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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Livros: Amor Segundo Buenos Aires - O romance de estreia de Fernando Scheller

Publicado originalmente em abril de 2016 e relançado em novembro de 2023 em versão estendida, o drama sentimental do escritor e jornalista paranaense tem como principal charme a ambientação na capital argentina.


O livro Amor Segundo Buenos Aires é o romance de estreia de Fernando Scheller, jornalista e escritor paranaense

Na maioria das vezes, quando digo para familiares, amigos, colegas e conhecidos do Brasil que estou morando em Buenos Aires, ouço em algum momento: “que romântico, Ricardo!”. Invariavelmente, esse é o primeiro comentário que rola quando descobrem que vim definitivamente para a capital da Argentina. De tão óbvia que é essa correlação, chego a ficar esperando por ela. Assim que dou a notícia, olho no relógio e começo a marcar o tempo. Juro que raramente demora mais do que cinco minutos para surgir a palavra “romântico” nas bocas dos meus empolgados interlocutores.


Não vou me esquecer de quando me mudei para cá. Mal saí do Aeroparque, o aeroporto urbano no coração de Palermo, e cheguei à nova casa em Núñez, fui convocado para duas reuniões virtuais com escritores brasileiros. No meio da faxina e no desfazer de malas, abri o notebook e entrei no Zoom. Na primeira teleconferência, ainda no dia da minha chegada e sem ter provado um asado ou uma empanada sequer, falei com Dayana Rampinelli, autora de “Maria e o Mundo Mágico” (EV Publicações), e Paulo Sousa, autor de “A Peste das Batatas” (Pomelo) e “Acinte 2020” (Pomelo). Quando viram o cenário diferente e um tanto caótico à minha volta e souberam onde eu estava, os dois falaram quase que juntos: “Buenos Aires? Que romântico!”. Surpreso com a sincronia da dupla, não me lembrei de pedir que corressem até algo verde e, ao tocar, pensassem no nome dele/dela.


No dia seguinte, a mesmíssima cena se repetiu. Dessa vez foi na reunião virtual com Eduardo Villela, diretor da EV Publicações, e Uranio Bonoldi, romancista da série “A Contrapartida” – “A Contrapartida” (Valentina), “O Contra-ataque” (Valentina) e “A Contra-história” (Valentina). “Buenos Aires, Ricardo? Que romântico!!!”. No caso do Eduardo, meu amigo dos tempos de colégio, ele não acreditou que eu estivesse me mudado para CABA (Ciudad Autónoma de Buenos Aires) sem qualquer pretensão afetiva. Mais tarde, descobri que o mesmo pensamento rondava as cabecinhas férteis de quase todos os meus familiares. Para eles, só vim para cá porque arranjei uma argentina com quem juntei os trapos. É claro que a língua rápida e afiada do bom amigo que conheceu por acaso os encantos da mina de Villa Crespo (abraço, Enzito!) não ajudou na contenção da versão falsa que se espalhou entre meus parentes.


Confesso que ao escolher viver na capital da Argentina em meados de 2023, não tinha me atentado para a característica apaixonante da cidade, algo tão propagada pelos meus conterrâneos. Cheguei de mala e cuia (no caso, cuia é só para compor a expressão idiomática – não suporto mate) simplesmente para aproveitar a maior qualidade de vida e o câmbio favorável da margem mais vibrante do Rio da Prata, conforme expliquei na apresentação de “Tempos Portenhos”, a nova coletânea de crônicas da coluna Contos & Crônicas. Em outras palavras, meus motivos foram 100% pragmáticos. Como um antirromântico incorrigível e alguém que faz de tudo para fugir da pessoa amada (quando o coraçãozinho bate mais forte, sei que é sinal para sair correndo e me esconder – não me critique nem se assuste, por favor, sou assim e não mudarei!), desconhecia os poderes da ocitocina, da dopamina e da serotonina propagados por CABA.


Buenos Aires, a charmosa e romântica capital da Argentina, é o cenário de Amor Segundo Buenos Aires, o primeiro livro ficcional do jornalista e escritor Fernando Scheller

Contudo, oito meses depois, tempo mais do que suficiente para já me sentir um nativo pelas ruas portenhas (ao ponto de não querer mais ir embora) e de ter me apaixonado pela/na cidade (entenda como quiser essa frase, tá?), admito que talvez tivesse subestimado os encantos arrebatadores de Mi Buenos Aires, Querido. Não é que esse pedacinho da América do Sul tem realmente seus charmes e consegue mexer com os corações mais gélidos e fatigados! Para entender um pouco mais o poder de atração da metrópole argentina, comecei a procurar explicações para esse efeito romântico dos bons ares locais. Como um crítico cultural que se preze, recorri à literatura, ao cinema, à música e ao teatro portenhos como ferramentas de estudo. Os leitores mais assíduos do Bonas Histórias devem ter percebido a enxurrada de conteúdo sobre a cidade nos últimos meses.


