top of page

Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

bonashistorias.com.br

Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Gastronomia: Pizzarias de Buenos Aires - Diferenças e encantos das pizzas portenhas

A forte influência italiana fez com que a pizza se tornasse item indispensável na mesa dos argentinos. Porém, para se aproveitar as delícias das pizzarias de Buenos Aires, os brasileiros precisam entender as particularidades da culinária local.

A coluna Gastronomia apresenta um guia dos tipos de pizza de Buenos Aires e das melhores pizzarias da capital argentina

Vamos combinar que, quando falamos da gastronomia de Buenos Aires ou mesmo da culinária argentina, são poucos os brasileiros que associam os prazeres à mesa aos encantos da boa e velha pizza. Vejo isso acontecer com frequência com amigos e familiares que vem me visitar na Capital Federal dos hermanos – na verdade, eles vêm a turismo, mas gosto de pensar que o motivo principal da viagem é simplesmente me rever. Eles chegam querendo provar as carnes (abraço, Pablito, e obrigado pelo relato divertidíssimo de “Buenos Aires: Experiências etílico-gastronômicas”), os vinhos (Hey, Markus!), os helados (beijo, Carlinha), as medialunas (cheiro, hermanita), os alfajores (saudações, Eduardo), as empanadas (Mari, você não é turista, mas entrou na roda por ser a única fã deste prato no meu círculo de amizade) ou tudo isso junto e de uma vez (beijo Daniella; lê-se Daniecha). Aí quando os convido para comer uma legítima redonda portenha, noto a surpresa em suas fisionomias. Eles torcem os narizes como se me dissessem: “pizza eu como em São Paulo, Ricardo, que é bem melhor”.


Confesso que por um bom tempo pensei exatamente assim. Nessa época, tive sérias dificuldades para colocar as pizzarias de CABA – Ciudad Autónoma de Buenos Aires – na minha rotina gastronômica. Afinal, sou paulistano da gema e de família italiana, ô meu. Passar um final de semana sem degustar as redondas é sacrilégio tão grave quanto cortar o macarrão com os talheres ou jogar ketchup em qualquer prato italiano (abraço, Sr. Onofre!). Não importa onde viva, interior do Rio Grande do Sul, sul de Minas Gerais, interior de São Paulo, Curitiba, Sampa ou BsAs, finde que é finde tem pizza e pronto! Contudo, demorei para encontrar lugares que me satisfizessem plenamente em minha nova cidade. Só agora, com quase um ano morando em Buenos Aires, acredito que consegui entender as particularidades da pizza local e montar a minha lista de estabelecimentos favoritos. Ufa! Sofri um pouco, entrei em algumas roubadas aqui e ali, mas no fim deu certo.


A ideia deste post da coluna Gastronomia nasceu justamente da vontade de compartilhar com os leitores do Bonas Histórias minhas vivências pelas pizzarias da capital da Argentina. Além de apresentar meus lugares favoritos, quero explicar as diferenças da cultura pizzaiola daqui em comparação à realidade culinária de São Paulo (minha cidade natal). Também vou detalhar os tipos de redondas que os argentinos da Capital Federal comem. Sei que o assunto é amplo e que não se esgotará em apenas uma publicação. Por isso, certamente voltarei outras vezes ao blog e à coluna Gastronomia para comentar especificamente cada uma das pizzarias que gostaria que meus conterrâneos conhecessem. Para este post não ficar gigantesco, essa divisão se fez necessária. Assim, falemos hoje do geral e nas próximas oportunidades debateremos individualmente os estabelecimentos que mais me encantaram.

Por causa da forte influência italiana, a cidade de Buenos Aires é um dos locais que mais se produz e consome pizza no mundo

Quando o brasileiro, seja turista ou morador de Buenos Aires, entende o contexto no qual está inserido, fica mais fácil (ou menos difícil) para se adaptar e para curtir esse item indispensável da mesa dos glutões ítalo-sul-americanos. Porque argentino (e qualquer visitante da terra de Evita, Borges, Maradona, China Soares e Dom Francisco) que não goste de pizza bom sujeito não é, conforme dirá a letra de Tango que um dia vou compor. 


