Na quarta-feira da semana passada, fui ao cinema para conferir “Tenet” (2020), o filme mais aguardado deste ano. Depois de sucessivos adiamentos por causa da pandemia do novo coronavírus, o mais recente longa-metragem de Christopher Nolan, um dos cineastas mais respeitados da atualidade, finalmente chegou às salas do Brasil e do mundo. Sua estreia aconteceu, em nosso país, no finalzinho de outubro.
“Tenet” é, sem dúvida nenhuma, a produção cinematográfica mais badalada de 2020. Com poucos lançamentos capazes de atrair um grande fluxo de espectadores aos cinemas (vários títulos serão exibidos apenas em 2021 e outros tantos optaram por ir diretamente ao streaming), o novo trabalho de Nolan é visto como uma espécie de salvador da lavoura. Em tempos de medo da plateia em frequentar lugares fechados, uma trama que alia qualidade técnica, inovações de ordem cinematográfica e uma narrativa recheada de surpresas pode ajudar a quebrar a resistência do público no retorno às sessões presenciais.
Décimo primeiro filme de Christopher Nolan na direção, “Tenet” é a sua produção mais ambiciosa (e cara). Se “Interestelar” (Interstellar: 2014), que liderava até então o ranking de orçamentos do diretor, custou US$ 165 milhões, “Tenet” ultrapassou a casa dos US$ 200 milhões. Em seu novo longa-metragem, Nolan continua abordando um tema central de sua cinegrafia: a relatividade do tempo. Há quase vinte anos, esse foi o mote de “Amnésia” (Memento: 2001), o segundo trabalho do inglês na direção. Aquele filme caminhava de trás para frente, invertendo, assim, a lógica narrativa (e da natureza). Dez anos mais tarde, “A Origem” (Inception: 2010) juntou a questão temporal com as confusões entre a realidade e os sonhos do protagonista.
Agora, Christopher Nolan trata, em “Tenet”, da inversão do fluxo temporal – volta ao passado para influenciar o presente e, por consequência, o futuro. Não à toa, o título do longa-metragem é um palíndromo: Tenet pode ser lido igualmente tanto na sequência normal das letras quanto de trás para frente.
“Tenet” é estrelado por John David Washington, de “Infiltrado na Klan” (BlacKkKlansman: 2018) e um dos atores mais promissores de Hollywood (ninguém mais se lembra que ele é filho de Denzel Washington), e por Robert Pattinson, alçado ao estrelato na saga “O Crepúsculo” (Twilight: 2008) e cada vez mais requisitado para trabalhos de destaque em Hollywood (ele será o próximo Batman). Completam o elenco deste filme Kenneth Branagh, Elizabeth Debicki, Clémence Poésy, Aaron Taylor-Johnson, Michael Caine e Dimple Kapadia.
A produção de “Tenet” teve início em maio de 2019 e terminou em novembro do ano passado. As cenas foram rodadas na Noruega, Dinamarca, Itália, Reino Unido, Estados Unidos, Estônia e Índia. Sua estreia mundial estava prevista para julho deste ano, mas com a pandemia e o fechamento das salas de cinema seu lançamento foi adiado para o final de 2020. Apesar de ter sido cogitada a ideia de não lançar o filme nos cinemas, Christopher Nolan foi terminantemente contra essa proposta. Para ele, seu novo longa-metragem era uma experiência cinematográfica que deveria ser apreciada nas telonas. Interessada em recuperar a fortuna investida no filme, a Warner Bros., o estúdio por trás desta produção, atacou a ordem do diretor sem pestanejar.
O enredo de “Tenet” inicia-se em Kiev, a capital da Ucrânia. Um agente secreto da CIA que não tem seu nome revelado em nenhum momento do filme (ele é interpretado por John David Washington) participa de uma ação de contraterrorismo. Após a invasão do teatro ucraniano por criminosos fortemente armados, a equipe da CIA precisa salvar um figurão de seu país que está localizado em um dos camarotes. A operação quase dá certo. O problema é que o agente secreto que protagoniza esta história é capturado pelos inimigos. Para não revelar nenhum segredo de sua corporação aos terroristas, ele toma, antes que comece a sessão de torturas físicas, uma pílula suicida. Uma vez morto, não há como o rapaz abrir a boca.
