Publicada originalmente em 2003, esta obra reúne cartas, e-mails, entrevistas e ensaios da romancista italiana das últimas três décadas.
Na semana passada e na semana retrasada, analisamos no Desafio Literário de Elena Ferrante os dois primeiros romances da escritora napolitana: “Um Amor Incômodo” (Intrínseca), thriller psicológico de 1992, e “Dias de Abandono” (Biblioteca Azul), suspense dramático de 2002. No post de hoje do Bonas Histórias, a ideia é discutirmos mais uma obra da principal romancista italiana da atualidade. Contudo, ao invés de mergulharmos novamente na ficção de Elena Ferrante, vamos debater aqui seu primeiro livro não ficcional. O título em questão é “Frantumaglia – Os Caminhos de Uma Escritora” (Intrínseca), minha leitura do último final de semana.
Nessa publicação, podemos acompanhar a correspondência de Ferrante com os editores italianos, as entrevistas concedidas aos veículos de comunicação de seu país e do exterior, os comentários sobre os roteiros cinematográficos que foram baseados em seus romances e os ensaios que a autora produziu ao longo dos anos tendo como temática sua literatura e os mais variados assuntos (política interna, papel das mulheres na literatura, feminismo, crítica literária, detalhes do fazer literário e visão sobre a Itália e a cidade de Nápoles). Assim, descortinamos, no Desafio Literário, um pouco mais da personalidade de uma das figuras mais enigmáticas da literatura italiana e, por que não, da literatura contemporânea.
A ideia de lançar “Frantumaglia” partiu de Sandra Ozzola e Sandro Ferri, os editores da Edizioni e/o, a editora italiana que publica os livros de Elena Ferrante. Como a escritora napolitana não aparece em público nem revela sua identidade verdadeira (lembremos: Elena Ferrante é simplesmente um pseudônimo), as únicas pessoas que têm algum contato (mesmo que mínimo) com ela são Sandra e Sandro (e a filha do casal, Eva Ferri). Porém, esses contatos são na maioria das vezes por escrito: no início eles trocavam cartas e, com o advento da Internet, agora se correspondem por e-mail. A dupla de profissionais da Edizioni e/o é a responsável por intermediar as raras entrevistas por escrito que Ferrante aceitou dar e as conversas dela com os diretores que levaram seus romances para o cinema, além de tratar de assuntos práticos envolvendo a publicação e a divulgação dos livros da autora best-seller.
Em junho de 2003, diante do crescimento exponencial do interesse da mídia e do público leitor por detalhes da vida particular, das opiniões e dos títulos de Elena Ferrante, Sandra Ozzola e Sandro Ferri consultaram a romancista. Eles queriam saber a possibilidade de ela lançar um livro não ficcional contendo as correspondências trocadas com eles ao longo dos anos. Surpreendentemente, Ferrante aceitou a proposta. E, assim sendo, foi publicado, no segundo semestre daquele ano, “Frantumaglia – Os Caminhos de Uma Escritora”. Segundo as palavras de Elena Ferrante, esse livro era destinado às “leitoras e aos leitores de “Um Amor Incômodo" e “Dias de Abandono” e deveria ser visto como “um apêndice dessas duas histórias, uma espécie de posfácio um pouco denso”.
Essa coletânea de textos não ficcionais de Elena Ferrante ganhou duas novas edições em italiano nos anos seguintes. Além da versão original de 2003, “Frantumaglia” tem uma versão de 2007 e outra de 2016. Em cada uma delas, os editores da Edizioni e/o inseriram novos materiais à publicação. Ou seja, Sandra Ozzola e Sandro Ferri atualizaram periodicamente o livro com as correspondências mais recentes trocadas com Ferrante e com as novas entrevistas concedidas pela romancista. Quem ganha com essa evolução de conteúdo da obra é, obviamente, o fã mais fervoroso de Elena Ferrante. Ao invés de assistirmos apenas ao debate sobre seus dois primeiros livros, podemos acompanhar a repercussão dos títulos seguintes da italiana, principalmente o frenesi internacional causado pelos quatro títulos da Série Napolitana, o maior sucesso editorial da autora até aqui.
