Fundada em 2013, a kebaberia paulistana possui duas unidades e encanta pelo atendimento amistoso, pela ambientação informal e pelo cardápio caprichado.
Você prefere kebab ou shawarma? A dúvida pode parecer sem sentido para muitos brasileiros que não enxergam qualquer diferença entre os dois sanduíches. Há até quem ache que os termos sejam sinônimos na culinária, veja só! Afinal, dá na mesma pedir um hot dog e solicitar um cachorro-quente, não é? O mesmo, então, valeria para x-burguer e cheeseburguer, tortilha espanhola e omelete, croquete de carne e quibe... Por essa perspectiva pouco gastronômica, o kebab seria o jeito turco de se referir ao shawarma e o shawarma seria a maneira árabe de designar o kebab. Contudo, não caia no erro das generalizações tão comum em nosso país. Por aqui, turcos, judeus, árabes, sírios e egípcios, por exemplo, acabam muitas vezes confundidos entre si como se formassem um só povo, constituíssem apenas uma nação e tivessem uma única cultura. Nada mais equivocado, né?
O shawarma é um sanduíche árabe feito com pão pita, que no Brasil chamamos popularmente de pão sírio ou de pão árabe. Muito comum nos países mediterrâneos e do Oriente Médio, esse pão é levedado e achatado (costumo brincar que ele é a versão da panificação do chocolate Suflair), feito com farinho de trigo. O recheio tradicional do shawarma é a carne de cordeiro, de vaca e de frango, mas atualmente é possível encontrar várias opções vegetarianas (além de outros tipos de carne, como a de porco – um atentado aos dogmas da religião muçulmana).
A principal característica desse sanduíche (que o diferencia do kebab) é a maneira como seu recheio é preparado. A carne do shawarma é marinada em meio ácido (o vinagre é muito usado para isso) e depois colocada em camadas sobrepostas em um espeto. Aí ela é assada verticalmente e de um jeito em que o espeto fique sempre girando. O nome desse tipo de carne é döner, mas no Brasil convencionou-se chamar essa técnica de churrasco grego. Convenhamos: é mais fácil falar churrasquinho grego do que döner, né? Quem vive nas grandes cidades brasileiras já deve ter visto vendedores ambulantes de comida preparando carnes dessa forma. Por isso, o churrasco grego é tão popular no Brasil.
O preparo do döner no espeto remete ao passado de árabes e gregos, quando os soldados assavam as carnes no fogo usando as próprias espadas. O animal abatido era fatiado, temperado (minimamente no passado longínquo) e colocado nas lâminas das armas dos guerreiros. Só então as espadas eram colocadas na brasa. Uma vez pronto o assado, a carne era novamente fatiada diretamente da espada (não dava para retirá-la sem que fosse cortada em fatias).
Além do pão sírio e do döner, o shawarma é servido comumente com tomate, cebola e molho de alho com iogurte. Porém, os acompanhamentos não são fixos. Cada um acrescenta o que quiser ao sanduíche. Dá para colocar, por exemplo, frutas, legumes, falafel, verduras, queijo etc. Esse é, portanto, o bom e velho shawarma, uma das principais iguarias da culinária árabe. Esse prato se espalhou pelos quatro cantos da Terra e hoje pode ser encontrado nas principais cidades do mundo.
Por sua vez, o kebab é um sanduíche turco (a Turquia não é um país árabe!). Apesar de também usar pão pita e de ter em seu recheio carne (tradicionalmente a de cordeiro – etimologicamente, a palavra kebab significa cordeiro grelhado –, mas pode ser de carneiro, cabra, frango ou vaca), ele é diferente do shawarma. Para começo de conversa, a carne do kebab pode ser grelhada, cozida ou mesmo assada (mas sem o espeto giratório). Esqueça, assim, o döner ou o churrasco grego quando falamos de kebab. Na iguaria turca, as carnes vêm normalmente em cubinhos ou em pedaços cortados (e não em fatias como no sanduíche árabe).