Para começo de conversa, tire da cabeça a ideia de que Buenos Aires não combina com pizza. PELO AMOR DE DEUS! ISSO É UM ABSURDO SEM TAMANHO! Além de injusto, é um enorme equívoco cultural que meus conterrâneos cometem – ao lado de pensar que Neymar chega aos pés de Messi e que os argentinos não gostam dos brasileiros. À título de curiosidade, há mais pizzarias em CABA do que parrillas (segundo o que li em algum lugar e, portanto, foi registrado como verdade verdadeira pelo DataRicardinho). Se o povo daqui é apaixonado por carne, saiba que ele morre de amores pelas redondas.


Outra informação bombástica que muitos brazucas não fazem ideia: Buenos Aires é a cidade com maior número de pizzarias por habitante no mundo. Convenhamos que é bem a cara dos portenhos repetir isso com muito orgulho, por mais rudimentares que sejam os embasamentos estatísticos e a confiabilidade das fontes. Até hoje eles acreditam que la Avenida Nueve de Julio es la avenida más ancha del mundo, que Maradona jogou mais do que Pelé e que as Ilhas Falkland são deles (e se chamam Ilhas Malvinas). E ai de você se os questionar!


Independentemente das polêmicas internacionais, aí vai outra proeza da capital hermana (que o DataRicadinho também não coloca a mão no fogo por nada): ela possui o maior consumo per capita de pizza do planeta. São mais de 40 mil consumidas diariamente. Em termos absolutos, só perde para Nova York e São Paulo, metrópoles três e quatro vezes mais populosas, respectivamente. Apesar de não ter encontrado fontes jornalísticas sérias que comprovem essa informação, andando pela cidade no dia a dia posso garantir que há um forte cheiro de veracidade desse dado saindo dos fornos. Por quê? Porque a impressão é que os portenhos comem mesmo muito mais pizza do que os paulistanos. Ainda está duvidando de mim?! Então vamos aos fatos, senhoras e senhores.

As pizzas e as pizzarias de Buenos Aires são diferentes das encontradas no Brasil, em especial na cidade de São Paulo

Em primeiro lugar, qualquer horário é horário de pizza em CABA. Eu disse QUALQUER HORÁRIO! Nesse aspecto, a influência da cultura italiana se faz mais presente por aqui do que na mais italiana das capitais brasileiras. As pizzarias portenhas costumam abrir às sete horas da manhã (nem as padarias abrem tão cedo em BsAs) e fecham às 2 horas da madrugada. Ou seja, operam quase 24 horas por dia de segunda a segunda (aqui não tem a ladainha de “fecha às segundas-feiras”!). Em São Paulo, o mais comum é abrirem às 18 horas e fecharem à meia-noite. Isso se dá porque o paulistano vê a pizza como um prato exclusivamente noturno, algo que certamente faz os moradores tradicionais da Bota se arrepiarem. Na capital paulista, é inimaginável degustar, por exemplo, as redondas na hora do almoço ou no meio da tarde em um dia de semana.


Em Mi Buenos Aires Querido, não existe definitivamente tal distinção. A multidão devora as célebres massas de manhã (não é tão frequente, mas também não é raro), no almoço (aí o bicho pega para valer!), à tarde (refeição chamada de merenda, uma espécie de lanche da tarde mais sério e reforçado que os argentinos adoram), à noite e até de madrugada (convenhamos que há algum tempo São Paulo não é uma metrópole 24 horas). Só por essa diferença (nada sutil), nota-se que o consumo per capita dos portenhos deve ser mesmo (muito) superior ao dos paulistanos.


