso, João Inácio e Isabel (e, por que não, Dom Egas) são seguidos de perto e correm sérios riscos de morte. Não à toa, estamos falando de uma organização secreta e poderosa, né? Será que o inspetor da Polícia Judiciária, o agente da Polícia Federal, a historiadora da USP e o simpático gatinho vão conseguir pegar os criminosos antes de serem pegos por eles?! Essa é a dúvida que motiva os leitores. E esse é o pontapé da leitura que culminará em várias e várias surpresas. Se prepare para as revelações bombásticas que estão por vir nos capítulos seguintes deste romance policial.


“O Coração do Imperador” tem 248 páginas e está dividido em 91 capítulos. Ele também possui introdução (chamada de “Fatos”), prólogo e epílogo. Levei em torno de cinco horas e meia para percorrer todo o seu conteúdo no último domingo. Sim, li esta obra em um único dia. Para tal, precisei de quatro sessões de leitura de uma hora e vinte minutos cada. Basicamente, foram uma sessão de manhã, duas à tarde e uma à noite. Quem não gosta de longas imersões literárias, saiba que dá para concluir o livro tranquilamente em dois dias ou em três noites consecutivas. Confesso que tinha pensado em lê-lo com mais calma, em dois dias talvez. Contudo, acabei me empolgando com a história e aí você já viu, né? Devorei o romance de Guilherme Santos de bate-pronto nesse comecinho de janeiro!


A primeira questão que chamou minha atenção em “O Coração do Imperador” foi a enorme qualidade de sua narrativa ficcional. Do contrário, não faria um post sobre este título na coluna Livros – Crítica Literária, né? Há várias surpresas e reviravoltas na trama; a construção das personagens está impecável; e a ambientação do romance é excelente! Gostei tanto dessa obra quanto da anterior de Guilherme Santos, “A Morte do Filho do Rei”. Ou seja, estamos falando de um jovem romancista com um trabalho que mesmo incipiente (são só duas publicações por enquanto) já consegue empolgar quem gosta da boa literatura. Tenho certeza de que os leitores do Bonas Histórias que curtem narrativas policiais, suspenses dramáticos e tramas de aventura vão adorar o novo lançamento de Guilherme.

O romance O Coração do Imperador é o suspense policial de Guilherme Santos

Comecemos falando da excelente ambientação de “O Coração do Imperador”. O autor constrói cenários e cria atmosferas com enorme fidelidade. A sensação que o leitor tem é de estar caminhando com as personagens pelas cenas e pelos lugares descritos no livro. Além disso, o mergulho no universo da Maçonaria e no panorama da história luso-brasileira está impecável. Não tenho pudores em afirmar que a ambientação do romance policial de Guilherme Santos está perfeita!!!


Outra questão digna de muitos elogios é a construção das personagens ficcionais. Nota-se que elas foram bem desenvolvidas porque, mesmo com o excesso de pessoas na trama, não ficamos confusos em nenhum momento sobre quem é quem (algo que acontece às vezes em enredos com muitas figuras em cena). O mais interessante é que, de forma rápida e elaborada, Guilherme Santos consegue caracterizar cada personagem muito bem. E basicamente não temos figuras planas e sim redondas nesta narrativa. À medida que a leitura evolui, mais e mais os indivíduos retratados nas páginas ganham em dimensão psicológica e em contradição, elementos indispensáveis da ficção da melhor qualidade. Achei a maneira como o autor cria suas personagens espetacular. Ele é direto e preciso, sem abrir mão da profundidade. E vale a pena dizer que o título anterior do autor já tinha excelentes personagens.


