Lançada nos cinemas em 20 de julho, a nova produção do diretor britânico é o drama histórico que retrata a trajetória de Robert Oppenheimer, o físico norte-americano que chefiou o projeto científico mais polêmico do século XX.
Na semana passada, fui ao cinema para conferir “Oppenheimer” (2023), o novo filme de Christopher Nolan e um dos blockbusters do momento. O longa-metragem do diretor de “Tenet” (2020) rivaliza com “Barbie” (2023), produção de Greta Gerwing que é estrelada por Margot Robbie, como os principais chamarizes de público do circuito comercial cinematográfico nesta virada de semestre. Pela movimentação nas salas, os espectadores estão realmente empolgados com ambas as propostas (que não poderiam ser mais distintas!). Fui ao cinema em plena quarta-feira à tarde, horário tipicamente bem fraco em movimento, e minha sessão estava com mais da metade da lotação. E na sala ao lado, onde rolava “Barbie”, o fluxo era até maior. Será que estamos assistindo à retomada do hábito de frequentar as telonas após a pandemia da COVID-19, hein? Tomara!
Curiosamente, a ousadia de se lançarem dois arrasa-quarteirões na mesma data, uma estratégia mercadológica rara dos grandes estúdios cinematográficos, se mostrou acertada nesse caso. Acho que o público de um filme acaba puxando o outro. É muito comum uma pessoa, na fila da bilheteria do cinema, falar para a sua companhia: só assisto com você a essa produção se você assistir comigo depois àquela outra. E voilà: um par de ingressos se transforma milagrosamente em dois pares. Por consequência, um post da coluna Cinema também pode se transformar em uma dupla de análises da sétima arte. Espero que os leitores do Bonas Histórias apreciem tal combinação, como acho que eu mesmo vou curtir.
Desconfio da venda casada tanto por experiência própria quanto pelo fato de “Oppenheimer” ter alcançado bilheteria de US$ 344 milhões no mundo em seu primeiro final de semana em cartaz e de “Barbie” ter atingido a marca de US$ 337 milhões no mesmíssimo período. São números invejáveis e muito parecidos! No Brasil, a semana de estreia gerou arrecadação de R$ 13 milhões para o longa-metragem de Christopher Nolan e de aproximadamente R$ 37 milhões para o de Greta Gerwing. Então, o que explica a supremacia do filme da boneca sobre o drama histórico em nosso país? Para mim, isso é fruto do cavalheirismo (prática que você nunca viu, Carla, mas que ainda deve existir por aí!). A maioria dos casais assistiu primeiramente à “Barbie” para só depois ver “Oppenheimer”. De qualquer maneira, a dupla Barbenheimer (sim, a dobradinha ganhou um apelido próprio nas redes sociais!) levou mais de 4 milhões de pessoas para frente das telonas. Nada mal em uma época que as salas de cinema estavam às moscas, né?
Baseado na biografia “Oppenheimer – O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano” (Intrínseca), de Kai Bird e Martin J. Sherwin, livro gerado após anos de pesquisa e recém-lançado no Brasil, “Oppenheimer” é o décimo segundo longa-metragem de Christopher Nolan na direção. O cineasta britânico, responsável por sucessos como “Batman Begins” (2005), “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (The Dark Knight: 2008), “A Origem” (Inception: 2010), “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” (The Dark Knight Rises: 2012), “Interestelar” (Interstellar: 2014), “Dunkirk” (2017) e “Tenet”, também assinou o roteiro do novo longa-metragem.
Orçado em cerca de US$ 100 milhões, o filme apresenta o drama histórico de Julius Robert Oppenheimer, físico norte-americano que liderou o Projeto Manhattan, iniciativa científica realizada no Laboratório de Los Alamos, no deserto do Novo México, nos anos 1940, que gerou a tecnologia da bomba de hidrogênio. Não por acaso, Oppenheimer ganhou o apelido de Pai da Bomba Atômica. Após ser aclamado como um dos cientistas mais importantes do século XX e virar figura midiática, Robert Oppenheimer foi perseguido no período do Macarthismo por ter se envolvido nos tempos de universidade com comunistas. Em plena Guerra Fria, essa ligação poderia causar sérios problemas de segurança nacional. Pelo menos foi essa a alegação do governo dos Estados Unidos e dos colegas de Projeto Manhattan que correram para trair o físico que até então era idolatrado pela nação.