Por falar na Tetralogia Napolitana, a publicação de “Frantumaglia” no exterior (fora da Itália) só aconteceu após Elena Ferrante alcançar o posto de best-seller mundial. Com a venda de milhões e milhões de exemplares mundão à fora de “A Amiga Genial” (Biblioteca Azul), “História do Novo Sobrenome” (Biblioteca Azul), “História de Quem Foge e de Quem Fica” (Biblioteca Azul), e “História da Menina Perdida” (Biblioteca Azul), as editoras dos outros países resolveram traduzir o primeiro livro não ficcional da escritora napolitana. Esse processo também aconteceu no Brasil.
A edição brasileira de “Frantumaglia – Os Caminhos de Uma Escritora” foi publicada em 2017 pela Editora Intrínseca e é fruto da tradução da última versão dessa obra em italiano (a de 2016). Por isso, temos acesso não apenas às cartas e às entrevistas da romancista até 2003 (como foi publicado na primeira edição em italiano), mas também acompanhamos a comunicação efetuada por Ferrante entre 2003 e 2007 (conforme vem na segunda edição em italiano) e a correspondência dela entre 2011 e 2016 (como está na terceira e mais recente versão em italiano). O tradutor responsável por adaptar o texto de “Frantumaglia” para o português brasileiro foi Marcello Lino, que também traduziu outros quatro romances da autora: “Um Amor Incômodo”, “A Filha Perdida” (Intrínseca), “Uma Noite na Praia” (Intrínseca) e “A Vida Mentirosa dos Adultos” (Intrínseca).
Com o acréscimo sistemático de textos, a nova edição de “Frantumaglia – Os Caminhos de Uma Escritora”, que no original mal passava de um livro com 100 páginas e contendo apenas 17 capítulos, possui agora 416 páginas e 43 capítulos. Em outras palavras, essa obra passou de uma publicação enxuta para um título ao melhor estilo tijolão. “Frantumaglia” está agora dividido em três blocos – “Parte I: Papéis”, “Parte II: Tésseras” e “Parte III: Cartas”. As seções desse livro de Elena Ferrante estão organizadas de acordo com as atualizações realizadas ao longo do tempo. Enquanto a primeira parte tem 17 capítulos, a segunda e a terceira têm, respectivamente, 9 e 17 capítulos.
A parte I, “Papéis”, corresponde aos textos de 1991 a 2003 (conteúdo original da obra) e abrange as entrevistas e os debates sobre os dois romances iniciais de Ferrante, “Um Amor Incômodo” e “Dias de Abandono”, e o lançamento do filme “Um Amor Incômodo” (L'amore Molesto: 1995). A parte II, “Tésseras”, está ligada ao período entre 2003 e 2006 (conteúdo acrescido na segunda versão do título). Aqui assistimos ao impacto da publicação original de “Frantumaglia”, do romance “Uma Filha Perdida” e do longa-metragem “Dias de Abandono” (I Giorni dell'abbandono: 2005). E a parte III, “Cartas”, é a mais recente. Ela contempla as entrevistas realizadas de 2011 a 2016 (e relaciona-se com a atualização feita na terceira edição de “Frantumaglia). Esse é o período de maior sucesso de Elena Ferrante, quando a Série Napolitana se transformou em um best-seller internacional.
Li essa coletânea epistolar nas manhãs e nas tardes do último final de semana (sábado e domingo). Devo ter levado entre cinco horas e meia e seis horas para percorrer integralmente o conteúdo de “Frantumaglia – Os Caminhos de Uma Escritora”. Apesar de volumoso, esse livro tem uma leitura fluída, gostosa e, por que não, rápida (considerando a extensão de páginas).
O mais legal dessa obra é poder ter acesso direto às opiniões, às visões de mundo e à biografia de Elena Ferrante, algo que raramente temos acesso na imprensa de forma geral (a escritora concede pouquíssimas entrevistas). Além de promover um debate de altíssimo nível sobre as características de suas personagens, de suas tramas e de seu estilo narrativo e de apontar referências literárias, ela ainda discute muitos aspectos do fazer literário, justifica sua decisão de não querer aparecer publicamente e esmiuça os bastidores da construção de seus romances e dos roteiros cinematográficos de suas obras.