Já que estamos falando das personagens, o que dizer então do protagonista de “O Coração do Imperador”, hein? O inspetor Afonso Henriques é uma figuraça, digna dos melhores romances policiais. Importante salientar que a construção desta personalidade ficcional de Guilherme Santos bebe das características mais marcantes das personagens clássicas do gênero, como Hercule Poirot e Sherlock Holmes. Gostei dessa intertextualidade literária. Não duvido que as semelhanças estilísticas tenham sido propositais. Por isso mesmo, é até aceitável o perfil um tanto estereotipado da figura central do livro. Repare que Afonso Henriques possui muitas características chamativas: tique nervoso na sobrancelha quando algo importante está para acontecer; comportamento excêntrico; gosto pelas histórias dos sobrenomes tradicionais; perfil monarquista; hábito de mascar chiclete de menta; portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH); crises de epilepsia; memória acima da média; raciocínio rápido para desvendar nuances e pequenas pistas deixadas (quando ele não se esqueceu de tomar a Ritalina); guarda-roupa pouco ortodoxo etc. É ou não é uma figura peculiar, hein?


Ainda focando nas características inusitadas do inspetor português, preciso relembrar que Afonso Henriques sempre carrega consigo Dom Egas, o esperto e corajoso gato persa. À medida que os capítulos evoluem, o felino se torna uma personagem de destaque da trama. É legal notar isso e ver que os dois (Afonso Henriques e Dom Egas) trabalham como uma legítima dupla de policiais. Impossível não nos encantarmos e não nos emocionarmos com o pequeno Dom Egas em ação!

Livro O Coração do Imperador é o romance policial de Guilherme Santos

O ponto alto de “O Coração do Imperador” está no desfecho surpreendente. E quando uso o termo surpreendente, põe surpreendente nisso!!! O último quarto da obra é de tirar o fôlego. Nada é o que parece. E até as últimas páginas, temos novidades capazes de tirar o chão do leitor. Repare que o último capítulo (91) é de uma sagacidade incalculável. Não me lembro de ter lido um romance policial tão surpreendente quanto esse nos últimos dois anos. É claro que não coloquei nessa conta a leitura de “A Morte do Filho do Rei”, que tem um desenlace tão ou até mesmo mais inesperado do que “O Coração do Imperador”. Portanto, Guilherme Santos é daquele tipo de romancista capaz de assombrar a gente com finais incríveis e com reviravoltas incalculáveis!


O que torna essa publicação tão maravilhosa é a quebra de expectativa. Sobre isso, preciso dedicar algumas linhas em minha análise para tratar do efeito que a narrativa de Guilherme Santos tem no leitor. Até o terceiro quarto da obra, confesso que estranhei a construção narrativa do autor mineiro. Achei até que Guilherme quebrou o pacto ficcional que sustenta os romances policiais. Ao acompanharmos simultaneamente a investigação do inspetor da Polícia Judiciária e as ações dos criminosos (o narrador em terceira pessoa fica flutuando livremente entre cenários e personagens), assistimos naturalmente a perda (aparente!) do mistério. Afinal, qual a graça de seguirmos com uma trama investigativa quando já sabemos quem são os culpados?


E aí está justamente a beleza e a força narrativa de “O Coração do Imperador”. Os últimos capítulos do livro reservam várias (eu disse várias!!!) surpresas. Talvez a impressão inicial de quem tenha roubado o coração de D. Pedro I não seja tão óbvia como os leitores mais apressadinhos (preciso confessar que acabei caindo nesse nada honroso grupo) poderiam supor. E quando percebemos que a obviedade não faz parte da literatura de Guilherme Santos, o pacto ficcional volta com tudo e o romance ganha em originalidade, consistência e dramaticidade. Achei espetacular essa quebra de expectativa e adorei as surpresas reservadas para o desfecho da obra.


Sinceramente, não sei qual título de Guilherme Santos é melhor: se “O Coração do Imperador” ou se “A Morte do Filho do Rei”. Como já disse no início deste post, eu adorei os dois. Eles são muito bons mesmo! O que achei é que “O Coração do Imperador” tem um texto que foi trabalhado com mais cuidado e precisão. Ele também tem uma narrativa mais redondinha e com maior velocidade narrativa (elementos fundamentais para qualquer thriller e/ou romance policial). Mas como trama em si, meu livro favorito do autor continua sendo “A Morte do Filho do Rei”. Apesar de ter algumas passagens inverossímeis, alguns equívocos textuais e longas descrições de cenários (muitas vezes desnecessárias – algo que também aparece em “O Coração do Imperador”, mas com menor intensidade), o romance de estreia de Guilherme Santos tem uma história deliciosa, que me encantou. Ele mistura drama, romance, ação, teoria da conspiração e suspense.

