Baseado nas histórias reais do Padre Gabriele Amorth, exorcista chefe do Vaticano, o longa-metragem apresenta um caso delicado de possessão demoníaca ocorrido na Espanha no final da década de 1980.
Neste final de semana, minha ideia era ir ao cinema para conferir “A Baleia” (The Whale: 2022), drama psicológico de Darren Aronofsky que rendeu o Oscar de melhor ator para Brendan Fraser. Esse filme estreou no circuito comercial brasileiro no finalzinho de fevereiro e eu ainda não consegui assisti-lo. Na minha cabeça, se não pudesse ver “A Baleia”, tinha como plano B uma dupla de longas-metragens mais voltada para o entretenimento e que entrou agorinha em exibição nas salas de cinema: “Air – A História por Trás do Logo” (Air: 2023) e “Sombras de Um Crime” (Marlowe: 2023).
Não preciso dizer que meu gosto cinematográfico é eclético, né? Diria beeeeem eclético. Se essa constatação possa ter causado alguma surpresa aos leitores do Bonas Histórias mais desavisados, é porque vocês não conhecem minhas preferências musicais... Nesse sentido, as surpresas contidas na coluna Músicas são maiores do que as apresentadas na coluna Cinema.
O problema é que minha programação cinematográfica original de sábado à noite foi por água baixo (literalmente, porque uma das culpadas foi a chuva!). Depois de uma andança quase aleatória e um tanto caótica pela cidade de São Paulo à tarde, não consegui ir ao Espaço Itaú de Cinema, ao Reserva Cultural nem ao Cine Belas Artes quando o sol (que sol?!) deu lugar à lua (que lua?!) no céu. Essas são justamente as redes de cinema com os repertórios que mais me agradam. É impossível visitar suas salas e não ter algo interessante para conferir.
Sem as alternativas infalíveis, minha única opção era o bom (?!) e velho (??) Cinemark do Shopping Tietê Plaza. Respirei fundo e fui à máquina de autoatendimento para escolher a melhor (ou seria a “menos ruim”?) opção disponível. Confesso que tenho até medo de chegar perto do catálogo de longas-metragens das exibidoras mais populares. Tenho a impressão de que elas só têm produtos para crianças, adolescentes e fãs de histórias de super-heróis. Se você tem um paladar um pouquinho mais refinado, há grande chance de cometer suicídio na hora de escolher o filme que irá assistir.
Minhas previsões não estavam erradas. Havia apenas quatro títulos disponíveis. E três foram descartados imediatamente: “Dungeons & Dragons – Honra Entre Rebeldes” (Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves: 2023), “Super Mario Bros – O Filme” (The Super Mario Bros. Movie: 2023) e “John Wick 4 – Baba Yaga” (John Wick: Chapter 4). Chega uma fase na vida do sujeito que ele não pode se rebaixar às sessões de cinema com produções baseadas em videogames, longas-metragens protagonizados por heróis dos quadrinhos, animações infantis e séries que de tão extensas exalam forte cheiro de caça-níquel. Assim, a única opção palatável era “O Exorcista do Papa” (The Pope's Exorcist: 2023), filme de terror estrelado por Russell Crowe.
Ufa! Mesmo não sabendo absolutamente nada a respeito deste título, tive a certeza de que ele salvaria minha noite. Afinal, a combinação de história de terror exorcista com atuação do eterno gladiador não poderia ser algo ruim, né? E “O Exorcista do Papa” passa sim no teste crítico da coluna Cinema, principalmente para os fãs do seu gênero cinematográfico – põe o dedo aqui que já vai fechar quem é maluquinho por este tipo de filme!!! É o que eu sempre digo: na dúvida, vá de terror. Não tem erro. Se ele for bom, você sentirá medo e sairá feliz da sala de cinema com a adrenalina e os sustos. Se o longa for ruim, você irá rir tanto que sairá com a alma leve da sessão. Em suma, não tem como não ter uma experiência negativa com os filmes de terror. Esse é um dos meus mantras.