Lançado mundialmente em 21 de julho (no Brasil, entrou em cartaz um dia antes), “Oppenheimer” foi filmado entre fevereiro e maio de 2022 e teve como principal locação Ghost Ranch, no Estado do Novo México, no Sul dos Estados Unidos. Depois de participar como coadjuvante de cinco filmes de Nolan (“Batman Begins”, “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, “A Origem”, “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” e “Dunkirk”), o irlandês Cillian Murphy, do seriado “Peaky Blinders” (2013-2022) e do longa-metragem “No Coração do Mar” (In The Heart of the Sea: 2015), foi escalado, enfim, como protagonista. Completam o elenco principal do filme: Emily Blunt, Matt Damon, Robert Downey Jr., Florence Pugh, Josh Hartnett, Casey Affleck, Rami Malek, Kenneth Branagh, Jason Clarke, David Krumholtz, Gary Oldman e Tom Conti.
O enredo de “Oppenheimer” começa em 1926. Nas cenas iniciais do filme, acompanhamos o jovem Robert Oppenheimer (interpretado por Cillian Murphy), então com 22 anos, no doutorado em física em Cambridge. Deprimido, o norte-americano sofre com as saudades de casa e com as exigências dos professores da universidade britânica. Apesar de ser considerado um estudante inteligente e talentosíssimo, ele é visto como um cientista petulante, pouco disciplinado e atrapalhado nas tarefas em laboratório. Após a sugestão de um professor para que estudasse física teórica, Robert conclui o doutorado na Alemanha. Nessa passagem pela Europa, ele conhece os principais cientistas do mundo, networking que seria essencial em alguns anos.
De volta aos Estados Unidos, Robert Oppenheimer realiza pesquisas em física quântica enquanto leciona em universidades californianas durante os anos 1930. No ambiente acadêmico, o protagonista conhece várias pessoas que são ligadas ao Partido Comunista e aos ideais de esquerda, apesar de nunca ter se identificado com qualquer ideologia política. O irmão de Robert, Frank Oppenheimer (Dylan Arnold), é um ferrenho esquerdista que insiste para o cientista frequentar os encontros comunistas da universidade. Em uma dessas reuniões, Robert Oppenheimer conhece Jean Tatlock (Florence Pugh), uma ferrenha militante socialista. Os dois têm um tórrido relacionamento que não cessa nem mesmo quando o físico se casa com Katherine (Emily Blunt).
A vida de Robert sofre uma grande transformação quando, em 1942, no meio da Segunda Guerra Mundial, o general do Exército Leslie Groves (Matt Damon) o convoca para liderar o Projeto Manhattan. O governo norte-americano precisa desenvolver uma bomba atômica para reverter as ações bélicas dos países do Eixo, que até então venciam os países Aliados no conflito. Por isso, Groves e a cúpula governamental não tiveram alternativa: precisaram ignorar as ligações do principal físico teórico do país com os comunistas. O inimigo maior naquele momento era o Nazismo e não a União Soviética.
Com carta branca do Exército e dinheiro ilimitado do governo federal, Robert Oppenheimer monta uma nova cidade em Los Alamos, no deserto do Novo México. E para lá, ele recruta os principais cientistas dos Estados Unidos e da Europa para trabalhar incansavelmente no laboratório montado especificamente para o Projeto Manhattan. Na equipe, estão Edward Teller (Benny Safdie), Isidor Isaac Rabi (David Krumholtz), Enrico Fermi (Danny Deferrari) e David L. Hill (Rami Malek). Os principais cérebros da América se envolvem na confecção da maior e mais destruidora arma de guerra da história.
Os problemas de Robert surgem depois da Segunda Guerra Mundial e no auge de sua popularidade, quando é reverenciado pela mídia como o Pai da Bomba Atômica. Em pleno Macarthismo, período em que os comunistas eram perseguidos nos Estados Unidos, o físico é acusado de ligação com a União Soviética, o novo grande inimigo do país, e de ter transmitidos segredos industriais e científicos para os pesquisadores de Moscou. Querendo provar sua inocência, Robert Oppenheimer contrata um advogado e participa ativamente de uma comissão governamental (uma espécie de CPI norte-americana) organizada para julgar o físico. O tribunal o acusa de risco à segurança nacional e quer suspender suas credenciais de cientista. Será que Oppenheimer conseguirá comprovar sua inocência? Esse é o mistério que move a trama.