Outras particularidades das pizzarias da capital argentina são: oferecem também empanadas, vendem pizza em pedaço, contam com uma ala para se comer de pé, têm sabores diferentes e bastante originais, dispõem de quitutes bem estranhos, possuem serviços de garçom um tanto peculiares e, segure-se na cadeira, por favor, podem ter café e medialunas no cardápio. Se um estabelecimento reunir a maioria desses componentes, ele é uma pizzaria portenha raiz.


Pizzaria é lugar que se vende pizza. E empanada. Pelo menos é assim na Argentina. O interessante é que normalmente as empanadas das pizzarias são ótimas. Se a pizza do lugar é boa, tenha a certeza de que os demais produtos feitos com massa também serão. Constatei que essa regra nunca falha. A dificuldade, pelo menos para mim, é chegar numa boa pizzaria e pedir empanadas. Admito que raramente isso se sucedeu, principalmente se já as havia provado naquele estabelecimento. Quase sempre fico restrito à parte do cardápio destinada às redondas, minha verdadeira paixão gastronômica (desculpe-me, Mari). Contudo, os argentinos (e as paranaenses maluquinhas) não fazem qualquer distinção entre os dois pratos. Misturam pizzas e empanadas na mesma refeição como os brasileiros misturam arroz com feijão.

No universo das delícias das pizzarias portenhas, a pizza argentina é diferente da pizza brasileira

O que adoro em Buenos Aires é a possibilidade de comer pizza em pedaço (al corte, no linguajar local), raridade nas pizzarias paulistanas e algo comum somente nas padarias da cidade de São Paulo. Essa opção é ótima para quem está sozinho (meu caso, na maioria das vezes), não deseja comer muito (definitivamente não me enquadro nessa descrição) e/ou tem a intenção de provar vários sabores (OK, acontece comigo com certa frequência). Na hora do almoço e na merenda, os portenhos recorrem mais aos pedaços (porciones), que ficam dispostos em estufas transparentes ao lado do salão das mesas ou na entrada do estabelecimento. É chegar, ver o que tem pronto, pedir, pagar, pegar e comer. Tudo muito rápido e prático.


Para o público que é fã de la pizza al corte – coloca o dedo aqui que já vai fechar! –, as pizzarias oferecem uma ala chamada de la barra (inexistente no Brasil). Na barra (uma espécie de Geral, se recordarmos dos antigos estádios de futebol) é possível comer de pé em um balcão coletivo. O cliente vai até o caixa, faz o pedido, paga, vai aonde estão as estufas com as pizzas, pega seu(s) pedaço(s) e se dirige ao balcão. No caminho, apanha os talheres (cubiertos) e os guardanapos (servilletas) que estão dispostos para o autosserviço. Na barra se come de pé com talheres ou guardanapo. De qualquer maneira, aviso que se faz uma sujeirada danada.  


A vantagem do balcão é a rapidez e a praticidade, algo fundamental para quem está na hora do almoço ou faz uma parada rápida para a merenda. Você não precisa ficar esperando o garçom (que são geralmente muito vagarosos, principalmente se você estiver mal-acostumado com a velocidade alucinante do serviço de mesa em São Paulo) nem disputar as mesas com os demais clientes (algo incômodo no rush). Na barra sempre cabe mais um e as pessoas automaticamente se apertam um pouco mais para acolher os recém-chegados (acho a comparação com a Geral dos estádios perfeita). Para os desinibidos de plantão (infelizmente, não estou nesse grupo), até rola un coqueteo ou, no caso específico do lunfardo, un chamuyo (paquera). Por falar em gírias portenhas, comer de parado é justamente ficar de pé no balcão degustando as pizzas em pedaço.