E, curiosamente, a melhor obra artística a retratar a força sentimental da minha nova cidade de maneira tão magnífica foi o livro ficcional de um autor brasileiro. Estou me referindo a “Amor Segundo Buenos Aires” (HarperCollins), o excelente romance de estreia de Fernando Scheller. Gostei tanto deste título que resolvi analisá-lo em detalhes no post de hoje da coluna Livros – Crítica Literária. Portanto, depois de minha longa e desnecessária introdução, aperte os cintos da poltrona que vamos seguir bem acompanhados por um tour diferenciado pela literatura brasileira na mais charmosa das capitais sul-americanas.  


O principal destaque de “Amor Segundo Buenos Aires” é colocar o espaço narrativo como uma espécie de protagonista do enredo. Achei essa inovação, que quebra a estrutura tradicional dos romances e rompe com a lógica dos papéis convencionais dos elementos da narrativa ficcional, espetacular! E não é só isso. A obra de Scheller consegue surpreender ao não cair nos clichês amorosos, típicos das comédias românticas e dos títulos água com açúcar. Nesta trama por vezes ácida, que adquire tom de forte drama sentimental, acompanhamos os mais variados tipos de relacionamento afetivo. Ao invés de apresentar uma visão idílica e caricata de casamentos e namoros, o autor vai pelo caminho do “mundo real” e da “vida como ela é”. Adorei a concretude e o hiper-realismo do texto, uma opção que talvez não agrade tanto as almas mais sonhadoras, ingênuas e românticas. No meu caso, aprovei a proposta!


Nascido no interior do Paraná em 1977, Fernando Scheller (não o confundir, POR FAVOR, com o quase homônimo nadador olímpico Fernando Scherer nem com o colunista da revista Veja Fernando Schüler) se mudou para Curitiba para fazer faculdade. Formado em Jornalismo e com mestrado em Economia e Política Internacional, trabalhou em importantes veículos de comunicação no Brasil (como O Estado de São Paulo, Gazeta Mercantil, TV Globo/Portal G1 e Gazeta do Povo) e no exterior (Rádio e TV Deutsche Welle). Atualmente, é sócio da OvoCom, empresa paulistana de comunicação corporativa especializada em Relações Públicas e produção de conteúdo.


“Amor Segundo Buenos Aires” foi lançado originalmente em abril de 2016 pela Editora Intrínseca. Quando começou o desenvolvimento do texto deste que viria a se tornar seu primeiro romance, Scheller tinha a pretensão de produzir um guia da cidade argentina e não uma trama ficcional. Obviamente, a obra teria características inusitadas e híbridas. A descrição de lugares turísticos viria salpicada de narrativas ao melhor estilo contos e crônicas. Mesmo com os elementos inovadores, ainda assim o título deveria ficar posicionado na prateleira da não ficção nas livrarias brasileiras.


Jornalista e escritor paranaense nascido em 1977, Fernando Scheller é autor dos livros Amor Segundo Buenos Aires, Gostaria que Você Estivesse Aqui e Paquistão – Viagem à Terra dos Puros

Com essa ideia em mente, Fernando Scheller iniciou a escrita de maneira tímida e com textos fragmentados em 2011. Em 2012, encarou a tarefa de confeccionar o livro com mais seriedade. Para tal, fazia visitas regulares à capital hermana. Em uma dessas imersões criativas por Buenos Aires, ele viu um casal em um café de San Telmo. Aquela cena romântica serviu de inspiração para a construção do eixo dramático da história, algo que lhe faltava. De repente, o componente ficcional ganhava mais destaque do que os elementos não ficcionais. Surgia, a partir daí, o romance propriamente dito. A proposta de produzir uma obra literária e não um título jornalístico só se consolidaria mais tarde, no momento da edição e da amarração das narrativas. O processo inteiro de construção da publicação durou em torno de quatro anos.


Apesar de a fase de desenvolvimento do livro parecer caótica (pelo menos para quem ouve esse relato agora), acho que a dinâmica criativa um tanto distinta foi muito positiva porque deixou marcas bem singulares no material. O que mais gostei em “Amor Segundo Buenos Aires”, depois da excelente ambientação, do retrato impecável do espaço narrativo e do tom ácido dos dramas sentimentais, foi a dobradinha formada pela multiplicidade de narrativas (é tanta trama junta que é até difícil para explicar o enredo principal da obra) com a variedade de tipos de relacionamentos retratados (em uma overdose de uniões das mais distintas formas, idades, preferências sexuais, fases de vida e países). Se você quer um romance certinho, convencional e de fácil digestão, saiba que talvez o texto de Fernando Scheller não seja para o seu paladar.


Em novembro de 2023, “Amor Segundo Buenos Aires” ganhou uma nova edição, dessa vez pela Editora HarperCollins. Além da mudança de projeto editorial, que deixou a obra mais bonita (as ilustrações de capa e de abertura dos capítulos foram feitas por Amanda Pinho e estão ESPETACULARES!), o drama sentimental ambientado na capital argentina ganhou mais cinco capítulos. Em outras palavras, a nova publicação é a versão estendida daquela original publicada pela Intrínseca há oito anos. Por isso, aconselho: na dúvida, recorra ao material mais recente, que passou por uma caprichada revisão conceitual do autor.