“O Exorcista do Papa” foi dirigido por Julius Avery, jovem cineasta australiano conhecido pela direção em “Sangue Jovem” (Son of a Gun: 2014), “Operação Overlord” (Overlord: 2018) e “Samaritano” (Samaritan: 2022). Os roteiristas foram o grego Evan Spiliotopoulos, de “O Caçador e a Rainha do Gelo” (The Huntsman – Winter's War: 2016) e “As Panteras” (Charlie's Angels: 2019), e o australiano Michael Petroni, de “O Ritual” (The Rite: 2010) e “A Menina que Roubava Livros” (The Book Thief: 2013). Por falar na trama de “A Menina que Roubava Livros” (Intrínseca), originalmente um romance de Markus Zusak, ainda estou devendo a análise de “O Construtor de Pontes” (Intrínseca), a mais recente obra do escritor australiano. Porém, isso é assunto para outro post do Bonas Histórias e um tema para a coluna Livros – Crítica Literária...
Voltemos a falar do filme propriamente dito, Sr. Ricardo! “O Exorcista do Papa” é baseado em dois livros do italiano Gabriele Amorth: “Um Exorcista Conta-nos” (Paulinas), de 1990, e “Novos Relatos de Um Exorcista” (Palavra Prece), de 1992. Mais conhecido como Padre Amorth, Gabriele foi o exorcista chefe do Vaticano entre as décadas de 1980 e 1990. Figura popular e carismática na Europa, ele foi responsável por dezenas de milhares de exorcismos até seu falecimento em setembro de 2016, aos 91 anos. Sua atuação na caça aos demônios rendeu a produção de aproximadamente 20 livros, a participação em vários programas de televisão e rádio e a concessão de incontáveis entrevistas para a mídia impressa e audiovisual.
Padre Gabriele Amorth foi um dos mais importantes e famosos exorcistas da história. Para termos uma ideia de sua representatividade, podemos dizer que ele era uma espécie de Padre Quevedo para os italianos ou a versão religiosa e europeia do casal Ed e Lorraine Wanner. Curiosamente, o exorcista chefe do Vaticano reunia um pouco de cada uma dessas referências. Ele gostava dos holofotes da imprensa, como o meio-charlatão Padre Quevedo, e reunia conhecimentos e técnicas e promoveu inovações nas práticas exorcistas como o famoso casal norte-americano de demonologistas. Em outras palavras, Padre Gabriele Amorth era uma figuraça!
O longa-metragem de Julius Avery apresenta a versão ficcional do que seria o mais complicado caso de exorcismo do padre italiano. A produção de “O Exorcista do Papa” começou em 2020, quando o estúdio hollywoodiano Screen Gems, subsidiária da Sony Pictures, comprou os direitos da história dos herdeiros de Amorth. Depois de vários bate-cabeças, com direito a mudanças de direção e de roteiro, as filmagens foram realizadas entre agosto e outubro de 2022. Mesmo o enredo se passando essencialmente na Espanha, o principal set de filmagens foi a Irlanda, mais precisamente nas cidades de Dublin e Limerick. As cenas do Vaticano foram captadas, obviamente, em Roma.
Orçado em US$ 18 milhões, “O Exorcista do Papa” tem como principal peça do elenco Russell Crowe. Por mais que o ator neozelandês vencedor do Oscar pelo protagonismo em “O Gladiador” (Gladiator: 2000) seja completamente diferente das características físicas de Gabriele Amorth, além de ter um italiano pra lá de esforçado, é inegável que ele empresta seu enorme carisma para a sua personagem. Aos 59 anos recém-completados, o barbudo e rechonchudo Crowe está mais parecido ao nosso Mário Sérgio Cortella do que ao Padre Amorth. Para quem não conhece os aspectos físicos da versão real do antigo exorcista chefe do Vaticano, basta dizer que Gabriele era careca, magro, não tinha barba, usava óculos, não era alto e, claro, tinha um italiano fluente e sem sotaque. Ou seja, o protagonista do filme era totalmente oposto à caracterização que fizeram dele em “O Exorcista do Papa”. E você achando que colocar Wagner Moura como Pablo Escobar, em “Narcos” (2015-2017), foi uma ousadia, né? Sabe de nada, inocente!