Só tome cuidado para não cometer gafes em suas visitas às pizzarias de Buenos Aires. Um erro comum que os brasileiros de primeira viagem cometem (sei disso porque vi algumas vezes ocorrer ao meu lado – inclusive no último final de semana presenciei novamente) é ir para la barra por ser mais rápido. Contudo, a pessoa se arrepende de ter que ficar de pé durante a refeição e leva o prato para a mesa. Saiba que isso não é possível. Quem escolhe ficar no balcão terá que permanecer por lá até o final da visita. O mesmo princípio vale para quem escolheu ficar no salão. Não dá para ir a la barra depois, por mais animado e bem frequentado que esteja o lugar. Portanto, não se sente às mesas depois de ter rejeitado essa alternativa, por mais cansado(a) que você esteja. Se fizer isso, os garçons irão convidá-lo(a) a sair do salão, o que pode acontecer com educação ou não.  

Por causa da forte influência italiana, a cidade de Buenos Aires é um dos locais que mais se produz e consome pizza no mundo

Em relação aos sabores, admito que os argentinos apresentam ótimas surpresas. Um dos principais itens do cardápio das pizzarias daqui é a famosa fugazzeta (não confundir com a fugazza, que é a variação da fugazzeta), uma invenção de um pizzaiolo genovês que veio para Buenos Aires no final do século retrasado. Ele tirou o molho de tomate da pizza e acrescentou muita cebola à muçarela. E fez isso misturando os dois ingredientes em camadas. O resultado é espetacular. Esse talvez seja o sabor mais tradicional das redondas portenhas. Eu adoro!


Porém, o meu pedido favorito é outra combinação que só vejo por aqui: a união de muçarela com morrones (pimentão). Combina pimentão na pizza com queijo, Ricardo?! Se você me fez esse questionamento inocente, querido(a) leitor(a) do Bonas Histórias, é porque não sabe o que é bom. Se é bom? É divino! Até quando acrescentam presunto (jamon) à receita (nunca gostei de presunto fora do sanduíche, nem na lasanha) a composição fica perfeita. Como os argentinos adoram muzzarella, jamon y morrones, temos que aceitar muitas vezes o trio completo só para termos a muçarela ao lado do pimentão.


A decepção talvez fique com a pizza calabresa – uma das mais pedidas em São Paulo e um tanto desprezada pelos portenhos. Se você está acostumado com as paulistanas que vem com muita linguiça, saiba que na Argentina não é assim. Parece que a generosidade deles fica restrita aos queijos. Os pizzaiolos locais colocam apenas algumas rodelas do embutido na muçarela, inclusive nas melhores casas. Por mais que haja outros elementos interessantes na composição (como tomates, ovos e pimentão), a menor intensidade da personagem principal compromete o enredo. Como não comi nenhuma pizza calabresa boa em CABA até hoje, desisti de pedi-la. Vou deixar para prová-la quando for à passeio por São Paulo– sabe-se lá quando.


Por falar em decepção, o que não me vai é a fainá. Toda pizzaria que se preze vende essa massa sem graça que os argentinos adoram. Se você não conhece a fainá, saiba que não está perdendo nada. Ela é uma massa feita de farinha de grão de bico, água, azeite, sal e pimenta. Juro que não tem sabor de nada. A vejo como um corniccione que saiu errado. É tão ruim que o povo daqui não a come sozinha (um atentado ao bom senso) e sim junto com a pizza – conforme me foi ensinado pela bela PoBel no ano passado. A minha dúvida é: se o gosto é ruim, porque eles não param de comê-la ao invés de grudá-la na fatia de pizza (geralmente de muçarela) e mandar tudo junto para dentro da boca, hein?! Até hoje não obtive uma resposta satisfatória para esse mistério gastronômico. Infelizmente, PoBel não conseguiu (ou não teve paciência para) esclarecer a maioria das minhas perguntas sobre a cultura argentina.

Com uma cultura culinária distinta, Buenos Aires apresenta pizzas e pizzarias diferentes daquelas que os brasileiros estão acostumados a encontrar em seu país

Já que entramos na parte das bizarrices, tenho que citar o serviço dos garçons de Buenos Aires, um capítulo à parte na vida de turistas e residentes estrangeiros. Ele é tão diferente do oferecido em São Paulo que chega a assustar os desavisados da minha terra natal. Sei disso porque um dos meus melhores amigos veio com a esposa no último Carnaval para aproveitar as delícias à mesa da Argentina (beijo, Dudu e Dri). Segundo me contaram, eles adoraram a cidade e os portenhos. Só não gostaram dos garçons, que na visão deles eram displicentes, demorados e pouco atenciosos. Será que meus amigos estavam certos?!