Contudo, ao invés de morrer, o agente acorda em uma cama de hospital. Ele foi salvo por uma organização secreta chamada Tenet. Nem bem abre os olhos, o agora ex-funcionário da CIA recebe uma missão de seus novos amigos/empregadores – ele precisa salvar o mundo da Terceira Guerra Mundial. Para tal, o norte-americano precisa capturar um artefato precioso antes que ele caia nas mãos de Andrei Sator (Kenneth Branagh), um poderoso e cruel empresário russo especializado em tráfico de armas. Nessa missão, o novo agente de Tenet terá a companhia de Neil (Robert Pattinson), um experiente integrante da corporação secreta.
Para surpresa do protagonista, a disputa com Sator não se dá pela obtenção de materiais nucleares e sim pela tecnologia que permite a inversão do fluxo temporal. Utilizando-se de segredos obtidos do futuro em relação a entropia (uma propriedade física), Andrei Sator consegue voltar no tempo para reconstruir o presente ao seu bel prazer. É contra um adversário com habilidades inimagináveis que a personagem principal do longa-metragem de Nolan precisará enfrentar. Não é necessário dizer que as descobertas do agente secreto colocarão em xeque a sua compreensão sobre a realidade e sobre as propriedades do universo físico. O único jeito para derrotar o inimigo é embarcar na aventura pela inversão do fluxo temporal e conseguir aliados dentro da família do empresário russo.
Com duas horas e meia de duração, “Tenet” é daquele tipo de filme que passa em um piscar de olhos. Como há ação do começo ao fim, o espectador tem a sensação de que o tempo voa durante a sessão (seria esse mais um efeito da inversão no fluxo temporal?). É até difícil de acreditar que ficamos tanto tempo dentro da sala de cinema. Não por acaso, esse é o primeiro ponto positivo do longa-metragem de Nolan: “Tenet” é uma aventura eletrizante que bebe das fontes da ficção científica, das tramas dos agentes secretos e das histórias dos super-heróis. Em outras palavras, esta produção é uma mistura bem-azeitada de “Matrix” (1999), “Missão Impossível” (Mission - Impossible: 1996), “De Volta Para o Futuro” (Back to the Future: 1985) e “O Exterminador do Futuro” (The Terminator: 1984). Se você preferir, pode incluir a série “007” nesse caldo cinematográfico. E, para completar, essa junção ainda ganha a contribuição de elementos da física moderna. É preciso reconhecer: trata-se de uma receita de primeira!
Christopher Nolan é conhecido por abrir mão dos efeitos especiais em seus filmes. Ele prefere a gravação real a inserção de recursos da computação gráfica. Em alguns aspectos, essa sua mania gerou bons frutos em “Tenet” – como as cenas espetaculares da explosão real do Boeing 747. Em outros momentos, o resultado chega a ser bisonho – fazer os atores se movimentarem e falarem de trás para frente, ao invés de usar o recurso de inversão de vídeo, ficou muito estranho! Eu achei um pouco forçado (nota-se a artificialidade dos gestos).
É importante dizer que do ponto de vista teórico, não temos em “Tenet” uma viagem no tempo e sim uma inversão no fluxo temporal. Por isso, a necessidade de se explicar o que é esse conceito e o que ele representa de fato para a história do filme e para as personagens da trama. Achei o tom didático de “Tenet” muito adequado. Há a preocupação de detalhar o que representa em termos práticos e teóricos a entropia, por exemplo, mas não se perde muito tempo com os seus pormenores. O importante é ação resultante dessa questão. Se por um lado o filme pode deixar o público um pouco confuso sobre o que está acontecendo em cena, por outro lado o importante aqui não é a compreensão completa dos temas teóricos (entropia, física quântica e efeitos da inversão temporal) e sim as ações do filme. Gostei disso. Mais importante do que entender os conceitos físicos é aproveitar o suspense e as aventuras que esses assuntos nos trazem.
A cena inicial de “Tenet” é, desde já, antológica. O espectador é atirado ao centro de um confronto armado sem entender bem o que está acontecendo. Ou seja, o filme já começa tirando o fôlego da plateia. Confesso que me recordei do ótimo início de “Tropa de Elite” (2007), quando vemos uma ação policial, mas não sabemos o que está acontecendo exatamente ali. Ao invés de a ação ser em uma favela carioca como em “Tropa de Elite”, no filme de Nolan, o cenário inicial é um teatro luxuoso de Kiev.
