Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, o Bonas Histórias analisa, no post de hoje da coluna Livros – Crítica Literária, a obra-prima de Júlia Lopes de Almeida, uma das principais autoras brasileiras de todos os tempos. “A Falência” (Penguin & Companhia das Letras) é o romance mais conhecido da escritora e jornalista carioca que se tornou sucesso de público e de crítica entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Merecidamente, Júlia Lopes de Almeida é apontada como um dos grandes nomes da literatura realista nacional. Além disso, ela se destacou na produção de crônicas (manteve por mais de vinte anos uma coluna de destaque em um dos jornais de maior influência do Rio de Janeiro), foi pioneira no desenvolvimento de títulos para o público infantojuvenil (inclusive com publicações paradidáticas) e se aventurou pela dramaturgia (foram oito as peças criadas).
Se você nunca ouviu falar de Júlia Lopes de Almeida e de “A Falência”, por favor, não estranhe nem se penitencie pelo seu desconhecimento. Mesmo tendo adquirido, há mais ou menos um século, o status de uma das vozes mais importantes da literatura brasileira, a escritora foi inexplicavelmente esquecida pelo mercado editorial após sua morte em 1934. Os livros de Júlia ficaram, acredite se quiser, sem novas republicações por mais de seis décadas. Somente nos últimos anos, as editoras, os críticos literários, os estudiosos da teoria literária e os profissionais envolvidos com a historiografia literária passaram a redescobrir e a revalorizar o trabalho desta autora. Como consequência, os leitores brasileiros ganharam recentemente edições renovadas de várias obras de Júlia Lopes de Almeida. Nesse sentido, foi admirável a iniciativa da Companhia das Letras (pelo selo Penguin) de relançar, em março de 2019, “A Falência”. A partir daí, outras editoras seguiram o exemplo da líder de mercado e desenvolveram novos projetos com os antigos sucessos da autora.
Nascida em 1862, Júlia Lopes de Almeida morou em várias cidades do Brasil (Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro) e da Europa (Lisboa e Paris). Filha de ricos imigrantes portugueses, ela estreou na literatura em 1886. Então com 24 anos e ainda estampando o sobrenome de solteira (o Almeida seria incorporado após o casamento com o português Filinto de Almeida), Júlia Lopes lançou, ao lado da irmã Adelina Lopes Vieira, “Contos Infantis” (Livraria Francisco Alves), uma coletânea de narrativas curtas voltada para o público infantil. A publicação de um título especialmente para a criançada configurou-se uma grande novidade para a época. Monteiro Lobato, tido por muitos como pioneiro nesse segmento, só lançaria seus textos algumas décadas mais tarde.
Em 1887, Júlia Lopes de Almeida publicou sua primeira ficção adulta: “Traços e Iluminuras” (Livraria Francisco Alves), outra coleção de contos. Em 1889, a escritora carioca viu seu primeiro romance ser publicado. “Memórias de Marta” (Casa Durski Editora) saiu em folhetim pelo jornal Tribuna Liberal entre dezembro de 1888 e janeiro de 1889 e em livro no final de 1889. Em 1891, “A Família Medeiros” (Livraria Francisco Alves), o segundo romance da escritora, foi publicado primeiro em folhetim e depois em livro.
Esse foi o pontapé inicial de uma carreira longa na literatura (40 anos de produção ficcional) e no jornalismo (além de ter seus folhetins publicados pelos periódicos, Júlia Lopes de Almeida se tornou uma das principais colunistas brasileiras e trabalhou em uma série de veículos de comunicação: nos jornais O País, Gazeta de Notícias, A Estação, O Estado de São Paulo, Ilustração Brasileira, Jornal do Commercio e Kosmos e na revista feminista A Mensageira). Vale lembrar que isso ocorreu em um período da história que era raro ver as mulheres no mercado de trabalho (ainda mais na mídia impressa). Tão importante quanto sua presença na literatura e no jornalismo no final do século XIX e no início do século XX foi a pauta dos textos de Júlia. Ela defendeu abertamente os ideais feministas, anticolonialistas, pacifistas, antiescravistas, burgueses, antirracistas e republicanos. Em outras palavras, a escritora estava muito à frente do seu tempo (sua pauta é atualíssima e não envelheceu quase nada).