Segunda publicação de Guilherme Santos, O Coração do Imperador é um surpreendente thriller policial

Mesmo com as várias qualidades positivas que empolgam a maioria dos leitores, “O Coração do Imperador” (voltei a falar do segundo romance, tá?) tem alguns problemas que devem ser apontados nessa análise da coluna Livros – Crítica Literária. Um dos principais tropeços da nova publicação de Guilherme Santos está no discurso pouco verossímil das personagens portuguesas. Por que elas falam o português brasileiro e não o português de Portugal?! Juro que não entendi. É verdade que o livro até traz um ou outro termo lusitano e explora os verbos na segunda pessoa durante os diálogos dos portugueses. Mesmo assim, as falas das figuras europeias não condizem, de forma geral, com a realidade. Achei que o autor deveria ter investido mais nesse aspecto da obra.


Acredito que Guilherme não precisaria ter ido para Portugal para entender o quão inverossímil estava o discurso de parte das personagens de seu novo romance. Bastaria ele ter lido alguns romancistas lusitanos contemporâneos, por exemplo, para notar o poder da variante geográfica da nossa língua. Um passeio rápido pelo portfólio literário de José Vieira/Teresa Vieira Lobo, de “A Dor do Esquecimento” (Chiado Books) e “A Verdade e a Vertigem” (Emporium), pela ficção de Gonçalo J. Nunes Dias, da trilogia “O Bom Ditador” (Ebook independente), pelos romances de Ana Teresa Pereira, do espetacular “Karen” (Todavia), ou mesmo pela literatura de José Eduardo Agualusa (que possui um pé em Portugal e outro em Angola), de “O Vendedor de Passados” (Tusquets), já teria fornecido pistas suficientes de que o gato (querido Dom Egas, desculpe-me pelo uso de tal expressão idiomática) subiu no telhado.


Por falar no intercâmbio internacional assistido em “O Coração do Imperador”, outros elementos que o autor poderia ter explorado com mais intensidade, e que não foram trazidos com tanta contundência para a narrativa, são as diferenças culturais e linguísticas entre Brasil e Portugal. Na certa, a inclusão desses componentes daria mais colorido, leveza e humor à trama. Juro que fiquei imaginando o choque cultural que um senhorzinho português tradicional e conservador da cidade de Porto teria ao chegar na caótica e amalucada São Paulo.


Entretanto, a questão mais delicada deste romance é outra. Apesar de impecável, o enredo de “O Coração do Imperador” me lembrou as tramas dos livros de Dan Brown. Mesmo tendo adorado essa publicação de Guilherme Santos, como aspecto negativo devo relatar a sensação de déjà vu que tive durante a leitura. Afinal, a mistura de elementos históricos, sociedades secretas, assassinatos e crimes simbólicos, viagens internacionais e investigadores excêntricos (abraço, Robert Langdon!) é o ingrediente principal que fez de Brown um dos escritores best-sellers da literatura contemporânea. Impossível não lembrarmos do autor norte-americano e de seu portfólio ficcional quando assistimos a um receituário narrativo tão parecido. Por esse ponto de vista, “A Morte do Filho do Rei” me pareceu uma trama mais original e com uma linha narrativa muito mais sagaz (com direito a uma teoria da conspiração deliciosa e muitíssimo pertinente para os tempos atuais do nosso país).