O recheio do kebab também é normalmente distinto ao do shawarma. No sandubão turco, temos queijos, frutos do mar (algo inconcebível na culinária árabe!), falafel, verduras, legumes, molhos (inclusive o de iogurte), coalhada e até frutas.
Estou trazendo essa questão para a coluna Gastronomia porque tem uma rua em São Paulo em que o público literalmente precisa escolher entre o kebab e o shawarma. No caso do comecinho da Av. Professor Alfonso Bovero, via localizada na divisa dos bairros da Pompeia, de Perdizes e do Sumaré, a opção dos fãs de sanduíche é pelo Kebab Paris ou pelo Shawarma Anwar. Os dois restaurantes são quase vizinhos e estampam em suas marcas os nomes dos famosos sanduíches orientais. Aí as perguntas que se ouvem com frequência pelas ladeiras daquela região da cidade são: vamos no Kebab Paris ou vamos no Shawarma Anwar? Hoje a melhor pedida é kebab ou shawarma?!
No sábado passado, eu estava na companhia sempre agradabilíssima de Paulinho, Josi e Daniel (um divertido trio de marombeiros) quando tais questionamentos surgiram. Nossa escolha foi pela kebaberia. Ou seja, pelo Kebab Paris. É verdade que nessa casa há tanto o sanduba turco quanto o árabe (nesse último caso, feito à maneira brasileira – eufemismo para dizer que ele não segue a receita original que detalhei com tanta empolgação no início desse post). Se você quiser provar um legítimo shawarma, aí a alternativa mais adequada é o Shawarma Anwar (distante apenas 100 metros). Como estávamos a fim do bom e velho kebab, nossa opção pelo Kebab Paris não poderia ter sido mais satisfatória. Gostei tanto do restaurante turco que resolvi analisá-lo no Bonas Histórias.
Além do kebab e do shawarma, o Kebab Paris, uma das boas kebaberias de São Paulo e sem dúvida a melhor da região da Pompéia, Perdizes, Sumaré e Vila Madalena, tem no cardápio porções de falafel, kibes, batatas (fritas ou rústicas, feitas com alecrim e alho frito ou com zattar), arais (pão, kafta e queijo) e pastas (coalhada seca, homus e babaganush, que são servidas com pão sírio – chamado de pão flat por lá). Só não pergunte, por gentileza, se tem esfiha. Olha a gafe!!! A esfiha é um prato árabe e não turco! E as kebaberias, não se esqueça disso, são restaurantes de culinária turca!
Apesar da boa variedade de itens, o carro-chefe do Kebab Paris é o tradicionalíssimo kebab de cordeiro (R$ 39,00). Vale a pena destacar que todos os sanduíches turcos de lá são recheados com alface, tomate, cebola roxa, repolho roxo, picles de pepino e coalhada seca e são servidos com molhos tahine, iogurte com hortelã e chimichurri. Eles também acompanham uma porção deliciosa de batatas fritas. Além do cordeiro, as opções de kebab são: kafta (R$ 33,00), carne bovina (R$ 32,00), falafel (R$ 29,00), frango (R$ 31,00), pernil (R$ 32,00), linguiça (R$ 31,00), vegetais (R$ 29,00) e carne de jaca (R$ 32,00). Mesmo sabendo que a preferência quase unânime dos clientes é pelo kebab de cordeiro (que realmente é muito bom!), ainda sim o meu favorito é o de frango.
No caso dos shawarmas do Kebab Paris (chamados simplesmente de döner pela kebaberia paulistana – talvez para não lembrar os clientes que o Shawarma Anwar fique no outro lado da rua...), as opções são carne bovina (R$ 23,00), frango (R$ 23,00), pernil (R$ 23,00), linguiça (R$ 23,00) e falafel (R$ 22,00). Os sanduíches árabes são feitos no pão flat/pão sírio e tem como recheio complementar tomate, cebola, picles de pepino e aïoli. Esse prato não acompanha as batatas fritas (para tê-la, é preciso pedir uma porção extra).