Com críticas fortes à desigualdade social no Brasil, ao comportamento conservador da elite nacional e ao machismo de seus conterrâneos, Júlia Lopes de Almeida está no grupo dos grandes autores realistas brasileiros, que conta com figuras como Machado de Assis, Raul Pompéia, Aluísio de Azevedo, Xavier Marques, Arthur de Azevedo e João Lúcio Brandão. Portanto, não é errado enxergá-la também como uma das principais intelectuais do país durante a transição da Monarquia para a República Velha.
Aliando forte formação educacional com cultura sofisticada, vivência internacional, valores liberais, engajamento social e independência financeira (proveniente de seu salário como colunista e ficcionista), Júlia Lopes de Almeida destoava totalmente do padrão feminino da época. Até então, as mulheres eram obrigadas a ficar em casa cuidando exclusivamente das tarefas domésticas, da criação dos filhos e dos assuntos familiares. Júlia, por outro lado, tinha uma carreira exitosa e estava antenada com o que acontecia no país e no mundo. Sua casa no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, era frequentada pela nata dos artistas, dos intelectuais e dos jornalistas da Capital Federal do início do século XX.
Em uma comparação ousada (quase escrevi polêmica), podemos enxergar Júlia Lopes de Almeida como sendo a versão brasileira de Virginia Woolf. As semelhanças entre as duas escritoras são extensas: ambas as artistas foram intelectuais brilhantes, defenderam o feminismo, revolucionaram a literatura do seu tempo, atuaram como colunistas de destaque na imprensa, obtiveram independência financeira pelo seu próprio trabalho e serviram de inspiração para as demais mulheres. Até a casa de Júlia em Santa Tereza, apelidada de Salão Verde pelos amigos, pode ser vista como a sede tupiniquim do nosso Grupo de Bloomsbury. Vale a pena esclarecer que a romancista inglesa era vinte anos mais jovem do que a escritora carioca - quando a Sra. Woolf começou a despontar na Europa, a Sra. Almeida já fazia grande sucesso por aqui. Por isso, se você quiser ver Virginia Woolf como sendo a versão britânica de Júlia Lopes de Almeida, também pode.
Ainda está duvidando da excelência do trabalho literário de Júlia, hein?! Então aí vai a prova definitiva de seu talento com as palavras escritas: a romancista carioca foi cogitada para integrar o grupo de fundadores da Academia Brasileira de Letras. No final de 1896, Júlia Lopes de Almeida apareceu na lista dos escritores que ganhariam uma cadeira na instituição que seria criada no ano seguinte. Contudo, na última hora, seu nome foi preterido por um detalhe assustador: ela era mulher! No momento da fundação da Academia Brasileira de Letras, optou-se por aceitar apenas homens em seu quadro de participantes. Para estarrecimento geral, essa regra machista permaneceu intacta por mais oito décadas. A primeira mulher a ser aceita ali foi Rachel de Queiroz, em 1977.
Envergonhado por não poder contar com Júlia Lopes de Almeida (afinal, já tinham até mesmo comunicado a autora de sua convocação para Academia Brasileira de Letras), o grupo original de imortais acabou (olha só a ideia!) convidando para seu lugar Filinto de Almeida. Lembram de Filinto de Almeida? Ele era o poeta português que (pasmem!) havia se casado com Júlia. No arranjo dos intelectuais do século XIX (que faria os políticos atuais de Brasília corarem de vergonha), a cadeira da instituição mais renomada da literatura brasileira ficaria, desta forma, com o casal Almeida. E todos sabiam que aquele assento era por mérito da esposa e não do marido (apesar de Júlia não poder ocupá-lo efetivamente). Vale lembrar que até hoje a Academia Brasileira de Letras não emitiu um pedido público de desculpas pela exclusão de Júlia Lopes de Almeida de seu quadro de fundadores.
Publicado em 1901, “A Falência” é considerado pela crítica literária nacional o trabalho mais brilhante de Júlia. Não é errado apontá-lo também como uma das grandes obras ficcionais da virada do século XIX para o século XX. Assim, “A Falência” equipara-se a “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (Martin Claret), "Quincas Borba" (Penguin & Companhia das Letras), “Dom Casmurro” (Ática), “O Ateneu” (Penguin & Companhia das Letras), “O Cortiço” (Melhoramentos) e “O Mulato” (Martin Claret) como os grandes clássicos do Realismo Brasileiro.