Ao lado de Russell Crowe, temos um bom time de atores: Daniel Zovatto, do seriado “Penny Dreadful – City of Angels” (2020); Peter de Souza-Feighoney, em uma espetacular estreia no cinema; Alex Essoe, de “Minha Morte” (Death of Me: 2022); Franco Nero – esse sim parecidíssimo com o Papa João Paulo II no final da década de 1980 –, de “Django” (1966); Laurel Marsden, da série de TV “Mrs. Marvel” (2022); e Cornell S. John, de “Capitão América – Guerra Civil” (Captain America – Civil War: 2016). A voz do menino possuído é de Ralph Ineson, de “A Bruxa” (The Witch: 2016).
A estreia de “O Exorcista do Papa” nos cinemas brasileiros aconteceu em 6 de abril, exatamente a mesma data de sua chegada ao público cinéfilo da América do Norte (leia-se: Estados Unidos e Canadá) e das principais praças internacionais. Dos lançamentos de terror em 2023, posso dizer que esta produção de Julius Avery está no mesmo patamar de “M3gan” (2022), sucesso recente de Gerard Johnstone, outro cineasta da Oceania (ele é da Nova Zelândia), que comentamos há poucas semanas na coluna Cinema.
“O Exorcista do Papa” se passa em 1989. Como exorcista chefe do Vaticano, Padre Gabriele Amorth (interpretado por Russell Crowe) é enviado para resolver os casos de possessões demoníacas que pipocam na Itália e nos países vizinhos. Com jeitão falastrão e extremamente bem-humorado, ele atua nos episódios que são causados efetivamente por espíritos malignos. As pessoas que são perturbadas pela própria mente (e não por entidades sobrenaturais), o padre encaminha para tratamento psicológico. Segundo seus cálculos, apenas uma minoria dos casos pela qual é enviado cotidianamente requer exorcismo como solução. Mesmo assim, o italiano já acumula milhares de excomunhões pela Europa.
Muito famoso (seus livros são um grande sucesso!) e bastante influente (é o braço-direito do papa), Gabriele causa ciúmes e inveja entre os colegas do Vaticano. Há muitos religiosos que não gostam de sua postura pouco formal e de sua popularidade como caçador de espíritos. Não por acaso, o exorcista precisa conviver com alguns inquéritos da Igreja Católica que questionam suas práticas e seu trabalho pouco ortodoxo. Se dependesse do alto clero de Roma, Padre Amorth já teria sido expulso há muito tempo do Vaticano. Isso só não aconteceu porque Gabriele é apadrinhado pelo Papa (Franco Nero), que confia cegamente no exorcista chefe que ele mesmo colocou no cargo.
A confiança do Sumo Pontífice em seu funcionário é tamanha que Padre Gabriele Amorth é escalado para uma missão delicadíssima no interior da Espanha. Uma família norte-americana recém-chegada à Europa está sendo atormentada por um demônio bastante perigoso. Ciente dos pecados de seus colegas do passado e grande conhecedor da história da Igreja Católica na Península Ibérica, o Papa quer que seu principal exorcista cuide pessoalmente desse abacaxi capaz de abalar os alicerces de Roma.
Dessa maneira, lá vai Gabriele com sua inconfundível scooter vermelha e branca para o rincão espanhol. Ao chegar ao destino, o exorcista é recebido pelo Padre Esquibel (Daniel Zovatto). O jovem religioso da até então pacata paróquia local explica o que está acontecendo. Julia (Alex Essoe) se mudou para a Espanha com Amy (Laurel Marsden), a filha adolescente, e com Henry (Peter de Souza-Feighoney), o filho ainda criança. O trio passou por um grande trauma nos Estados Unidos. O marido de Julia morreu em um acidente de carro e deixou como herança para a esposa uma abadia antiga na Espanha. A ideia de Julia era usar o dinheiro do clã para reformar o imóvel e vendê-lo. Uma vez com a grana da transação imobiliária na mão, ela e os filhos iriam retornar para a América em situação financeira mais confortável.