Para começo de análise, é preciso dizer que “Oppenheimer” é um filme longo. Bem longo! Ele tem três horas de duração. É necessária muita disposição para encarar uma sessão cinematográfica 50% mais extensa do que o convencional. Confesso que não curto normalmente assistir às produções muito extensas nas salas de cinema. Chega uma hora que quero me levantar, esticar as pernas e descansar um pouco a mente. Por isso, geralmente reservo esse tipo de longa-metragem (que chamo carinhosamente de longa-longa-metragem) para acompanhar no conforto de casa (quando o botão de pause do streaming pode ser usado ilimitadamente).
Porém, devo reconhecer que não senti tanto cansaço na sessão de “Oppenheimer”. A impressão que tive é que ele tinha duas horas de duração e não três. Evidentemente, esse efeito foi conseguido pelo ótimo ritmo narrativo, principalmente se considerarmos que se trata de um drama histórico com muitas personagens e ancorado essencialmente em diálogos, o que torna sua história mais pesada e menos saborosa para paladares mais infantojuvenis. Nesse sentido, o trabalho de Christopher Nolan está primoroso. Nas mãos de um diretor menos talentoso, esse filme corria o risco de se tornar um sonífero cinematográfico ou de precisar ter muitas cenas cortadas (para agradar a maioria do público).
Infelizmente, não posso dizer que a plateia inteira do Espaço Itaú de Cinema do Bourbon Shopping Pompeia concorde com a minha opinião. Durante a sessão em que estive presente na quarta-feira à tarde, deu para ouvir vários roncos vindo dos quatro cantos da sala, principalmente na metade do filme para frente. A mocinha que estava do meu lado, por exemplo, chegou a babar, além de ressonar um pouco (mulher bonita não ronca, ressona!). Por isso, minhas recomendações para as almas mais ansiosas são: não vá para o cinema se você não tiver tido uma boa noite de sono (ou assista a “Barbie” nesse dia); exagere no café antes da sessão; e leve um babador (se você não precisar dele diretamente, pelo menos ofereça para quem estiver ao seu lado!).
Apesar de minha opinião não ter sido constatada in loco pela totalidade do público na sala de cinema, adorei a tensão dramática e o suspense de “Oppenheimer”. Percebemos que o filme é bom quando, mesmo sabendo de boa parte da sua história (afinal, são fatos conhecidos e reais), ainda sim acabamos nos emocionando com os acontecimentos presenciados na telona. Repare, por exemplo, na adrenalina dos cientistas no primeiro teste da bomba de hidrogênio no Novo México. Você até pode saber o que vai acontecer ali. Mas não conseguirá piscar os olhos da tela. Incrível!
Grande parte dos méritos de “Oppenheimer” está nas características contraditórias de seu protagonista. Como personagem cinematográfica, Robert Oppenheimer é perfeito por ser uma legítima figura redonda. Por um lado, ele é um físico brilhante, um irmão confiável, um amante competente, um amigo generoso, um líder eficaz, um erudito versátil, um intelectual com consciência humanista e um homem público honrado. Sua obstinação em liderar o Laboratório Nacional de Los Alamos e o Projeto Manhattan vinha, de certa maneira, de causas nobres: suplantar os nazistas no poderio bélico e acabar com a perseguição alemã aos judeus. Essa preocupação social se torna ainda mais evidente após o término da Segunda Guerra, quando Robert se torna uma das vozes mais poderosas a favor da não proliferação das armas atômicas e dos tratados internacionais para evitar seu (re)uso. Em nome dos seus ideais e da obstinação em provar sua inocência, ele não mede esforço e encara frente a frente os piores inimigos.
Por outro lado, Robert Oppenheimer é um marido infiel, um pai nada presente, um profissional inflexível e um subordinado pouquíssimo afeito às ordens superiores. Para completar, era vaidoso, boêmio, pretensioso, inconsequente e, por vezes, cruel, ao ponto de humilhar publicamente desafetos e de querer envenenar o professor exigentes nos tempos de faculdade. Como cereja no bolo, usou todo o seu conhecimento científico e influência política para construir a bomba atômica, a arma mais destrutiva inventada pela humanidade que tem a capacidade de exterminar não apenas os inimigos como a vida no planeta inteiro. É ou não é uma personagem redonda, hein?