Há mais ou menos três anos e meio, foi anunciada a intenção da HBO em adaptar a trama do livro para a televisão. Chegou-se a especular, inclusive, que Scheller seria um dos roteiristas da série televisiva. Contudo, com a confusão causada pela pandemia da Covid-19 e com as mudanças na estrutura brasileira da emissora norte-americana, o projeto audiovisual não evoluiu.


Em 2021, Fernando Scheller lançou seu segundo romance, “Gostaria que Você Estivesse Aqui” (HarperCollins). A narrativa histórica ambientada no Rio de Janeiro da década de 1980 foi publicada primeiramente pela TAG em maio. O interessante é que esse foi o primeiro título de um escritor brasileiro que o clube de assinaturas apresentou pelo selo TAG Inéditos. A tiragem foi de 40 mil unidades, um número absurdo para um jovem autor ficcional. Em agosto, a HarperCollins se encarregou de atender aos leitores das livrarias com uma versão comercial de “Gostaria que Você Estivesse Aqui”.


Lançado originalmente em abril de 2016 e relançado em novembro de 2023 em versão estendida, Amor Segundo Buenos Aires é o romance de estreia de Fernando Scheller

Antes de se enveredar pelo ofício de romancista, o jornalista paranaense já tinha publicado uma obra não ficcional. Em 2010, sua estreia no mercado editorial foi com “Paquistão – Viagem à Terra dos Puros” (Editora Globo). Em uma espécie de versão brasileira de “O Livreiro de Cabul” (Record), best-seller de Åsne Seierstad, Scheller relata suas experiências de viver dois meses com uma família paquistanesa na Ásia Meridional. Ele gostou tanto da aventura no exterior e da dinâmica de trabalho que pensou em fazer o mesmo tipo de texto na Argentina. Contudo, não esperava ser picado pelo prazer da literatura ficcional no meio do caminho. Ainda bem: ganhamos um romancista. Conforme revelou recentemente em uma entrevista, Fernando Scheller deseja produzir um novo título ambientado em uma nova cidade. Qual seria esse lugar? Ainda não recebemos nenhum indício. Parodiando Dona Milú, personagem clássica interpretada por Miriam Pires na telenovela “Tieta”, misteeeeeeeeério.


O enredo de “Amor Segundo Buenos Aires” começa descrevendo a crise conjugal de Hugo e Leonor. Os dois estão casados informalmente há três anos. Os namoridos, para usarmos um termo contemporâneo, são brasileiros e vivem em um apartamento alugado em San Telmo. O casal deixou o Brasil meio que de supetão e foi morar na capital argentina por vontade de Leonor. Ela, que tem 26 anos, é filha de uma brasileira (Lola) e de um argentino (Ernesto). Como sempre conviveu pouco com o pai, que retornou para seu país natal após breve passagem pelo Brasil, Leonor anseia por adentrar na rotina de Ernesto, um conceituado acadêmico portenho. Sua obsessão pela figura paterna é tão grande que ela largou a vida no Brasil só para ficar perto do Professor Ernesto, que parece ignorá-la impiedosamente. Apaixonado pela esposa/namorada, Hugo, de 31 anos, não pensou muito e foi junto com ela para a Argentina.


Depois de um período de lua-de-mel em Buenos Aires, onde toda novidade era excitante, o casal de protagonistas agora vive sem afinidades nem sintonias. Sexo é artigo escasso na cama deles e carinho genuíno é comportamento em falta naquele lar. Hugo acha que Leonor não o ama mais. Inclusive, suspeita que a mulher/namorada tenha um amante. Por não suportar mais a frieza da companheira e a possível traição, ele resolve sair de casa em definitivo. Para recomeçar a vida na cidade que não consegue mais abandonar (voltar para o Brasil não está em seus planos), Hugo aluga um novo apartamento. Dessa vez, vai viver sozinho. Acha que é preferível ficar só a ter como companhia alguém que o repudia dia e noite.


Triste com o fim do relacionamento, o rapaz é consolado pelos dois melhores amigos, Carolina e Eduardo. Carolina tem 27 anos e é uma aeromoça solitária que se entretém fazendo sexo casual nas viagens a trabalho. Ela é apaixonada secretamente por Hugo e não entende como Leonor, que já foi uma de suas amigas mais próximas no passado, despreza aquele homem aparentemente impecável. A moça não compreende também a devoção do amigo pela esposa/namorada, que é sempre fria e brava com ele independentemente da situação. Tão logo a separação dos brasileiros é efetivada e anunciada, Carolina consegue o que ansiava há tanto tempo: transar com Hugo.


O outro grande amigo do protagonista é Eduardo. Aos 34 anos, Edu é argentino e gay. Seu principal drama é não ter relacionamentos amorosos saudáveis. O último rapaz com quem saía parecia que o estava roubando. Pelo menos essa era a sua suspeita. Mesmo com as desconfianças, Eduardo, que parece ser dependente emocional dos parceiros e aceitar relacionamentos tóxicos, protelou o quanto pôde abandonar o namorado pouco honesto. Ciente das confusões que o arquiteto se mete por força do coração ingênuo e condescendente, Hugo sempre o consolou e o orientou. Contudo, com a separação do brasileiro, os papéis se invertem. Agora é Eduardo quem precisa cuidar do ex-marido/namorado de Leonor, que está destruído sentimentalmente.