Para entendermos o funcionamento de um restaurante local (que também vale para as pizzarias), vamos partir do pressuposto que os paulistanos são muito apressados. Muito mesmo! São poucos os lugares do mundo que oferecem atendimentos à mesa tão ágeis quanto em São Paulo. Portanto, o problema de velocidade que sentimos em CABA é comum em outras partes do continente e do planeta, mesmo em metrópoles cosmopolitas.


A questão se torna um pouco mais grave em Buenos Aires porque os garçons têm a cultura de não serem rápidos de propósito. Por quê? Porque aqui é falta de educação agilizar o cliente. Portanto, faz parte da etiqueta argentina que a pessoa chegue, se sente, converse e observe o ambiente por 5 ou 10 minutos. Só aí serão ofertados o cardápio e colocadas as entradas na mesa. A mesma dinâmica vale para todas as demais operações da casa: tirar o pedido, trazer os pratos, oferecer sobremesa e levar a conta. Se você estiver em um restaurante na Argentina, note que ninguém se incomode com essa possível lentidão (só os paulistanos). Não por acaso, uma refeição (mesmo em dia de semana e no intervalo do trabalho) não costuma levar menos do que uma hora e meia. O normal é gastar pelo menos duas horas à mesa. Tudo é feito com calma, sem afobação. Reforço: é a cultura deles.      


Agora que você sabe disso, respire fundo ao entrar em um restaurante ou em uma pizzaria portenha. Não seja afobado, por favor! A equipe da casa não vai parar tudo o que estiver fazendo só porque você chegou e está com fome. Se tiver pressa, vá para la barra. E se estiver nas mesas, respeite o tempo do atendimento. O mundo não vai acabar se você ficar meia hora ou uma hora a mais fazendo a refeição, ainda mais se estiver em viagem à lazer.

Pizza e pizzaria não são tudo iguais. Prova disso é a capital da Argentina. Com uma gastronomia extremamente particular, Buenos Aires mostra-se original e dinâmica até quando o assunto é culinária italiana

Por fim, é preciso dizer que o cardápio de alguns estabelecimentos oferece café, medialunas e sanduiches. O quê? Calma, cara-pálida, não é tão esquisito quanto parece. Deixe que eu explico. Não falei que têm pizzarias que abrem de manhã? Pois o que você acha que as pessoas querem beber e comer preferencialmente ao acordar, hein? Pizza ou empanada? Não! Assim, o menu das casas que atendem ao público no café da manhã e na merenda precisa ser um pouco mais abrangente. Aí que entram o café e seus complementos. Porém, não são todas as pizzarias que possuem tal variedade.


Tudo o que falei até agora pode soar interessante para quem não conhece a realidade de Buenos Aires. Entretanto, esse contexto não explica o motivo principal para mim e meus conterrâneos demorarmos para nos apaixonar pelas pizzas portenhas. É curioso falar sobre isso porque o brasileiro mal coloca os pés na capital argentina e já fica encantado pelos vinhos, pelas carnes, pelas empanadas, pelas medialunas, pelos sorvetes e pelos alfajores. Até as charmosas cafeterias são paixão à primeira vista. A vontade que temos é de entrar em todas. Comigo não foi diferente. O problema é que a mesma celeridade não ocorre com as pizzarias. A razão fundamental é porque há várias opções de redondas, que são diferentes daquelas que são oferecidas normalmente em São Paulo. É quase um novo mundo para meus conterrâneos.


Em CABA, são encontrados normalmente quatro tipos de pizza. Não dá para nos aventurarmos pela culinária italiana da cidade sem saber as diferenças entre os modelos. São eles: media masa, al molde, la piedra e napolitana. Portanto, a primeira preocupação do brasileiro é observar o tipo de pizza que cada estabelecimento oferece.