Não é preciso dizer que Cillian Murphy, pela primeira vez como protagonista em um filme de Nolan, dá um verdadeiro show de interpretação. A força de sua atuação está muitas vezes em seu olhar, nos gestos e na postura. Repare que o ator não precisa dizer nada para expressar seus sentimentos. Ele é uma bomba (desculpe-me o trocadilho nem um pouco involuntário) de medos, ressentimentos, angústias e contradições. Visualmente, a representação cinematográfica de Robert Oppenheimer lembrou-me um pouco Sheldon Cooper de Jim Parsons (em uma versão, obviamente, mais velha e menos nerd). Desde já, Murphy é um dos candidatos ao Oscar de 2024. Ele pode até não ganhar o prêmio, mas certamente será indicado à premiação do ano que vem da Academia de Los Angeles.
Por falar em Academia, repare que o elenco de “Oppenheimer” está recheado de estrelas de primeira grandeza do cinema norte-americano. São nada menos do que cinco vencedores do Oscar: Matt Damon (no engraçadíssimo e caricato Coronel Groves), Casey Affleck (irreconhecível na pele de Boris Pash – juro que não reparei que fosse Affleck nesse papel), Rami Malek (como o físico nuclear David Hill), Gary Oldman (na figura emblemática do presidente Harry S. Truman) e Kenneth Branagh (como o cientista Niels Bohr). Para completar o time de atores (ou seria seleção?!) de Hollywood, ainda temos os espetaculares Robert Downey Jr. (candidatíssimo a estatueta de ator coadjuvante como Lewis Strauss), Emily Blunt (que, como a esposa de Robert, rouba muitas vezes as cenas da metade para o final do filme), Tom Conti (no hilário Albert Einstein) e Florence Pugh (encarnando a sensual e desnuda militante comunista que conquista o coração do protagonista).
Por mais que Cillian Murphy, Robert Downey Jr. (em seu melhor papel e desempenho na carreira), Emily Blunt e Matt Damon chamem mais a atenção da plateia de forma geral, um dos principais méritos de “Oppenheimer” é a atuação impecável de todo o elenco. A sensação é que não há ator ou atriz ruim nesse filme (e não há!). Todos vão muitíssimo bem, o que torna a narrativa do longa-metragem de Christopher Nolan ainda mais forte, contundente e dramática.
Por falar em narrativa, é preciso elogiar seu desfecho (calma que não damos o spoiler nos posts da coluna Cinema!). O desenlace do longa-metragem reserva boas e emocionantes surpresas. Admito que não matei antes da hora a charada da trama, daquelas que são óbvias só depois que a descobrimos. Gosto quando a resposta para o enigma principal da produção (quem traiu Robert Oppenheimer?!) está diante dos nossos olhos, mas vem ocultada de maneira brilhante pelo enredo perspicaz.
Saindo um pouco do conteúdo em si e entrando na seara da técnica narrativa, o filme “Oppenheimer” se diferencia do livro “Oppenheimer – O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano” principalmente pela escolha do tempo narrativo. Enquanto a obra de Kai Bird e Martin J. Sherwin recorre ao tempo cronológico (a história é retratada linearmente), a produção de Christopher Nolan utiliza o tempo psicológico (vai e vem entre passado, presente e futuro). Essa opção do diretor britânico me pareceu acertadíssima. Creio que parte do dinamismo do longa-metragem se deve aos recursos de flashback e de flashforward inseridos no enredo.
O fã mais atento da arte cinematográfica irá notar que os efeitos do flashback e do flashforward não foram inseridos em “Oppenheimer” sem um cuidado estético. Aí está outra questão admirável desta produção. Nolan utiliza as imagens coloridas e em preto e branco para pontuar ao espectador a ordem temporal da sua história. O filme começa embaralhando três períodos temporais distintos: (1) juventude de Robert Oppenheimer na Europa, (2) sessão de interrogatórios na salinha apertada e fechada ao público e (3) audiência aberta ao público no auditório gigantesco do Congresso norte-americano. Curiosamente, a parte mais antiga (momento 1) é transmitida por cores e as partes mais avançadas (momentos 2 e 3) surgem em preto e branco. Usei o termo “curiosamente” porque o mais comum seria assistirmos às passagens mais antigas em P&B e as mais recentes em cores. Ou seja, até nisso Christopher Nolan consegue nos surpreender.