O capítulo inicial de “Papéis”, a parte I de “Frantumaglia”, se chama “O Presente de Befana”. Esse é o texto mais antigo da coletânea – ele é de setembro de 1991. Nessa carta enviada à Sandra Ozzola, Elena Ferrante explica que não irá aparecer para o público em nenhuma oportunidade, nem na divulgação de “Um Amor Incômodo”, nem em futuros lançamentos que faça com a editora. No segundo capítulo, “As Costureiras das Mães”, Elena envia seu discurso ao júri do Prêmio Procida-Isola di Arturo-Elsa Morante de 1992. Como ela não compareceu à cerimônia, ela precisou enviar um texto de agradecimento. Em “Escrever por Encomenda”, a escritora faz um desabafo irônico para a solicitação de seus editores. Eles pediram para que ela escrevesse algumas linhas em homenagem ao 15º aniversário da Edizioni e/o. Em abril de 1994, Ferrante avisa Sandro Ferri que está ansiosa para conhecer o roteiro de Mario Martone, diretor que iria adaptar para o cinema o primeiro romance da napolitana. Esse capítulo se chama “O Livro Roteirizado”.
Em “A Reinvenção de Um Amor Incômodo”, quinta seção de “Papéis”, Ferrante e Martone trocam cartas nas quais debatem mais profundamente a adaptação do romance “Um Amor Incômodo” para as telas. Essa correspondência vai de abril de 1994 a janeiro de 1995. “Hierarquias Midiáticas” é a resposta irônica de Elena ao convite de Francesco Erbani, jornalista do caderno de cultura do jornal La Republlica. Às vésperas do lançamento do filme de Mario Martone, Erbani queria entrevistar a romancista. “Sim, Não, Não Sei” é o texto enviado à Sandra no qual Ferrante responde às perguntas enviadas pela jornalista Annamaria Guadagni. Antes, a escritora escancara o desconforto que sente por precisar interagir com o público e a mídia, mesmo que por escrito. Em “As Roupas, Os Corpos”, Elena Ferrante comenta com Mario Martone suas impressões sobre o filme que ele tinha lançado há poucas semanas.
O nono capítulo da parte inicial de “Frantumaglia”, “Escrever às Escondidas”, traz as respostas dadas por Elena a Goffredo Fofi. O experiente jornalista, escritor e crítico literário solicitou, em 1995, uma entrevista por escrito com Ferrante e foi atendido. Em maio de 1998, Sandra é avisada que Elena está produzindo um novo romance. Esse livro teria como temática uma trabalhadora que é observada obsessivamente por alguém de má índole. Esse é o conteúdo do capítulo “As Trabalhadeiras”. Em “Mentiras que Dizem Sempre a Verdade”, Ferrante comunica Sandro, em janeiro de 2002, que aceita dar uma nova entrevista a Fofi.
Os três capítulos seguintes de “Frantumaglia – Os Caminhos de Uma Escritora” são “A Cidade Sem Amor”, “Sem Distância de Segurança” e “Uma História de Desestruturação”. Esses textos apresentam as entrevistas concedidas por Elena Ferrante entre janeiro e setembro de 2002 a, respectivamente, Goffredo Fofi, Stefania Scateni e Jesper Storgaard. O assunto é o mesmo nas três oportunidades: o romance “Dias de Abandono”, a segunda publicação ficcional da autora napolitana.
Os últimos capítulos de “Papéis” são “Suspensão da Incredulidade”, “A Frantumaglia” (título que emprestou seu nome ao livro) e “Um Posfácio”. Em “Suspensão da Incredulidade”, Elena explica para Sandro Ferri alguns pontos de sua narrativa curta em que critica Silvio Berlusconi. Em “A Frantumaglia”, o maior capítulo dessa seção e o texto mais revelador do livro, Elena Ferrante explica para Giuliana Olivero e Camilla Valletti, jornalistas da revista Indice, as relações entre as protagonistas de “Um Amor Incômodo” e “Dias de Abandono” e a sua biografia. Assim, descobrimos que os dois primeiros romances de Ferrante continham vários elementos autobiográficos. E, em “Um Posfácio”, acompanhamos a troca de cartas entre Elena e Sandra na qual elas decidem lançar esse livro.