Este romance de Júlia Lopes de Almeida integra a fase mais madura da produção literária da autora, que foi de 1895 a 1905. Além de “A Falência”, a lista com seus principais títulos abrange “A Viúva Simões” (Livraria Francisco Alves), romance publicado em folhetim em 1895 e em livro em 1897, “O Livro das Noivas” (Livraria Francisco Alves), ensaio não ficcional de 1896, e “A Intrusa” (Livraria Francisco Alves), romance publicado ao longo de 1905 no Jornal do Commercio e naquele mesmo ano em livro.
Felizmente, as três obras ficcionais da fase dourada da carreira de Júlia Lopes de Almeida ganharam novas edições nos últimos anos. O selo Principis da Editora Ciranda Cultural, por exemplo, lançou “A Viúva Simões”, “A Intrusa” e “A Falência”. Só “O Livro das Noivas”, um título evidentemente datado (onde já se viu, em pleno século XXI, ensinar as mulheres a se comportar antes e durante o matrimônio, hein?!), não ganhou uma reedição (ufa!).
Curiosamente, “A Falência” foi um dos primeiros romances escritos por Júlia Lopes de Almeida. Sua primeira versão é do início da década de 1880, quando a escritora era ainda solteira e dava os primeiros passos na produção ficcional. Insatisfeita com a qualidade do texto inicial desta obra, Júlia não deu prosseguimento à trama. Apesar de ter incluído alguns capítulos na coletânea de contos “Traços e Iluminuras”, o restante do material foi simplesmente rasgado e jogado fora. Apenas no final da década seguinte, já casada e com cinco filhos, a autora teve a inspiração para o enredo definitivo de “A Falência”.
Assim, reescreveu a história da família Teodoro agora para valer.
Com estilo simples, texto elegante, personagens controversas, trama dramática, humor sutil e conteúdo engajado, “A Falência” é um ótimo exemplar da literatura praticada pela romancista carioca. Não à toa, o lançamento do livro no início do século XX se tornou um grande sucesso tanto de público quanto de crítica. Hoje, “A Falência” é visto como um clássico da ficção brasileira. Depois de um tempo esquecida, esta obra voltou a ser encontrada nas prateleiras das livrarias nacionais e vem sendo listada como leitura obrigatória em algumas provas de vestibular. Por exemplo, o processo seletivo da Unicamp, uma das universidades mais renomadas do país, exige de seus vestibulandos o conhecimento do romance de Júlia Lopes de Almeida desde 2019.
O enredo de “A Falência” se passa em 1891, no Rio de Janeiro. Narrado em terceira pessoa, o livro retrata os dramas dos Teodoro, uma riquíssima família burguesa. Francisco Teodoro é casado há cerca de duas décadas com Camila. O casal tem quatro filhos: Mário, o primogênito de 19 anos, Ruth, uma adolescente prestes a completar 15 anos, Rachel e Lia, as pequenas gêmeas de 6 anos. O clã vive em um palacete no bairro do Botafogo. Moram com eles a sobrinha Nina (filha de um irmão de Camila) e a empregada mulata Noca (que é a responsável pela manutenção das atividades domésticas).
Francisco Teodoro é um imigrante português que chegou ao Brasil ainda criança. Extremamente pobre, ele passou a infância, a juventude e o início da fase adulta trabalhando como um burro de carga. Se por um lado abdicou da vida pessoal e dos prazeres da mocidade, por outro conseguiu enriquecer. Francisco tornou-se um dos mais bem-sucedidos comerciantes de café do país. Ele é dono da Casa Teodoro, um dos maiores armazéns de exportação de café do Rio de Janeiro. Pelos seus galpões, passa boa parte da safra cafeeira plantada em São Paulo e em Minas Gerais e enviada para os Estados Unidos e para a Europa.
Obcecado por ser o maior comerciante de café do Brasil, Francisco fica incomodado com a meteórica ascensão de Gama Torres. O jovem rival conseguiu prosperar ao entrar de cabeça na especulação do preço da principal commodity brasileira da época. Como os valores do café não paravam de subir no mercado internacional, Gama Torres conseguiu ganhar uma fortuna apenas especulando na Bolsa de
Valores, algo que Francisco Teodoro nunca fez.
Contudo, ao perceber que estava ficando para trás, o proprietário da Casa Teodoro resolve arriscar pela primeira vez. Os novos tempos eram dos homens de negócios arrojados e não dos conservadores, diziam os amigos diariamente. Assim, ele aproveita uma proposta ousada de Inocêncio Braga, um respeitado empresário carioca, para enfim especular com o preço do café. Se a cotação do produto continuasse subindo na Bolsa de Valores, Francisco iria potencializar sua fortuna.