Primeiro livro ficcional de Fernando Scheller, Amor Segundo Buenos Aires apresenta uma série de encontros e desencontros sentimentais ambientados na capital da Argentina

Em uma das saideiras da dupla pela noite portenha – nada melhor do que um bom porre de vinho argentino para curar as feridas do coração (¡abrazo, Pablito, el Caníbal!)–, o melhor amigo de Hugo conhece Daniel, um garçom sério e pouco falante que chegou à CABA vindo de uma fazenda nos rincões dos Pampas. Rapidamente os dois se entrosam, apesar do evidente abismo social – um é arquiteto, rico e cosmopolita e o outro é funcionário de bar, pobre e interiorano. Ao ver que, enfim, Eduardo está feliz e com um pretendente com muitas qualidades positivas, Hugo se propõe a fazer de tudo para aproximar ainda mais os pombinhos. Ele não irá sossegar enquanto não ver o amigo firmar namoro com Daniel. Surge em cena a versão “anjo cupido” da personagem principal de “Amor Segundo Buenos Aires”.


Por outro lado, o possível affair entre Hugo e Carol esfria completamente após a primeira noite de sexo deles. Ele mergulha na tristeza e na melancolia sem a esposa/namorada. E Carol segue flertando com todo tipo de homem em suas viagens a trabalho e nas escapadas pela noite da capital argentina. Contudo, a sorte da moça dá sinal de mudança quando conhece Martín, um engenheiro que trabalha no sistema financeiro. Recém-separado, o rapaz tem uma leveza que impressiona a aeromoça, pouco acostumada a pessoas e rotinas extremamente suaves.


Nesse cenário de encontros e desencontros sentimentais pela metrópole portenha, Hugo tem grande dificuldade para encontrar uma substituta para Leonor. Porém, rapidamente essa será uma de suas menores preocupações. Uma notícia bombástica e delicadíssima acaba mudando inteiramente seu cotidiano. Do dia para noite, sua atenção volta-se para um lado da vida até então ignorado. O que será que se passou com Hugo para abalá-lo tanto assim, hein?! É esse o mistério que apresento para os leitores do Bonas Histórias. Como não gosto de contar o spoiler das obras analisadas seja na coluna Livros – Crítica Literária, seja nas demais colunas do blog, deixo no ar o suspense de “Amor Segundo Buenos Aires”.   


A partir da explosão do conflito principal do livro, surgem novos personagens em cena. Conhecemos Pedro, o pai de Hugo. Professor universitário de Sociologia aposentado, o patriarca ficou casado por 38 anos com Marta, a mãe de Hugo. Tão logo Pedro descobre que o filho tem problemas graves no exterior, ele, como pai zeloso e coruja que sempre foi, se muda intempestivamente para a Argentina. Vendo que Marta não o seguiria, o professor aposentado não titubeia e pede a separação. O divórcio é encarado com naturalidade tanto pela mulher quanto pelo filho único do casal. A sensação é que aquele matrimônio já tinha acabado fazia muito tempo e só precisava de um pretexto/empurrãozinho para se formalizar. Em Buenos Aires, Pedro engata um namoro com Charlotte, sua vizinha de apartamento que diz ter 85 anos e que não se separa do seu cachorro, Napoleão, por nada nesse mundo.


O interessante é que cada capítulo é narrado por uma personagem. Assim, acompanhamos o revezamento de relatos em primeira pessoa de Hugo (capítulos 1, 4, 6, 9, 11, 17 e 19), Carolina (capítulos 2, 7 e 22), Eduardo (capítulos 3, 5, 16 e 20), Pedro (capítulos 8 e 10), Martín (capítulo 12), Daniel (capítulo 13), Leonor (capítulos 14 e 21), Charlotte (capítulo 15) e Buenos Aires (capítulo 18). Com tantas vozes simultaneamente, conseguimos ter uma visão completa e dinâmica do que se passa em volta de Hugo, que considerei como o protagonista formal da publicação (mas sei que essa afirmação é polêmica, como veremos mais à frente nessa análise).


Amor Segundo Buenos Aires é o romance dramático de Fernando Scheller que é ambientado na encantadora metrópole argentina

“Amor Segundo Buenos Aires” é um romance volumoso. Ele tem 372 páginas, que estão divididas em 22 capítulos. Na apresentação da obra (que possui um tom de dedicatória lírica), acompanhamos um poema em versos livres (ou seria simplesmente uma prosa poética?!) sobre os mais diferentes tipos de desventura amorosa. O texto termina com: “Este livro (...) foi feito com amor e é sobre todas as formas de amor”. No fim da edição da HarperCollins (preferi comprar a versão mais atual do livro, tá?), há ainda o agradecimento do autor paranaense.