O capítulo inicial de “Tésseras”, a parte II dessa coletânea de textos não ficcionais, se chama “Depois de Frantumaglia”. Nele, Elena e Sandra concordam em ampliar “Frantumaglia” com novos textos, entrevistas e correspondências de Ferrante. Em “A Vida nas Páginas”, assistimos à entrevista de Francesco Erbani com a escritora napolitana. Esse material foi publicado em outubro de 2003 no jornal La Republlica. “Os Dias no Meio do Caminho”, terceiro capítulo dessa seção, apresenta os comentários de Elena ao primeiro roteiro de Roberto Faenza. O diretor adaptou para o cinema “Dias de Abandono”. Em “A Olga Imprevista de Margherita Buy”, Angiola Codacci-Pisanelli entrevista Ferrante para a edição de setembro de 2005 da revista L´Espresso.
“O Livro de Ninguém” é o quinto capítulo de “Tésseras”. Nesse texto, Elena Ferrante compara o conto “A Volta” de Conrad à adaptação cinematográfica realizada por Patrice Chéreau no filme “Gabrielle” (2005). “Como é Feia Essa Menina” mostra a experiência de Elena Ferrante de ter lido “Madame Bovary”, romance clássico de Gustave Flaubert, na adolescência. Em “As Etapas de Uma Busca”, Francesco Erbani conversa novamente com Elena Ferrante. Para desespero da romancista, o jornalista insiste em questionar a verdadeira identidade de sua entrevistada. “A Temperatura Capaz de Acender o Leitor” apresenta as respostas de Elena às perguntas formuladas pelos ouvintes de Fahrenheit, o programa literário transmitido pela rádio RAI 3. E, no último capítulo dessa segunda parte de “Frantumaglia”, acompanhamos a entrevista dada por Elena a Marina Terragni e Luisa Muraro, em janeiro de 2007, na qual debatem “A Filha Perdida”. O nome desse texto é “O Vapor Erótico do Corpo Materno”.
Nos 17 capítulos da parte III, “Cartas”, acompanhamos as entrevistas concedidas por Elena Ferrante aos jornalistas e críticos literários da Itália e do resto do mundo (Estados Unidos, Noruega, Portugal, Turquia, Islândia, Espanha, Inglaterra e Bélgica). Os temas principais dessas conversas são o sucesso internacional da Tetralogia Napolitana e a opção da autora italiana por não revelar sua verdadeira identidade (algo que não entra na cabeça do pessoal da imprensa e do mercado editorial).
Em “A Subalterna Brilhante”, o primeiro capítulo dessa seção, Ferrante é sabatinada por Paolo Di Stefano, jornalista do Corriere della Sera (Itália). A conversa deles foi publicada em novembro de 2011. “Medo de Altura”, “Cada Indivíduo é Um Campo de Batalha”, “Cúmplice Embora Ausente” e “Nunca Baixar a Guarda” são as entrevistas concedidas, respectivamente, a Karen Valby da revista Entertainment Weekly (Estados Unidos), Giulia Calligaro da revista Io Donna (Itália), Simonetta Fiori do La Repubblica (Itália) e Rachel Donadio do The New York Times (Estados Unidos).
Em “Mulheres que Escrevem”, o sexto capítulo de “Cartas”, acompanhamos o bate-papo de Ferrante com Sandra Ozzola, Sandro Ferri e Eva Ferri. Esse é um dos textos mais longos do livro. O mais interessante dessa entrevista é que ela foi realizada presencialmente. Sim, você leu corretamente: eu disse PRESENCIALMENTE. Ou seja, Sandra e Sandro, o casal de editores da Edizioni e/o, e Eva, a filha deles, conhecem o maior segredo de Elena Ferrante (a verdadeira identidade da escritora). Essa conversa entre amigos foi publicada na revista The Paris Review (Estados Unidos) no começo de 2015.