A media masa é mais parecida com a pizza de São Paulo. Como o próprio nome diz, ela tem massa de espessura mediana. Como consequência, possui quantidade de recheio mediana também. Normalmente vai no forno à lenha, mas não é incomum encontrarmos fornos elétricos (por um bom tempo, a energia elétrica era muito barata na Argentina). Por aqui, ela é considerada como a pizza clássica. Não à toa, é o tipo mais utilizado pelas grandes redes de pizzarias portenhas, como Pizzería Kentucky (mais de 30 unidades espalhadas por Buenos Aires), Pizzería La Continental (quase duas dezenas de unidades pela Capital Federal) e Pizzería La Americana (4 unidades pela cidade). Confesso que as acho apenas razoáveis. A pizza media masa não proporciona experiências memoráveis, mas também não desagrada. Talvez essa seja a opção mais interessantes para os moradores locais do que para os turistas.

Guia explicativo de como são as pizzas na argentina e as características de funcionamento das pizzarias de Buenos Aires

Curiosamente, quando vou nessas casas (frequento a Kentucky da Crámer, La Continental de Núñez e La Americana da Callao), é mais para merendar do que para pizzar. As medialunas, os tostados, as empanadas, os salgados e, claro, os cafés dessas redes costumam ser bons e baratos. Já o preço das redondas media masa é meramente regular. Portanto, essas pizzarias são o famoso quebra-galho: apresentam custo-benefício justo na parte do menu das pizzas e ofertas imperdíveis na seção da cafeteria. Na falta de melhores opções, elas salvam à refeição dos moradores da metrópole argentina.


A pizza al molde é a que tem massa mais alta, com algumas chegando até 3 centímetros de espessura. É a redonda tradicional do norte da Itália, sendo onipresente por exemplo em Milão. Além de grossa, a massa é hidratada e leve. Ao invés do forno à lenha, nesse caso é mais comum o forno elétrico, que permite assar mais uniformemente a pizza. O aspecto da massa é aerado, lembrando bastante a textura dos pães (e a aparência do chocolate suflair). Exatamente por essa semelhança, é chamada por muita gente de pizza pan.


A primeira reação dos paulistanos é torcer o nariz para a versão al molde. Afinal, eles não estão acostumados com as massas mais grossas (chamadas pejorativamente em São Paulo de pizzas americanas). Contudo, para dar sabor à pizza tão encorpada, os pizzaiolos argentinos precisam caprichar no recheio. E aí está o pulo do gato. Nas melhores pizzarias da cidade, o recheio chega a ser insano. O resultado é espetacular. Não por acaso, as minhas três pizzarias favoritas de Buenos Aires trabalham com pizza al molde e ainda trazem ingredientes de excelente qualidade. Estou falando da Güerrín, Burgio e El Imperio de la Pizza de Chacarita (existem várias pizzarias chamadas Imperio pela cidade, mas eu só fui na unidade de Chacarita). Você come dois pedaços nessas casas e fica satisfeito por 24 horas (algo impensável quando a redonda é de media masa).


A melhor da minha lista é disparadamente a Güerrín. Sua mussarella y morrones é uma criação divina (melhor pizza que comi na vida!). O mais legal de lá é que o serviço é ótimo (não tem garçons lentos nem incompetentes) e a atmosfera é encantadora. Até sua localização é charmosa: a Avenida Corrientes é por si só um ponto turístico imperdível. Ou seja, dá para levar a gatinha ao cinema ou ao teatro na avenida que nunca dorme e ainda emendar uma pizza no final da noite ou no início da madruga. Para completar, a Güerrín é gigante. Em seus intermináveis salões, que se dividem por vários andares e por corredores a perder de vista, cabem aproximadamente 1 mil pessoas. Juro que nunca tinha ido numa pizzaria tão grande. A única nota ruim é o preço mais alto. Por ser considerada turística, o reflexo aparece na hora de pagar a conta. Mas não é nada que assuste os moradores de São Paulo, acostumados com os preços exorbitantes praticados pelas melhores pizzarias de sua cara cidade.   