Li esta publicação de Fernando Scheller no mês passado em uma viagem para Montevideo (tecnicamente falando foi o contrário, a li na volta para a Argentina). Diferentemente de Lucas Pereyra, o narrador-protagonista de “A Uruguaia” (Todavia), novela impecável do argentino Pedro Mairal que analisei há alguns meses no Bonas Histórias, não atravessei o Rio da Prata atrás de uma aventura amorosa com uma tchutchuquinha local. Fui simplesmente para ver um jogo do Timão pela Copa Sul-americana. Viu só como sou um ogro antirromântico, senhoras e senhores. Para aplacar um pouco a dor na consciência por efetuar um passeio tão pouco intelectual por terras uruguaias, levei na mochila vários livros. Veria sim o Corinthians em campo, mas também devoraria vários títulos literários enquanto estivesse me deslocando por barco e ônibus.


Na viagem de ida para a terra natal de Pepe Mujica, Juan Carlos Onetti e Natalia Oreiro (quase escapou completar com Carlos Gardel, mas me segurei para não cometer essa gafe com meus amigos argentinos), tive como companhia “O Túmulo da Desconhecida” (Viseo), o ótimo romance da escritora mineira Janete Helena que vou comentar em julho na coluna Livros – Crítica Literária. Não percam o post! Já no trajeto de volta para CABA pelo Buquebus (uma viagem de barco, diga-se de passagem, deliciosa!!!), devorei “Amor Segundo Buenos Aires”.


Para ser honesto com os leitores do blog, li metade do título de Scheller no caminho entre o hotel de Montevideo e meu lar na capital argentina e a outra metade no dia seguinte, já devidamente instalado no meu apê em Saavedra. Foram, portanto, duas sessões literárias de aproximadamente três horas e 45 minutos cada. Acho que devo ter investido em torno de sete horas e meia nesta leitura. Se o jogo do Coringão contra o Racing genérico rendeu só um pontinho na tabela de classificação do torneio continental, minha viagem resultou em dois posts literários para o Bonas Histórias. Não tenho dúvida de quem se saiu melhor nesta jornada ao exterior.


Vamos começar agora a análise verdadeiramente de “Amor Segundo Buenos Aires”. Se bem que já adiantei, no início dessa crítica, vários elementos que gostei muito nesta obra. Para não ficar repetitivo, vou apontar dessa vez outros aspectos elogiosos do romance.


Uma das boas surpresas da literatura brasileira contemporânea, Amor Segundo Buenos Aires é o romance de Fernando Scheller que mostra os dramas sentimentais dos moradores da maior cidade da Argentina

Entre os demais encantos de “Amor Segundo Buenos Aires”, o que mais gostei foi da fidelidade e da sensibilidade do retrato da cidade. É delicioso ver a CABA como eu conheço e vivo transmutada em cenário literário das várias histórias de amor e desamor. A sensação é que estamos efetivamente caminhando pelos lugares indicados pelo livro. Como um residente apaixonado pela atmosfera portenha, eu garanto que o texto de Fernando Scheller é fidedigno nas cores, no tom e na intensidade.


Algumas descrições da capital da Argentina feitas pelo romancista brasileiro são realmente SENSACIONAIS!!! Confesso envergonhado que não teria a habilidade de explicar com tanto talento e lucidez as peculiaridades dos bairros, das ruas e dos estabelecimentos do município em que vivo (e olha que tento fazer isso em “Tempos Portenhos”). Anotei as passagens que mais gostei da obra. Juro que não me canso de reler esses trechos tamanha é a sua beleza literária e a sagacidade das observações de Scheller. Só por essas frases, acho que “Amor Segundo Buenos Aires” já vale a leitura – principalmente se você for, como eu, apaixonado(a) por esse cantinho maravilhosamente caótico do mundo. Veja as melhores sacadas do autor:


“Ela (a capital argentina) não é linda? Linda não é bem a palavra certa. Se Paris é uma mulher moderna e elegante, vestida nas melhores roupas, porém intragável e inatingível, Buenos Aires é uma senhora muito vivida, maltratada pelo tempo e por amantes, porém ainda capaz de, sob a luz certa, mostrar seu poder de sedução. Ou quem sabe Buenos Aires seja Mrs. Robinson. É isso, Buenos Aires é Anne Bancroft por volta de 1967.  Acho que desvendei o mistério” (página 19).  