Publicado em agosto de 2022, O Coração do Imperador é o romance policial de Guilherme Santos

Por falar em enredo, há também um probleminha na história de “O Coração do Imperador” quando associada à realidade. Guilherme Santos produziu uma trama que se passa de maneira geral entre 1º de setembro de 2022 e 10 de setembro de 2022. Até aí beleza. E a narrativa do romance, que mistura personagens e fatos verídicos com elementos e figuras ficcionais, trata do roubo do coração de D. Pedro I no período do festejo do bicentenário da Independência do Brasil (e da celebração do bicentenário da fundação do Grande Oriente do Brasil, principal organização maçônica do nosso país). O problema é que, justamente nessa data, o coração do imperador luso-brasileiro não estava na realidade em Porto, algo que o autor não poderia ter previsto quando começou a produzir o livro em fevereiro de 2021. E onde estava o órgão embalsamado nessa data, hein? No Brasil. Esse é um dos riscos de se produzir uma trama que acontece no tempo futuro. Para quem não se lembra, em 22 de agosto de 2022, o coração de D. Pedro I chegou à Brasília, após acordo diplomático entre Brasil e Portugal, para os festejos do 7 de setembro de 2022. Dessa maneira, quando misturamos realidade e ficção, não fazia sentido o órgão do primeiro monarca nacional estar em Porto no dia 1º de setembro de 2022, como relatado no romance.


Achei também alguns pequenos deslizes na revisão textual desta obra. Por exemplo, a grafia mais comum da droga feita com base na cocaína é crack e não craque. Apesar de não estar errado o uso da expressão craque, é estranha sua utilização fora do universo médico-psiquiátrico (para o público em geral, craque é o jogador bom de bola e crack é a droga). Há também a falta de um acento aqui e outro ali. Um exemplo disso é a palavra déficit (e não deficit). Quando encontro tropeços desse tipo em uma publicação ficcional, normalmente coloco na conta da editora e não do autor. Porém, é importante dizer que a falta de uma revisão mais caprichada não prejudica a experiência literária. De forma geral, a narrativa é de excelente nível (mesmo com um ou outro equívoco textual).


Ao final da leitura, tive a sensação de que “O Coração do Imperador” adquiriu certo caráter de propaganda da Maçonaria. Sabe quando o título é do tipo chapa-branca? Pois foi essa a impressão que tive. Apesar de eu não ter uma visão nem positiva nem negativa da instituição (para mim, ela pode já ter tido alguma importância no passado, mas hoje em dia é totalmente irrelevante), achei uma forçação de barra danada colocar a Maçonaria no centro dos acontecimentos político-sociais do país ou do mundo em pleno século XXI. Mesmo com a superestima de seu alcance atual, é uma delícia acompanharmos de perto os rituais, símbolos, estruturas organizacionais, concepções, instalações e doutrinas do Grande Oriente do Brasil.

Autor dos livros O Coração do Imperador e A Morte do Filho do Rei, Guilherme Santos é o jovem romancista mineiro nascido em Santo Antônio do Monte

Por fim, outro aspecto que me incomodou um pouco em “O Coração do Imperador” (e muito em “A Morte do Filho do Rei”!) foi a mania do autor em descrever excessivamente cenários, passagens históricas e situações corriqueiras. Vários detalhamentos são desnecessários e acabam prejudicando o ritmo narrativo do romance. Chamamos isso na crítica literária de “levar para as páginas do livro a pesquisa feita pelo escritor”. Infelizmente, Guilherme Santos se empolga um pouco e parece ter vontade de explicar tudo para os leitores, até mesmo coisas que já sabemos ou que são irrelevantes para a evolução da trama.


O aspecto positivo é que deu para ver que o autor evoluiu bastante da primeira para a segunda obra. Se “A Morte do Filho do Rei” tinha muitas (não estou exagerando quando digo muitas!!!) passagens desnecessárias (faltou um trabalho de edição mais acurado na obra de estreia), “O Coração do Imperador” já possui bem menos partes supérfluas (o trabalho de edição aqui foi melhor). Mesmo assim, há ainda um pouco de excesso descritivo na primeira metade do romance.


Por tudo isso, reconheço que estou aguardando com ansiedade os próximos passos de Guilherme Santos na literatura comercial. Se ele mantiver o grau de evolução apresentado até o momento, na certa sua terceira publicação ficcional será um livrão. Vamos torcer para que o autor mineiro continue no ofício da produção narrativa, mesmo tendo muitas atividades profissionais em paralelo. A literatura brasileira contemporânea agradece!


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