Em “As Pessoas Exageradas”, “Treze Letras”, “Narrar o que Foge à Narrativa”, “A Verdade de Nápoles”, “O Relógio”, “A Hortinha e o Mundo” e “O Magma Sob as Convenções”, Elena responde às perguntas de Gudmund Skjeldal do Bergens Tidende e Aftenposten (Noruega), Isabel Lucas do jornal Público (Portugal), Yasemin Çongar da revista online T24 (Turquia), Arni Matthíasson do jornal Morgunblaðið (Islândia), da equipe da revista Frieze (Inglaterra), Ruth Joos do jornal De Standaard (Bélgica) e Elissa Schappell da revista Vanity Fair (Estados Unidos), respectivamente. Essas conversas foram realizadas por escrito e publicadas entre maio de 2015 e agosto de 2015.
“Descontentamento Deliberado”, “As Mulheres que Desmarginam”, “O Desperdício da Inteligência Feminina” e “Apesar de Tudo” são os capítulos finais da parte III de “Frantumaglia”. Nesses textos, acompanhamos as entrevistas dadas por Ferrante a Andrea Aguilar da revista Babelia e do jornal El País (Espanha), Liz Jobey do jornal Financial Times (Inglaterra), Deborah Orr da revista The Gentlewoman (Inglaterra) e Nicola Lagioia do jornal La Repubblica (Itália), respectivamente. Eles foram publicados de novembro de 2015 a março de 2016.
Uma das questões mais legais de “Frantumaglia – Os Caminhos de Uma Escritora”, como já disse, é acompanhar as visões, as opiniões e as passagens autobiográficas de Elena Ferrante. Se pensarmos nela como alguém muito tímida e profundamente receosa em relação à exposição pública, é notável reparar no quanto a romancista se expõe nessa obra. Ela fala de sua infância em Nápoles, da relação contraditória com a mãe, da saída da cidade natal depois de adulta, do novo papel que assumiu depois do nascimento dos filhos e dos relacionamentos conturbados que teve no passado. Percebe-se que as histórias ficcionais de Ferrante possuem doses elevadas de elementos autobiográficos. Ela não apenas concede entrevistas falando diretamente desses temas como mostra sua correspondência particular, escreve ensaios literários e apresenta conversas com os editores da Edizioni e/o.
Além disso, Ferrante apresenta detalhes do seu processo de escrita criativa, debate a relação com o ofício de romancista e analisa as características estilísticas de suas narrativas e de suas personagens. Para quem gosta dos pormenores do fazer literário e dos conceitos da teoria literária ler esses trechos de “Frantumaglia” é um deleite. Percebe-se uma escritora madura e com grande profundidade conceitual. Ferrante tem total domínio da técnica romanesca e conversa tranquilamente sobre suas concepções artísticas. Para mim, essa é a outra parte brilhante do livro. A autora italiana oferece várias referências literárias: “Adele”, de Federigo Tozzi, “Dalla Parte Di Lei”, de Alba de Céspedes, “Lettera All’editore”, de Gianna Manzini, “Menzogna e Sortilegio” e “A Ilha de Arturo”, de Elsa Morante, e “A Princesa de Clèves”, de Madame de La Fayette. Ela também destaca os trabalhos de Italo Calvino, Gustave Flaubert, entre outros grandes nomes da literatura italiana e mundial.
Outra questão que intriga os fãs de Elena Ferrante é o interminável debate sobre a real identidade da autora best-seller. Há quem diga que ela seja Goffredo Fofi, um importante crítico literário, ou Fabrizia Ramondino, uma destacada escritora nascida em Nápoles. Outros acreditam que ela seja Domenico Starnone, escritor italiano de grande destaque nacional, ou Anita Raja, tradutora e esposa de Starnone. Seguindo as várias linhas da teoria da conspiração, há quem afirme que Ferrante seja um escritor homossexual ou mesmo um conjunto de vários autores. Sempre que os jornalistas a questionam sobre isso, Elena Ferrante é lisa em escapar das indagações. Curiosamente, ela não dá nenhum indicativo em suas respostas, nem afirmando nem negando ser algum desses nomes, o que só alimenta ainda mais as especulações.