“Vive em San Telmo, um bairro que, exceto aos domingos, é uma parte da cidade suja e malcuidada que tenta, pretensiosamente, se vender como moderninha” (página 43)


“Não sei se funciona para a Argentina inteira, mas o fato é que eu entendo Buenos Aires, como não entendo nenhum outro lugar do mundo. E acho que Buenos Aires também me entende (...). A cidade que se arranha, se esfarela, leva safanões e pontapés, mas sempre dá um jeito de se levantar, aqui e ali, imponente. Quando dá a impressão de que Buenos Aires vai explodir, ela faz como seus moradores: abre uma nova janela clandestina na sala do apartamento, mesmo correndo o risco de levar o edifício inteiro a desabar. Um buraco na medianera deixa o vento entrar e amenizar a sensação de sufocamento pelo menos por um verão, até que chegue outro mais quente” (páginas 69/70)


“É fevereiro, e em Buenos Aires, a energia elétrica vai e vem. Os apagões são constantes, e os portenhos, com razão, ficam de mau humor com o calor e a falta de ar-condicionado. Restaurantes sofisticados, os apartamentos classudos de Belgrano, as milongas do Centro e as bibocas de Barrancas – de repente, todo mundo estava no mesmo barco” (página 133)


Relançado em versão estendida pela HarperCollins Brasil no final de 2023, o romance Amor Segundo Buenos Aires é a obra de estreia de Fernado Scheller

“Quando dei por mim, não tinha mais volta. Aqui era o meu lugar.

– Parece amor.

– Acho que é. O que sinto por Buenos Aires é mais ou menos o que sentia por você. A diferença é que, de alguma maneira, sinto que sou correspondido” (página 233).


“(...) paro no meio da praça (de Mayo) entre flashes de turistas que tiram uma foto da Casa Rosada antes de seguir em direção às compras na rua Florida. Cada dia ouço mais gente falando português aqui. Invadiram a minha cidade” (página 267)


“Ela me explica que não se diverte com o que eu falo, mas com como eu falo. Nesses anos todos aqui, continuei com sotaque brasileiro. Quero saber se minha pronúncia é muito ruim. Mar responde que é horrivelmente adorável. Como se uma facada na barriga pudesse ser, de certa forma, agradável” (página 276)


Impossível não concordar com essas palavras. Em alguns momentos, juro que me vi falando essas frases no meu cotidiano, seja para a professora catarinense e para a policial de Belgrano, seja para o vizinho simpático e para os amigos brasileiros que para cá vêm turistar.


Nas páginas de “Amor Segundo Buenos Aires”, conhecemos o frenesi da Feira de San Telmo, a paixão dos portenhos pelo vinho Malbec, os kioscos que se proliferam a cada quarteirão, as delícias do alfajor Cachafaz, os cinemas de rua que se mantém populares, a orquestra típica El Afronte, os erros dos brasileiros ao falar espanhol, a invasão de brasileiros nas regiões mais turísticas da cidade, a Praça Vicente Lopez na Recoleta, os bares escondidos, as avenidas Santa Fé e 9 de Julio, as calles Lavalle e Florida, o Mercado Primera Junta, as Barrancas de Belgrano, o Patio Bullrich, o visual deslumbrante de Puerto Madero, o calorão de janeiro e fevereiro sem chuva, os apagões de eletricidade, a paixão pelos cachorros, os ônibus antigos, o charme das livrarias (principalmente do El Ateneo Grand Splendid), as tentações da Confitería Ideal, o majestoso Teatro Colón, o Obelisco, o Barrio Chino, a confusão da Feria de Mataderos, o legado de Carlos Gardel, o buchicho da Plaza Serrano e as peculiaridades de Manzana de Las Luces (um passeio que confesso que não conheço e que fiquei com MUITA vontade de ir!).          


Lançado originalmente em abril de 2016 e relançado em novembro de 2023 em versão estendida, Amor Segundo Buenos Aires é o romance de estreia de Fernando Scheller

Se pensarmos bem, podemos dizer que Hugo é o protagonista do romance. Afinal, todas as histórias do livro giram ao redor do seu drama e ele é quem concentra o maior número de narrativas em primeira pessoa (7 de 22 capítulos, aproximadamente um terço da publicação). Por outro lado, não é errado imaginarmos que a cidade de Buenos Aires também assume, em parte, o protagonismo (ou o co-protagonismo) da obra de Fernando Scheller. Achei simplesmente SENSACIONAL essa alteração surpreendente do papel do espaço narrativo. O cenário não apenas influencia consideravelmente na ambientação de “Amor Segundo Buenos Aires” como ousa se tornar uma personagem relevante do enredo. É ou não é genial, hein? O cuidado para descrever exatamente os lugares visitados pelas figuras ficcionais e para demonstrar no projeto gráfico o visual exato de cada pedacinho de CABA não é por acaso.  


Outro ponto que precisa ser elogiado é a fortíssima intertextualidade cultural do texto. O tempo inteiro os narradores-personagens citam músicas, filmes, livros, filosofia, sociologia, danças, gastronomia, seriados de televisão, histórias em quadrinho etc. Achei esse diálogo artístico profundamente compatível com a atmosfera cosmopolita da cidade e com o estilo de vida portenho. Morar em CABA é mergulhar em diferentes facetas culturais e “Amor Segundo Buenos Aires” não poderia desprezar essa particularidade.


Não posso me esquecer de falar da belíssima construção das personagens. Tive a impressão de que Scheller é um escritor MUITO acima da média na arte de dar vida às suas figuras ficcionais. Os tipos retratados neste romance são variados e maravilhosos. Juro que não sei qual das personagens é a melhor. Todas são redondas e com enorme complexidade dramática. Os meus favoritos, não sei o porquê, foram Pedro e Charlotte (além de Napoleão, claro). Para mim, eles são, ao mesmo tempo, tragicômicos e possuem enorme riqueza literária. Adorei essa dupla/casal por seus exageros, mentiras, manias e passionalidade.  