O mais interessante desse efeito é que na medida em que a parte 1 do filme atinge cronologicamente a parte 2, as cenas da parte 2 se tornam automaticamente coloridas. O surgimento da cor na tela, portanto, indica a mudança temporal (fim da parte 1). E quando o momento que chamei de 2 atinge o momento 3, aí temos o colorido para essa última parte. Se pensarmos bem é um recurso simples, mas bastante impactante. Confesso que achei bonita e até mesmo poética essa opção estética de filmagem.
Já que falei das cenas em preto e branco, é legal mencionar que Christopher Nolan recorreu a uma tecnologia totalmente nova para gravá-las. Em parceria com a Kodak, o diretor rodou essas cenas em uma câmera IMAX com filtro preto e branco. A câmera foi criada exclusivamente para “Oppenheimer” e estreou justamente no set de filmagens. O efeito salta aos olhos da plateia logo de cara. Tive a impressão, no início da sessão, de que as tomadas em P&B eram reais. Ainda pensei: “Que interessante, eles mesclaram cenas reais e ficcionais”. Não caia nessa ilusão de ótica! É tudo gravação ficcional, algo que descobrimos sozinhos à medida que o longa-metragem vai se desenrolando.
Ainda tratando da tecnologia, as cenas das explosões nucleares do filme não tiveram o uso da computação gráfica, conforme seria o esperado para uma produção com orçamento generosíssimo. Segundo Nolan, ele quis transmitir mais veracidade às imagens ao simular os efeitos práticos da detonação dos explosivos. Não deve ter sido fácil fazer isso, mas o resultado valeu a pena (principalmente porque não há som na maioria das explosões, o que potencializa seu apelo visual!). As cenas das explosões estão maravilhosas. Para quem detonou um Boeing 747 de verdade nas filmagens de “Tenet”, expertise não faltou. O fato é que Christopher Nolan não é chegadinho em usar efeitos visuais em seus filmes. Ele prefere recriar efetivamente as cenas ao invés de passar a bola para a equipe técnica.
Outro componente interessante de “Oppenheimer” é o retrato de personalidades famosas. Por mais inverídicos que sejam os diálogos de Robert Oppenheimer com Albert Einstein (a dupla de cientistas se conheceu de verdade, mas jamais foi próxima ao ponto de discutir as consequências da detonação da bomba atômica na atmosfera terrestre), é engraçado acompanharmos o físico alemão em cena. Sua figura é tão marcante que chama muito atenção quando inserida no filme. Esse mesmo efeito ocorre (mas com menor intensidade) quando Harry S. Truman aparece. Aí sai o tom jocoso/cômico de um Einstein de cabelos brancos e esvoaçantes e entra em cena a impetuosidade de quem autorizou (aparentemente sem remorsos) a explosão das bombas em Nagasaki e Hiroshima.
Quem gosta de História, o longa-metragem de Nolan é importante para desfazer alguns maus entendidos. Reconheço que eu era um daqueles que fora ludibriado pela tese atualmente esdrúxula de que Robert Oppenheimer tinha passado os segredos da bomba atômica para os soviéticos em nome de uma equidade de posições entre as superpotências da Guerra Fria. Ouvi essa tese na época da escola e, desde então, acreditava piamente nela. Hoje sabemos que, conforme Oppenheimer sempre alegou, os cientistas da União Soviética chegaram (mais ou menos) sozinhos à sua própria bomba de hidrogênio. O mais ou menos entre parentes é porque havia sim espiões comunistas em Los Alamos (mais do que um, que o filme preferiu concentrar em apenas um único traidor) que transmitiram segredos de pesquisa para os cientistas de Moscou. Contudo, Robert Oppenheimer nunca esteve envolvido com tal vazamento de informações (como seus inimigos insistiram em acusá-lo).