Gostei muito do Kebab Paris. Além de servir uma comida deliciosa (a combinação de kebab suculento com batatas fritas crocantes e divinamente temperadas é infalível!!!), o atendimento foi informal e extremamente gentil. Minha impressão é que a própria dupla de cozinheiros/chapeiros é quem se reveza no atendimento aos clientes ao longo do dia e da noite. O salão é bem pequeno (deve ter apenas cinco mesas na parte interna e mais três mesas complementares na calçada – abertas quando a friaca paulistana assim permite) e aconchegante. Destaque para a decoração que remete às kebaberias da capital francesa. Não espere, portanto, luxo e muito conforto. A ordem da casa é praticidade, informalidade e boa comida. No verão, escolha as mesas externas. No inverno, a melhor opção (diria que a única boa opção) é ficar no salão interno.
Fundado em 2013, o Kebab Paris surgiu da ideia de seu proprietário de trazer para o Brasil o conceito das kebaberias europeias. Em uma visita ao Velho Continente, o empreendedor paulistano reparou que algumas cidades estavam vivenciando uma febre de kebaberias. Por causa da forte imigração do Norte da África e do Oriente Médio nas últimas duas décadas, surgiram vários estabelecimentos de kebab na França, Alemanha, Áustria, Suíça e Finlândia. Em locais com forte presença da comunidade turca, como Paris e Berlim por exemplo, pode ter certeza de que há várias kebaberias à disposição do público.
Na Europa, a maioria dos estabelecimentos que vende kebab abre no período da tarde e fica operando até de madrugada – como é que se fala larica em francês, hein? O maior movimento das kebaberias gringas é justamente noite à dentro. Essa era a proposta original do Kebab Paris, inspirado obviamente em seus congêneres parisienses. Contudo, o estabelecimento paulistano abre um pouco mais cedo, ao meio-dia (funciona na hora do almoço), e fecha mais cedo, à meia-noite. Desde a pandemia, ele não funciona de madrugada – algo cada vez mais comum em São Paulo, a cidade que não dormia... Acho que além da queda de demanda nesse horário, a violência urbana (um mal que os brasileiros tão bem conhecem e que não existe com tamanha intensidade em boa parte do continente europeu) não incentiva a permanência do comércio ao longo da madrugada.
O Kebab Paris possui duas unidades: na Avenida Professora Alfonso Bovero, 506 – Perdizes fica a matriz (opera diariamente até a meia-noite) e na Rua Schilling, 185 – Vila Leopoldina fica a filial (também trabalha todos os dias, mas de domingo a quarta-feira fecha às 23h30). Os dois estabelecimentos têm salões pequenos e muito parecidos e atendem ao delivery (se bem que nunca usei o serviço de entrega de lá – não posso opinar se é bom ou ruim).
Curiosamente, a unidade da Vila Leopoldina é a que fica mais perto da minha casa, mas acabo frequentando mesmo é a unidade de Perdizes (por que será, Marcelinha do meu coração?!!!). O legal de visitar o Kebab Paris da Avenida Professor Alfonso Bovero é notar que você está no meio de uma grande comunidade síria, turca e árabe de São Paulo. Por isso, os bairros da Pompéia, Perdizes, Sumaré e Vila Madalena abrigam vários bares e restaurantes de culinária turca e árabe. Além dos já citados Kebab Paris (turco) e do Shawarma Anwar (árabe que está mais para barzinho do que para restaurante), temos nessa região os tradicionais Dib e o Arabesco (ambos especializados em comida árabe e com uma proposta mais top), o Khadije (culinária do Oriente Médio) e o Saj (árabe de excelente ambientação).
E aí, você vai de kebab ou shawarma?
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