O problema é que mal chegaram ao imóvel na Espanha, Julia, Amy e Henry assistiram a uma série de eventos estranhos, que culminaram no abandono da equipe de operários. Eles não quiseram mais trabalhar naquela antiga igreja, que julgaram mal-assombrada. Sozinha na abadia, a família norte-americana parecia não acreditar nas crendices do povo local. Isso até Henry começar a agir de forma muuuito estranha. Assustada depois de consultar os médicos e ouvir que o menino não tinha nenhum problema clínico, Julia convocou o inexperiente Padre Esquibel para resolver a questão que intrigava a todos. No primeiro contato com o garoto, Esquibel já notou que precisava urgentemente de ajuda profissional. Assim, surge em cena Gabriele Amorth com seu jeito de fanfarrão italiano. Ele vem de Roma especialmente para cuidar do que parece ser uma possessão espiritual.
O que o exorcista do Vaticano não podia imaginar é que o demônio que invadiu o corpo de Henry é o mais poderoso que ele enfrentaria até ali. Ciente das manhas e artimanhas que deram fama ao Padre Amorth, o capeta usará toda a sua incalculável força para não apenas impedir o trabalho do italiano como sua pretensão é invadir o corpo do amigo do Papa. Impressionado com a entidade sobrenatural que o está desafiando, Gabriele só tem como ajudante na complicadíssima tarefa o abestalhado padre espanhol que o recepcionou. Será que o novato Padre Esquibel será o parceiro ideal para esse tipo de empreitada? Assim começa o desafio da dupla Amorth e Esquibel contra o demônio que se apossou do pequeno e inocente Henry.
“O Exorcista do Papa” tem aproximadamente 1 hora e 45 minutos de duração. Admito que gostei de seu conteúdo. Por mais que o roteiro de Evan Spiliotopoulos e Michael Petroni traga uma avalanche de clichês (casa, no caso igreja, mal-assombrada; família atormentada por um espírito maligno; exorcista que tem uma missão difícil; segredos da Igreja Católica que se revelados podem trazer incontáveis dores de cabeça para Roma; espírito que deseja dominar o mundo ao se apossar do corpo de figuras poderosas; e dupla de exorcista em ação), ainda sim o filme é bom. Às vezes, mais vale o uso adequado das velhas receitas da sétima arte do que a perda de mão no uso imprudente de soluções inovadoras do cinema.
Vale destacar a direção segura de Julius Avery, em seu trabalho mais desafiador no cinema comercial – “Samaritano”, com orçamento seis vezes maior, foi uma produção da Amazon Prime. É verdade que o diretor australiano contou com roteiro redondinho, bons efeitos visuais, fotografia regular, ótimas cenas de ação, trilha sonora que não compromete e elenco de primeiro nível. Mesmo assim, ele não deixou a peteca cair.
O que chama a atenção logo de cara em “O Exorcista do Papa” é a presença de Russell Crowe no elenco. Por mais que o ator neozelandês não tenha NADA a ver com a figura verídica do Padre Gabriele Amorth, ainda sim ele consegue agradar a plateia com seu carisma e com o que representa para o cinema. Confesso que fui influenciado por sua presença no longa-metragem. Ao ver o protagonismo do ator de “Gladiador” no descritivo do filme, comprei meu ingresso sem titubear. “Se temos Crowe nesta produção, ela não deve ser ruim”, pensei com meus botões inexistentes da camiseta. Não por acaso, as estrelas da sétima arte recebem cachês estratosféricos, né? Assim como eu, dezenas de milhares de espectadores mundo a fora devem ter refletido da mesma maneira.
Por mais que Russell Crowe concentre as atenções do público e tenha feito bom trabalho em “O Exorcista do Papa”, quem se destacou mesmo foi o pequeno Peter de Souza-Feighoney. O garoto norte-americano deu show de interpretação no papel do possuído Henry. Saiba que não é fácil fazer esse tipo de personagem, ainda mais em uma estreia no cinema. Sem dar bola para a responsabilidade e para o desafio, Peter de Souza-Feighoney foi muitíssimo convincente, ora no papel da criança traumatizada pela perda precoce do pai, ora como o demônio que quer a alma do Padre Gabriele. Individualmente, ninguém foi melhor do que o ator mirim. Se bem que o elenco experiente, cada um a sua maneira, deu conta do recado perfeitamente. Em relação à atuação particular dos atores e atrizes, não há qualquer comentário negativo que possamos fazer.