Se temos essa reparação histórica, “Oppenheimer” segue martelando algumas linhas de pensamento que são difíceis de engolir para alguém minimamente inteligente e que viva fora dos Estados Unidos. Por questões políticas, o governo norte-americano sempre transmitiu a ideia de que as bombas lançadas em Nagasaki e Hiroshima pouparam vidas. Afinal, os japoneses (e seus soldados kamikazes) jamais iriam se render sem que uma atitude mais drástica fosse tomada. Se a guerra transcorresse normalmente, muito mais pessoas morreriam. Confesso que nunca comprei essa linha de raciocínio. Para mim, ela sempre soou como uma desculpinha esfarrapada para o maior atentado terrorista da humanidade (grande parte dos mortos eram civis). Se o povo norte-americano a aceitou, eu não aceito facilmente. Se Truman conseguia dormir a noite com isso na cabeça, eu não conseguiria se estivesse no lugar dele.
O filme também mostra os inúmeros argumentos para convencer os cientistas a participarem do projeto da criação da bomba de todas as bombas. Aí valia de tudo para seduzi-los: vaidade profissional, aversão ao nazismo, patriotismo norte-americano, afago intelectual, desafio científico e, acredite se quiser, espírito humanista. Quem concentra todas essas razões (em uma espécie de pot-pourri de desculpas para aliviar a consciência) é o próprio Robert Oppenheimer, que só se tornaria um opositor das armas nucleares no fim dos anos 1940. Confesso que sempre me perguntei como os cientistas aceitaram participar do Projeto Manhattan e integrar o Laboratório de Los Alamos. Nesse sentido, “Oppenheimer” é extremamente claro e didático nos motivos pessoais, acadêmicos e profissionais que levaram os principais cérebros dos Estados Unidos a embarcarem nessa empreitada aterrorizante.
Apesar de ser um filmão, a nova produção de Nolan não está imune aos problemas. Para começo de reclamação, três horas é muita coisa. Dava muito bem para ter cortado várias das cenas do interrogatório na salinha apertada e claustrofóbica. É justamente nesse ponto em que o longa-metragem se torna arrastado e pouco surpreendente (até porque sabemos o que aconteceu e não precisamos acompanhar as personagens rememorando os fatos). Com um pouco de esforço por parte do diretor e da equipe de edição, dava para sintetizar as descobertas de quais colegas traíram e de quais colegas foram fiéis até o fim ao protagonista. Duas horas e meia ou duas horas e quinze minutos de sessão estariam de bom tamanho.
Outro aspecto que preciso comentar é o excesso de personagens. Essa foi a principal reclamação da Bela Adormecida (que ressona e baba) ao final da sessão. Carla disse já na mesa da Cafeteria Havanna com cubanitos e cappuccino em mãos: “Teve uma hora que não sabia mais quem era quem”. Talvez não seja exatamente esse o pensamento de quem permanece acordado durante o filme inteiro. Mas é inegável que temos uma overdose de figuras em cena. Não dá para fixar e contextualizar todas elas. Também achei algumas personagens bastante caricatas.
Ciente dessas características peculiares de “Oppenheimer”, acredito que os cinéfilos vão curtir a nova produção de Christopher Nolan. Dentro do portfólio cinematográfico do diretor britânico, “Oppenheimer” se junta a “Dunkrik” como os dois integrantes da faceta dos dramas históricos ambientados na Segunda Guerra Mundial. Se esse pedaço do trabalho de Nolan não ganha em qualidade das ficções científicas, como o ótimo “Tenet”, o espetacular “Interestelar” e o brilhante “A Origem” (para mim, ainda o melhor filme do cineasta), pelo menos dá de goleada nos filmes de super-heróis, como “Batman Begins”, “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” e “Liga da Justiça” (Justice League: 2017), esse último com Christopher Nolan como executivo e não como diretor.
Confira, a seguir, o trailer de “Oppenheimer” (2023):
Conforme prometido, meu próximo desafio cinematográfico é assistir a “Barbie”. Combinado é combinado, Carlinha! Se o filme de Greta Gerwig for mesmo bom como todos estão falando, voltarei ao Bonas Histórias, mais especificamente à coluna Cinema, para analisá-lo com o devido cuidado. Do contrário, guardarei só para mim (e para a Bela Adormecida) a experiência de acompanhar Margot Robbie por duas horas vestida de rosa (que Scarlett Johansson não saiba!). Pensando bem, acho que não sairei tão decepcionado assim da próxima sessão.
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