Por sua vez, as cenas finais deixam um pouco a desejar. A ideia de colocar o mesmo exército lutando em duas frentes (na ordem lógica do tempo e na ordem inversa) é excelente e conseguiu render ótimas tomadas. Porém, senti falta dos inimigos. A impressão que tive é que os soldados da equipe do protagonista estavam combatendo sozinhos no deserto, sem um inimigo aparente. Repare bem nessa parte final do filme. Pode ter sido uma falha de interpretação minha (o que não é difícil de ocorrer), mas quase não vi nenhum oponente (soldados adversários) em cena. O resultado é um combate ridículo, em que se luta e briga contra ninguém.
Gostei tanto do aspecto da ficção científica quanto da aventura policial. Se não consegui entender todos os efeitos físicos por trás da entropia e da inversão do fluxo temporal, ao menos isso não atrapalhou em nada a minha compreensão do enredo do longa-metragem. Esse é o principal elemento de “Tenet”. A partir de uma base conceitual simples, conseguimos acompanhar o desenrolar desta produção de Christopher Nolan sem sobressaltos. Contudo, confesso que fiquei com vontade de assistir mais uma vez ao filme. Sabe quando você quer ter uma segunda chance para juntar as pontas soltas que ficaram aqui e acolá? Essa foi a minha sensação ao término da sessão.
Algo que precisa ser destacado é a atuação impecável da dupla John David Washington e Robert Pattinson. Os dois atores mostram porque figuram atualmente no primeiro escalão dos atores de Hollywood quando o assunto é ação. Se pensarmos que Christopher Nolan usou poucos recursos de computação gráfica e efeitos especiais, imagine a dificuldade das cenas protagonizadas por John David Washington! Sim, ele precisou caminhar e falar de trás para frente (dá para entender o quão complexo é isso na prática?!).
Outro aspecto negativo de “Tenet” é o velho maniqueísmo advindo da Guerra Fria – os norte-americanos são os heróis (querem salvar o planeta da iminente destruição) e os russos/soviéticos são os vilões (querem matar todos e explodir tudo). Em pleno século XXI, acompanhar uma disputa desse tipo soa extremamente antiquada e despropositada. Em certo ponto, o diretor inglês lembrou os discursos ultrapassados do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que insiste, entre outras paranoias, em propagar o temor de uma invasão comunista em nosso país. É difícil de engolir, hoje em dia, algumas teorias típicas da metade do século passado.
Nolan é um cineasta de puro talento, com muito mais acertos do que erros. Ele consegue inovar em produções mais comerciais (não é errado dizer que ele revolucionou os filmes de super-heróis – lembremos da trilogia “Cavaleiro das Trevas”) e em títulos mais cults (“A Origem” é o melhor exemplo disso, mas não podemos nos esquecer da beleza poética e visual de “Interestelar”). Entretanto, não acho “Tenet” seu melhor trabalho. Meus favoritos continuam sendo “A Origem” e “Interestelar”, narrativas mais interessantes e impactantes do ponto de vista cinematográfico. Isso não quer dizer que “Tenet” não mereça ser visto. Trata-se de um longa-metragem excelente, ideal para uma visita aos cinemas.
Apesar da minha torcida, não acho que ele conseguirá ser bem-sucedido na missão árdua de levar novamente as plateias para o cinema. Na sessão que assisti no Espaço Itaú de Cinema do Bourbon Shopping Pompéia, para você ter uma ideia, não havia ninguém. Quando digo ninguém, não estou querendo dizer que havia poucas pessoas na sala... Não havia uma viva alma além de mim tanto na minha sala quanto nas demais do complexo (que tem cerca de 18 salas). O cinema parecia estar abandonado. É uma pena!
Essa foi a segunda vez em que estive em uma sessão completamente sozinho. A primeira foi há pouco mais de cinco anos, o que gerou até uma crônica, “Eu e o Mundo - Sozinho no Cinema”. Se naquela época me diverti com o acontecimento (ocorrido em uma pequena sala de cinema de uma cidade do interior de Minas Gerais), agora não achei a menor graça. Torçamos para que esse cenário não demore muito a mudar. A indústria cinematográfica precisa do retorno do seu velho público.
Assista, a seguir, ao trailer de “Tenet”:
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