As pizzas e as pizzarias de Buenos Aires são diferentes das encontradas no Brasil, em especial na cidade de São Paulo

Já a Burgio é uma tradicional pizzaria de Belgrano que reabriu recentemente com novos donos depois de alguns anos fechada. Como é perto de casa e dos meus rolês, fica aberta até as duas horas da manhã e possui ambientação antiga, se tornou ponto de passagem obrigatório nos meus finais de semana. Quase sempre saio do cinema Multiplex Belgrano na virada de sexta para sábado e rumo para lá no início da madrugada. Suas pizzas são excelentes e o atendimento na barra é simpático (eles sempre perguntam se queremos que esquentem o pedaço de pizza, que pode estar frio na estufa). A melhor fugazzeta que comi em Buenos Aires é da Burgio. Ella tiene la vitamina campeona. A vitamina é uma espécie de tempero que a pizza recebe após sair do forno. O preço da redonda é adequado para a qualidade ofertada.


Já El Imperio de la Pizza de Chacarita é a minha favorita. Ela não tem a melhor pizza (posto ocupado pela Güerrín) nem possui o melhor conjunto da obra (título concedido à Burgio). O que ela oferece de tão especial aos clientes é a experiência de se estar numa legítima pizzaria portenha. Juro que quando penso em pizza em Buenos Aires, a primeira imagem que me vem à mente é o salão ou a barra da El Imperio. Sempre me divirto bastante quando a visito, seja sozinho ou bem acompanhado (beijo, Sub-30; e abraços, Rai e Carlos). O salão grande é ruidoso e desconfortável. Os pratos, talheres e copos sempre parecem estar encardidos. Os garçons são horríveis, do tipo que estão sempre mal-humorados, demoram séculos e erram os pedidos rotineiramente. E quando prometo para mim mesmo que nunca mais vou colocar os pés ali, noto que a pizza é deliciosa (mesmo que chegue fria à mesa e com o sabor que não pedi). Aí sou conquistado e entendo o porquê o lugar vive sempre cheio. Com a emoção dominando a razão, sinto vontade de retornar mais e mais vezes. Amar a Imperio de la Pizza de Chacarita é se envolver com o que há de mais verdadeiro nas pizzarias sul-americanas.           


Contudo, quando a pizzaria não é boa, a pizza al molde pode ser muito decepcionante. Em um país com inflação galopante e grave crise econômica desde que José San Martín declarou a independência da Espanha, muitos estabelecimentos passaram a comprar ingredientes mais baratos e a economizar nos recheios. Aí os clientes comem só massa. Algumas das minhas experiências gastronômicas mais frustrantes em CABA nasceram do probleminha de qualidade e quantidade dos recheios das redondas al molde. Por isso, certifique-se da excelência do lugar que você irá visitar. Eu até aceito serviços trôpegos e ambientes desconfortáveis, mas não admito pizza ruim.


A pizza la piedra é a que tem massa fininha. Como a massa é fina, não é possível colocar muito recheio (não haveria sustentação, conforme prova a lei da física). Usa-se normalmente o forno à lenha para assá-las. Essa economia de ingredientes faz com que essa seja a opção mais popular nas pizzarias de bairro. Em cada canto da cidade, você encontrará vários estabelecimentos anunciando pizza la piedra. Não é preciso dizer que se trata da alternativa mais barata. No ano passado, quando o câmbio estava extremamente favorável para o real, eu encontrava redondas grandes por R$ 12,00, R$ 15,00 em Saavedra e Núñez. Essa realidade não existe mais – Buenos Aires está agora tão cara quanto São Paulo. Mesmo assim, ainda acho perto de casa pizza deste tipo por R$ 25,00, R$ 30,00.  