Enquanto se preocupa com os negócios, Francisco Teodoro não repara no que está acontecendo em sua residência. Camila o trai explicitamente com Dr. Gervásio, o médico da família. Todos parecem notar a infidelidade da esposa cada vez mais nítida até mesmo para os de fora da casa, menos o marido. Aproveitando-se da pouca instrução e cultura de Francisco, Dr. Gervásio age como o amigo sofisticado e intelectualizado que traz lufadas de sabedoria e arte para os Teodoro. Ao mesmo tempo em que traz certo requinte àquele lar, o médico vai para a cama com Camila sem qualquer arrependimento.
Além da infidelidade da esposa, outro problema que Francisco Teodoro insiste em não ver é a mentalidade fútil de seus filhos mais velhos. Eles vivem no mundo da lua. Mário, um rapagão que chegou à idade adulta sem nunca ter trabalhado, passa os dias torrando o dinheiro do pai com mulheres de má fama. Sua amante atual é Luiza, uma francesa com histórico de explorar economicamente os parceiros sexuais. Aos olhos da família e dos amigos, o primogênito de Francisco não tem juízo. Ruth, por sua vez, vive exclusivamente para a música. A moça adora tocar violino e piano por horas e horas. Indiferente com o que se passa ao seu redor (não consegue sequer notar a relação extraconjugal da mãe com Dr. Gervásio), ela tem uma rotina inteiramente desconectada da realidade.
Enquanto acompanhamos os passos perigosos de Francisco nos negócios, assistimos simultaneamente à implosão da dinâmica familiar no palacete de Botafogo. Obrigado a abandonar o amor de Luiza por um pedido de Camila, Mário volta-se contra o adultério da mãe. O relacionamento de Camila e Dr. Gervásio sofre outro abalo considerável com o aparecimento do Capitão João Rino. O jovem marinheiro se mostra apaixonado pela Sra. Teodoro, o que a faz ficar em dúvidas sobre como agir. À medida que a fortuna da família corre riscos (algo que só Francisco tem ciência), as bases familiares também estão na iminência de desabar (algo que só Francisco parece não notar). Pelo título do romance, é possível imaginar o que irá acontecer com o clã de protagonistas.
“A Falência” é um romance de 304 páginas. Seu conteúdo está distribuído em 25 capítulos. Na edição da Companhia das Letras que tenho em mãos, há ainda um prefácio de Luiz Ruffato. Nesse texto introdutório, o escritor brasileiro explica a trajetória e a importância de Júlia Lopes de Almeida e de “A Falência” para a literatura brasileira. Além disso, Ruffato comenta criticamente o conteúdo do livro – ele destaca os pontos principais desta obra ficcional. Devo ter levado entre sete e oito horas para percorrer todas as páginas de “A Falência”. Precisei de apenas um dia para concluir essa leitura. Comecei a ler o romance no domingo de manhãzinha e à noite já tinha chegado ao seu final. Quem não curte longas sessões de leitura como eu, imagino que deva levar de dois a três dias para finalizar esta publicação.
O ponto alto de “A Falência” está em sua crônica de costumes. Ao mesmo tempo em que apresenta ótimas cenas do dia a dia carioca no início do século passado (trabalhadores braçais movimentam as sacas de café, o início da ocupação dos morros da então Capital Federal pela camada mais pobre, a efervescência da Bolsa de Valores, a vida abastada da elite econômica do país, a tentativa da população negra de se inserir naquela sociedade agora como mão de obra livre e o conservadorismo de uma grande parcela dos brasileiros), o livro de Júlia Lopes de Almeida não se esquece de apontar os problemas sociais da época (violência doméstica, machismo, feminicídio, falso moralismo religioso, traição conjugal, grande desigualdade social, disputas políticas da época – republicanos versus monarquistas, catolicismo tóxico, corrupção, avareza, ambição desenfreada).
Dos vários temas que saltam aos olhos dos leitores, aquele mais explícito é a defesa do feminismo (ou o combate ao machismo e ao patriarcalismo da sociedade brasileira na República Velha). O trecho do romance em que essa questão fica mais evidente é no diálogo de Catarina, a irmã do Capitão Rino, com Dr. Gervásio e Francisco Teodoro. A conversa do trio se dá quando estão a bordo do navio Netuno. No capítulo final, temos outra cena emblemática dos ideais feministas, mas dessa vez mais sutil. Note a diferença de postura das mulheres da família Teodoro no início do livro (quando estão no meio dos homens) e no final da narrativa (quando, enfim, estão sozinhas). A impressão é que elas tomaram as rédeas de suas vidas e encararam o desafio de ser as protagonistas de seus destinos. Em outras palavras, empoderaram-se.