Dá para dizer que o ritmo narrativo de “Amor Segundo Buenos Aires” é muito bom. Em nenhum momento da leitura, achei que a trama ficou parada ou perdeu a força. Por mais que assistamos a uma série de histórias paralelas, elas têm um eixo central, o que confere emoção ao texto e desperta a curiosidade no leitor. Por falar nisso, o acréscimo dos cinco capítulos no final da nova edição foram fundamentais para melhorar o desfecho do romance. Admito que a sensação para quem leu a primeira edição do livro era que faltava alguma coisa. Agora não temos mais essa angústia. Tudo está em seu devido lugar e há uma conclusão lógica, em um mix de desenlaces pessoais satisfatórios e desenlaces pessoais insatisfatórios. É a vida, senhoras e senhores. Não dá para vencer todas as batalhas.


É inegável que “Amor Segundo Buenos Aires” é um livro delicioso, principalmente para quem conhece a capital argentina e deseja passear ficcionalmente por suas ruas e bairros. Entretanto, o romance de Fernando Scheller tem também seus probleminhas, que precisamos apontar sem melingres. Afinal, em uma análise literária imparcial e séria, algo que não abrimos mão no Bonas Histórias, jogamos luz a todas as facetas dos títulos avaliados. Como os nossos leitores mais assíduos já estão acostumados, essa é a essência da coluna Livros – Crítica Literária.


Primeiro livro ficcional de Fernando Scheller, Amor Segundo Buenos Aires apresenta uma série de encontros e desencontros sentimentais ambientados na capital da Argentina

Um dos maiores vacilos de Scheller, na minha humilde opinião, é a falta de diferenciação das vozes dos narradores. O que quero dizer com isso? Apesar de termos distintas personagens relatando os acontecimentos em “Amor Segundo Buenos Aires”, a sensação é que o estilo de fala/escrita é o mesmo ao longo de toda a obra. Convenhamos que essa homogeneidade é extremamente inverossímil. Cada pessoa tem um jeito próprio de se expressar. Por mais interessante e dinâmico que tenha sido a construção das multinarrativas (realmente esse é um recurso muito legal e caiu como uma luva nessa publicação!), achei que faltou um maior cuidado na execução da proposta. No fim das contas, a maneira como Hugo, Carolina, Eduardo, Pedro, Martín, Daniel, Leonor e Charlotte contam seus dramas para os leitores é incomodamente igual. Um escritor com um pouco mais de vivência no ofício e com maior repertório literário não deixaria esse deslize acontecer.


Nesse sentido, acho totalmente descabido as personagens argentinas falarem português. Aí alguém pode reclamar comigo: “mas o livro é para brasileiros, Ricardo. Não dava para o texto vir em espanhol”. OK, concordo (em partes!!!) com essa argumentação. Entretanto, poderíamos ter algumas expressões típicas do castellano rioplatense no meio da narrativa em português, algo que não aparece em nenhum momento do romance. É verdade que quando os brasileiros falam, lá no início do livro, temos algumas expressões em espanhol. Contudo, isso não ocorre nas falas e na narração dos argentinos. E é justamente aí que achei que faltou um tempero idiomático.  


Esse recurso de acrescentar palavras e termos estrangeiros no texto (algo que as telenovelas da Rede Globo fazem de maneira caricata há muito tempo) é, vale a pena destacar, muito utilizado em obras literárias que tentam emular o estilo da cultura e o idioma de outros povos. Por que não se tentou fazer algo parecido aqui? Não sei. Acho que seria legal também ver as construções frasais em português sendo apresentadas a partir da estrutura idiomática do espanhol, outro aspecto que foi totalmente ignorado no romance. Assim, teríamos a sensação de que o texto foi traduzido.


Pela perspectiva da imersão na cultura local, há alguns errinhos em “Amor Segundo Buenos Aires” que jamais seriam cometidos por um argentino legítimo ou por um brasileiro que vivesse realmente em CABA por um longo período. Por exemplo, ninguém em minha atual cidade diria “El Clarín” para designar o jornal. Não! Quem fala assim é o jornalista brasileiro que desconhece o nome do principal periódico da Argentina. Seu nome é simplesmente “Clarín” – sem o artigo definido, que existe em outros veículos de comunicação como “El País” ou “La Nación”, mas não no “Clarín”. Mais uma coisa: um portenho jamais diria “Rua Florida” e sim “Calle Florida”.