Outra questão que merece elogios é o entrosamento da dupla principal de personagens do filme: Padre Gabriele Amorth e Padre Esquibel. Além de serem figuras planas (cada um com seus pecados e dramas pessoais e com características pouco comuns para religiosos), os dois exorcistas se complementam perfeitamente. O italiano é uma espécie de Axel Foley do Vaticano, o policial trambiqueiro imortalizado por Eddie Murphy em “Um Tira da Pesada” (Beverly Hills Cop: 1984). Com seu jeito desbocado, humor peculiar, tramoias para ludibriar as pessoas e os espíritos, o pouco zelo pelas formalidades sociais e da Igreja e alguns hábitos bem mundanos (quem não é chegadinho em um goró às vezes?), Gabriele encanta e convence a plateia desde o primeiro momento.
E o que já era bom fica melhor quando o exorcista chefe do Vaticano ganha como companheiro de trabalho um padre espanhol novato no ofício de caçar espíritos malignos. Padre Esquibel não entende nada de exorcismo e não tem a real dimensão da força do demônio que irá combater. Não à toa, comete erros de principiante que poderiam colocar tudo a perder. Mesmo com vontade de sair correndo da abadia mal-assombrada, ele se mantém firme como parceiro de Gabriele. Para completar, Esquibel possui questões particulares bem humanas para resolver: que chamo de pecados da carne. Ou seja, temos uma dupla de protagonistas bem humana, falível e complementar.
Parte da graça de “O Exorcista do Papa” está justamente nas características antagônicas da dupla de exorcistas. Em alguns momentos, confesso que a atuação dos religiosos me lembrou (segure-se na cadeira porque lá vem a bomba!!!) outra famosa dupla do cinema. Se você pensou que eu citaria Ed e Lorraine Wanner, da série “Annabelle”, se enganou. Erroooooooooooou! Minhas lembranças foram em direção a dois famosos atores italianos (e não no sentido do universo tradicional de Hollywood). Repare bem se o trabalho conjunto dos padres Amorth e Esquibel não se parece (já está preso ao assento?!) com a dinâmica de Bambino e Trinity, personagens imortalizados por Bud Spencer e Terence Hill em “Trinity é o Meu Nome” (Lo Chiamavano Trinità: 1970), hein?!
Seria uma loucura da minha cabeça misturar o velho Western Spaghetti com o thriller aterrorizante contemporâneo? Até pode ser. Contudo, ao assistir uma personagem alta, gorda, barbuda, mais velha e boa de briga (no caso, estamos falando da briga com os demônios, tá?) ao lado de uma figura baixa, magra, de cara limpa, jovem e boa de apanhar (surra dos espíritos pode ser mais perigosa do que as surras dos humanos) foi impossível não me recordar da mais famosa dupla do cinema italiano. Na minha cabeça, Bambino está para Padre Gabriele assim como Trinity está para Padre Esquibel. Pronto: falei!
Deixando de lado minhas viagens cinematográficas, “O Exorcista do Papa” tem ótimas cenas de ação. A ênfase do longa-metragem, como não poderia ser diferente, se direciona ao combate entre os exorcistas e o demônio. Todas às vezes em que os padres entram no quarto de Henry na abadia espanhola, o público fica sem ar. Não é para menos. Lá vem emoção e confusão! A única nota negativa neste caso é o uso de recursos visuais para lá de batidos quando as personagens são invadidas pela entidade demoníaca. Aí dale virada amalucada de pescoço, caminhada com trejeitos monstruosos, contorcionismo quebra-coluna na cama... Em quesito criatividade, a nota desta produção não foi alta.
Apesar do clímax estar no combate entre as forças do bem e do mal, os pontos altos do longa-metragem quando o assunto é emoção estão no começo e no desfecho. O início é ótimo porque em duas ou três cenas já conseguimos captar a personalidade e a dinâmica de trabalho do Padre Gabriele Amorth. Ele é uma figuraça e vê-lo cuidar dos demônios ou se relacionar com os colegas no Vaticano (que possuem seus próprios demônios) é hilário! Em relação ao término de “O Exorcista do Papa”, fiquei com a sensação de que os roteiristas deixaram abertas as possibilidades de termos continuações. Seria o nascimento de mais uma série cinematográfica? Pode ser. Mesmo com o enorme entrosamento e carisma da dupla de padres exorcistas, minha dúvida é se teríamos apelo de público para uma coleção de filmes à la “Annabelle”.