No universo das delícias das pizzarias portenhas, a pizza argentina é diferente da pizza brasileira

Mas a questão que intriga os turistas brasileiros é: elas são boas? Sendo bem sincero com você, não são boas, não. Depois que provamos uma pizza al molde com muito recheio, fica difícil acharmos alguma graça nesse tipo de produto. Eu só as compro quando quero matar a vontade de pizza, mas não estou a fim de sair do bairro nem posso gastar muito. Aí é melhor algo mais ou menos do que nada.


Porém, para se descobrir uma pizza la piedra razoável em CABA é preciso disposição. A técnica é a famosa tentativa e erro. E haja erro até acertar, senhoras e senhores. A proporção de decepções que tive está na casa de 20 para 1. Obviamente, 20 bombas culinárias para 1 experiência razoável. Algumas vezes, o ambiente era agradabilíssimo, o atendimento excelente e os valores cobrados convidativos. Contudo, quando a redonda chegava, percebia que pecaram justamente no principal. Em alguns casos, eu olhei para a mesa e não acreditei que me serviram uma pizza quase sem recheio.


Por fim, temos a pizza napolitana. Ela não é tão tradicional em Buenos Aires quanto as outras três, mas se tornou modinha nos últimos 15 anos. Sua massa é feita com farinha especial, não contém gordura, tem baixo teor de fermentação e leva menos açúcar. O resultado é uma textura mais firme, o que facilita a digestão. Como leva pouco fermento, a massa da napolitana fica até 12 horas no forno. Como não tem cliente com paciência para esperar tanto, elas são geralmente pré-assadas antes da casa abrir. Para completar, vêm em formato pouco usual para o público sul-americano: retangular, ovalada ou mesmo quadrada.


Confesso que não curto tanto assim as pizzas napolitanas. Elas são tão saudáveis que se tornam meio sem graça. Vamos combinar que se eu quisesse algo saudável, não comeria pizza, né? Em suma, não é o modelo que eu comeria toda a semana (nem todo mês). As napolitanas só valem a pena porque, como estão na moda, são oferecidas geralmente por lugares mais bacanas e com ótima ambientação, ideal para passeios à dois. Você irá encontrá-las em Palermo, Belgrano, Núñez, Recoleta, Puerto Madero e San Telmo. Um bom exemplo é a Pizza Paradiso, em Belgrano (perto do Barrio Chino). Fui lá três ou quatro vezes e sempre saí satisfeito com a experiência, por mais que a pizza não fosse excelente. A ambientação e o serviço acabaram sendo melhores do que os produtos servidos, que se não empolgaram pelo menos não decepcionaram.


Esse é o meu pequeno manual das pizzas e das pizzarias portenhas. Acredito que este post da coluna Gastronomia reúna as principais informações que todo brasileiro precisa saber antes de se aventurar pela gastronomia italiana de Buenos Aires. Com essa rápida contextualização da cultura culinária local, certamente seu passeio ou sua estada por CABA será mais agradável. Porque ninguém merece viver sem uma boa redonda, ainda mais em um lugar em que é possível comê-la em qualquer horário e em qualquer dia da semana.


Bom apetite!


Que tal este post e o conteúdo do Bonas Histórias? Compartilhe sua opinião conosco. Para conhecer as demais críticas gastronômicas do blog, clique na coluna Gastronomia. E não se esqueça de nos acompanhar nas redes sociais – Facebook, Instagram, Twitter e LinkedIn.

Comentarios


A Epifania Comunicação Integrada é parceira do Bonas Histórias, blog de literatura, cultura e entretenimento
A Dança & Expressão é parceira do Bonas Histórias, blog de literatura, cultura e entretenimento
Mandarina é a livraria diferenciada que está localizada em Pinheiros, na cidade de São Paulo
Eduardo Villela é Eduardo Villela é book advisor e parceiro do Bonas Histórias, blog de literatura, cultura e entretenimento
bottom of page