Para entender os nuances do enredo de “A Falência” é preciso compreender antes o panorama histórico do Brasil na virada do século XIX para o século XX. Direta e indiretamente, a trama de Júlia Lopes de Almeida exige referências político-sociais dos leitores. Quanto mais eles souberem das dinâmicas históricas da época em que o livro está ambientado (Proclamação da República, auge da economia cafeeira, febre da bolsa de valores, libertação recente dos escravos negros, religiosidade e conservadorismo acentuado de boa parte da população, propensão dos imigrantes portugueses em defender os ideais monarquistas, começo do patriotismo brasileiro etc.), mais interessante ficará a leitura.
Outro ponto que adorei em “A Falência” foi a construção das personagens. Júlia Lopes de Almeida opta quase sempre por figuras redondas. Além disso, a maioria dos protagonistas possui mais defeitos do que qualidades. O romance é um desfile de tipos controversos, polêmicos e contraditórios. Para quem gosta de narrativas ricas e plurais, trata-se de um prato cheio.
Gostei também do tipo de humor deste romance. Ele é sutil e inteligente. Evidentemente, “A Falência” não é uma história em que vamos soltar muitas e altas gargalhadas. Mesmo assim, é possível notar graça em sua trama. A pegada aqui está mais para a tragicomédia do que para a comédia pastelona. Aprecio esse tom de humor fino.
Para terminar os elogios a esta obra, não poderia deixar de comentar o seu desfecho. Ele é simplesmente espetacular. E surpreendente. Confesso que achei que acertaria o desenlace da trama de Júlia. E tudo parecia indicar que eu estava certo. Aí no último parágrafo da última página (aos 45 minutos do segundo tempo), uma frase com apenas duas palavras muda tudo. Incrível! Nunca um “Para quê?” disse tanto.
O único aspecto negativo de “A Falência” é o seu narrador. Admito que não gostei dele. Ele não fica colado a ninguém especificamente. O narrador pula de uma personagem para outra no meio dos capítulos sem qualquer lógica. No começo da leitura, até achei que haveria um certo padrão: cada capítulo iria acompanhar uma protagonista. No primeiro e no segundo capítulos, por exemplo, o narrador ficou colado a Francisco Teodoro. No terceiro, ele ficou junto a Camila e Noca. Na quarta seção, o alvo foi Dr. Gervásio. Porém, essa lógica não foi seguida até o final. Há partes em que o narrador acompanha várias personagens ao mesmo tempo (no mesmo capítulo!). Para piorar, em determinadas cenas, ele fica junto a personagens coadjuvantes. É verdade que quando Júlia Lopes de Almeida escreveu este romance, os estudos do Foco Narrativo não apontavam para esse tipo de tropeção narrativo (a Teoria Literária evoluiu muito nas últimas sete décadas). Mesmo assim, é estranho acompanhar um narrador tão solto (e caótico). Não gostei dele!
Se aceito os equívocos do Foco Narrativo de “A Falência”, não admito o erro crasso cometido por Luiz Ruffato no prefácio desta obra. Onde já se viu contar para o leitor, antes que ele lesse o romance, o que irá acontecer na trama?!!! Sim, foi isso o que o escritor brasileiro fez. Ele simplesmente detalha o que acontecerá com os protagonistas quase até o final do livro. Meu Deus, isso não se faz, Arnesto. Se você quer apresentar o enredo para o leitor, fale o que irá acontecer pelo menos até a metade do livro (eu costumo usar esse expediente nos posts do Bonas Histórias). Se você for contar o desfecho da narrativa ou o que aconteceu no clímax, então coloque esse texto no posfácio. Nunca no prefácio. Admito que minha experiência de leitura foi sensivelmente comprometida por já saber o que aconteceria em 95% do livro.
Sabendo disso, minha sugestão é: só leia o prefácio de Ruffato após concluída a leitura de “A Falência” (como posfácio, ele é ótimo). E por falar em sugestão, não deixe de conhecer essa obra-prima da literatura brasileira. O romance mais famoso de Júlia Lopes de Almeida é realmente espetacular. Vale a pena lê-lo. Em 2021, “A Falência” completa 120 anos de publicação. Outra marca incrível desse título atemporal.
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