Outro ponto que preciso comentar é a excelente inserção da história sombria da Igreja durante a Idade Média no roteiro do longa-metragem. O período da Inquisição na Península Ibérica foi recheado de crimes e horrores praticados pelos líderes católicos. E o surgimento de um demônio superpoderoso que foi liberado das catacumbas de uma abadia espanhola nos dias de hoje (no caso, no final dos anos 1980) tem tudo a ver com esse passado apavorante. Adorei acompanhar uma explicação lógica, inteligente e histórica para a possessão de um garotinho e da assombração de uma residência/igreja. Infelizmente, nem sempre há a preocupação de se explicar tão sagazmente os motivos do surgimento das entidades maléficas nos filmes de terror.
Possivelmente influenciado por sua última produção, “Samaritano”, Julius Avery trouxe muitos elementos das tramas de super-heróis para “O Exorcista do Papa”. Apesar de não gostar (no caso, o termo “não gostar” é um eufemismo para odiar) as produções baseadas nos universos da Marvel e da DC, achei que essa característica caiu muitíssimo bem na trama de terror sobre demônios medievais. O mais legal foi ver que os superpoderes estão no lado dos vilões e não no lado dos mocinhos – admito que nunca vi graça em histórias em que os heróis reúnem conjuntos extensos e/ou intensos de habilidades sensacionais... No novo filme de Avery, a dupla de protagonista é muito humana e suscetível ao fracasso.
Sobre os pontos negativos de “O Exorcista do Papa”, posso citar, além do roteiro repleto de clichês que já mencionei, a pouca caracterização histórica. Se não fôssemos informados pela legenda no início do filme que o enredo se passa em 1989, na certa teríamos sérias dificuldades para datar quando a história se passa só com os elementos visuais disponíveis. No meu caso, eu cravaria que o longa-metragem acontece atualmente ou mesmo alguns anos atrás. Senti que a preocupação com as roupas, cenários e objetos utilizados em cena foi dialogar fundamentalmente com a ambientação e com a história da Igreja Católica. Aí sim o filme está impecável. Porém, quando ansiamos por ver elementos concretos da virada dos anos 1980 para os anos 1990, ficamos um tanto frustrados. Quando comparado a caracterização de produções cinematográficas que respeitaram os atributos históricos em cada detalhe, como por exemplo “Las Insoladas” (2014), “O Exorcista do Papa” passa vergonha.
Em relação ao roteiro, admito que só achei um equívoco. Como a trama se passa em 1989, é impossível o exorcista italiano se lastimar pela conquista da Copa do Mundo pela França. Afinal, a equipe francesa só ergueria o troféu da FIFA em 1998. Muito possivelmente, os livros de Gabriele Amorth se referiam ao sofrimento italiano com a desclassificação da Azurra pelos Le Bleus nas oitavas de finais da Copa do Mundo do México, em 1986. Infelizmente, os roteiristas demostraram total falta de conhecimento futebolístico ao embaralhar a agonia do protagonista pela última derrota de sua seleção (em uma época em que a Itália ainda ia para as Copas...) com o êxito francês no futuro próximo. Pelo menos foi essa sensação que tive com a piadinha do Padre Amorth sobre não desejar ver a conquista dos rivais.
Confira, a seguir, o trailer legendado de “O Exorcista do Papa” (The Pope's Exorcist: 2023):
Mesmo com altos e baixos, este filme salvou meu sábado à noite. Nunca imaginei que uma história sobre exorcismo iria espantar meus demônios internos quando o assunto é experiência nas redes mais comerciais de cinema. Por isso, nem me importei com a versão dublada (a única disponível!). Se tivesse que escolher entre “Dungeons & Dragons – Honra Entre Rebeldes”, “Super Mario Bros – O Filme” e “John Wick 4 – Baba Yaga”, minha decisão seria por um belo hamburguer do Big X Picanha. Quem disse que eu não gosto de um monstrão trash e saborosíssimo?! Talvez esse seja o meu novo mantra: se não tiver Espaço Itaú de Cinema, Reserva Cultural ou Cine Belas Artes, vá de Big X Picanha. Não tem erro!
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