Outra sensação que tive é que a Buenos Aires retratada na publicação de Fernando Scheller é a cidade do turista e não a do verdadeiro morador. Em outras palavras, é a metrópole que o brasileiro que vem passear conhece e não a localidade que os portenhos precisam encarar cotidianamente. Como sei disso? Em primeiro lugar, porque faço parte justamente do segundo grupo. E, assim, entendi que o texto do romance não conseguiu apresentar o panorama caótico e versátil da capital da Argentina. Ela não é só um lugar agradável, com ar bucólico e com pegada romântica que meus conterrâneos enxergam à primeira vista. Falar de CABA é falar da inflação galopante, do aumento assustador da miséria, do trânsito imprevisível, do pipocar de panelaços e protestos pelas ruas, do cheiro de churrasco aos finais de semana, da calma do passeio de fim de tarde no parque, da cidade fervilhante em plena madrugada, da mescla de mal humor e do humor ácido dos portenhos, do olhar apaixonado para a Europa, da mania de grandeza, das consultas semanais aos psicólogos, da riqueza dos lunfardos etc. Onde está isso na narrativa? Não encontrei em nenhuma parte.


Autor do drama sentimental Amor Segundo Buenos Aires, Fernando Scheller é jornalista e escritor brasileiro nascido no Paraná em 1977

Prova maior da incompatibilidade entre a visão platônica e a visão concreta está no capítulo em que assistimos à cidade falar com os leitores. Por mais inovador e impactante que seja esse pedaço do livro – e ele é sim disruptivo ao ponto de ter me feito lembrar de “Cidades Invisíveis” (Companhia das Letras), o clássico de Italo Calvino e uma das melhores obras literárias que li –, a voz que vem das páginas não é a da verdadeira Buenos Aires. Nunca CABA usaria algumas expressões ali colocadas, como “guris” e “trupe” por exemplo. O que ela falaria, então? Acho que “chicos”, e “equipo”, respectivamente. Para ser sincero, duvido até mesmo que a capital argentina falasse português ou soubesse em detalhes a letra de alguma música brasileira, como escancarado nas páginas do romance.


E o que dizer, então, do seu ar calmo e contemplativo. Acho que não!!! Para completar, no meio do capítulo em que ouvimos a voz da cidade, temos algumas frases em primeira pessoa e outras em terceira pessoa. Ora Buenos Aires é quem fala e ora falam dela. Admito que não entendi o motivo dessa variação. Se isso não for uma derrapada gigantesca do autor, não sei mais o que seria um erro grosseiro na construção da literatura ficcional.


Por falar nisso, achei algumas partes da obra de Scheller um tanto estranhas. Não sei se poderia dizer que são passagens equivocadas, porque talvez não haja erros do ponto de vista da Teoria Literária, mas são sim muito esquisitas na minha visão. Por exemplo, no início de “Amor Segundo Buenos Aires”, Carolina diz não ser mais tão próxima de Leonor como no passado. Por outro lado, a aeromoça sabe dos detalhes da vida sexual do casal de protagonistas. Como ela tem ciência disso se Hugo não contou e Leonor não demonstra mais a intimidade para comentar essas particularidades de sua vida? Não sei. E o que dizer da cena em que Carolina faz o aborto, hein? Esse é um dos momentos mais pesados do romance. Porém, logo depois que visualizamos o drama da moça, ela aparece toda pimpona e feliz por ter mantido a gravidez. O quê?! Ou eu entendi tudo errado ou existe um sério deslocamento factual (ou hiato narrativo) neste livro, senhoras e senhores.


Apesar de eu ficar apontando equívocos aqui e ali em “Amor Segundo Buenos Aires”, o resultado de minha experiência literária foi bastante positivo. Os elementos favoráveis que o romance de Fernando Scheller possui dão de goleada nos seus elementos negativos. Ou seja, esse livro tem a capacidade de agradar aos leitores que desejam acompanhar uma boa história em um cenário encantador. Acho que a última obra ficcional da literatura brasileira que li que se passava na capital da Argentina foi “Golpe de Ar” (Editora 34), a novela autobiográfica de Fabrício Corsaletti. Corsalletti até pode ser um autor muito mais renomado e talentoso do que Scheller (o último Prêmio Jabuti é prova cabal disso!), mas uma coisa eu digo sem medo de errar ou cair no exagero: “Amor Segundo Buenos Aires” é muito, mas muito mais livro do que “Golpe de Ar”.


Feitas essas considerações, me despeço momentaneamente dos leitores da coluna Livros – Crítica Literária por um ótimo motivo. Vou aproveitar a friaca do outono em CABA (temperatura nesse momento está em 9ºC) para tomar um vinho (Santa Julia Malbec) e comer um belo asado (no caso, um vacio trazido da Parrilla Jorge) aqui em casa enquanto escuto Kevin Johansen. Na varanda do meu apê, consigo ver o Parque Saavedra engolido pela inusitada neblina ao melhor estilo fog londrino. Onde estaria o céu azulzinho que é tão típico de Buenos Aires, hein? Ele deve ter dado uma escapadinha, provavelmente amorosa, por aí e logo mais volta leve e sorridente. Por que essa cidade exala tanta passionalidade?! Juro que queria saber. Depois de tantas palavras jogadas ao vento, continuo sem uma explicação plausível para os encantos sentimentais do lugar onde escolhi viver. “Buenos Aires? Que romântico, Ricardo!”.


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