O principal ponto negativo de “Frantumaglia” é que ele se torna um tanto repetitivo à medida que avança. Esse problema se torna maior na parte final. A série de entrevistas dadas por Elena Ferrante aos jornalistas italianos e estrangeiros em “Cartas” parecem se repetir interminavelmente. Tanto as perguntas quanto as respostas são parecidíssimas. Aí chega uma hora que cansa. Em alguns momentos, tive a impressão de que Elena Ferrante tem toda a razão em não conceder esse tipo de abertura aos jornalistas. Já como leitores ficamos entediados em assistir sempre as mesmas questões sendo formuladas, imagine como deve ser para a autora ter que encarar esse martírio.
Outro elemento que não engoli foi as trocas de várias cartas e e-mails de Elena com seus editores italianos. Algumas me pareceram extremamente inverossímeis, principalmente aquelas que não foram publicadas. Minha sensação é que Sandra Ozzola e Sandro Ferri inventaram algumas das correspondências com a romancista napolitana ou simularam esses diálogos muitos anos depois só para dar maior consistência a “Frantumaglia”. Isso é mais evidente na parte I, “Papéis”, e no comecinho da parte II, “Tésseras”.
Não sei explicar exatamente o motivo dessa minha impressão. Para ser franco, meu feeling é que... como posso falar? Não posso afirmar nada evidentemente. Apenas vou dizer o que pensei, tá? Para mim, Elena Ferrante é na verdade Sandra Ozzola. Pronto falei. Ou alguém da família Ferri. Cheguei a essa conclusão analisando a troca de correspondência entre Elena e Sandra Ozzola e Sandro Ferri. Não tenho nada que comprove essa minha teoria. Como disse, foi apenas uma sensação. Curiosamente, entre as possíveis identidades levantadas para a autora napolitana, pouca gente aposta no casal Ozzola-Ferri. Se tivesse que fazer uma aposta, confesso que colocaria todas as minhas fichas em Sandra.
Por fim, fiquei bastante incomodado com a mudança de discurso de Ferrante ao longo do tempo para justificar seu sumiço da cena pública. No começo, ela dizia que não queria aparecer porque não gostava de se expor e pronto. Além disso, a escritora não se sentia confortável em revelar sua identidade porque tratava de muitas questões pessoais em seus romances e porque não queria perder tempo tendo que interagir com jornalistas e com o público em geral. Algo para ela chatíssimo. Impossível não aplaudir alguém com uma postura corajosa, honesta e humilde como essa.
Entretanto, à medida que os anos foram passando e o sucesso foi aumentando, Elena mudou significativamente o discurso. Aí entraram razões evidentemente de ordem menos práticas e muito mais ideológicas. A justificativa ficou mais bonita aos ouvidos do público, é verdade, mas menos crível. Para mim, ela soa agora artificial e um pouco petulante. Preferia quando Ferrante falava que não queria aparecer porque ela não se sentia confortável com as entrevistas e os eventos literários e não tinha nada de interessante para revelar ao público.
Apesar de um ou outro tropeção, “Frantumaglia – Os Caminhos de Uma Escritora” é um ótimo livro de não ficção. Tenho a impressão de que os leitores que já leram as principais obras de Elena Ferrante irão gostar mais desse título do que os que não leram nada da autora napolitana. Afinal, nas páginas dessa coletânea, acompanhamos um debate inteligente e aprofundado dos romances de Ferrante, das características psicológicas e emocionais de suas personagens e do seu estilo narrativo. Quem não sabe do que está sendo tratado nos capítulos na certa ficará boiando (e deverá achar o livro chato).
Agora que conhecemos esse que é o livro não ficcional mais importante de Elena Ferrante, vamos voltar para os romances dela. Na semana que vem, retornarei ao Desafio Literário para comentar “A Amiga Genial” (Biblioteca Azul), a obra mais famosa de Ferrante. Publicado em 2011, esse título inaugura a conceituada Série Napolitana, o maior sucesso editorial da literatura italiana das últimas décadas. O post sobre “A Amiga Genial” estará disponível no Bonas Histórias na próxima segunda-feira, dia 26. Não perca as novas partes do estudo da literatura de Elena Ferrante. Até lá!
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