Lançado nos cinemas brasileiros na segunda metade de janeiro, esse longa-metragem apresenta a história aterrorizante de uma boneca assassina que é guiada pela Inteligência Artificial.
As últimas semanas de janeiro e as primeiras semanas de fevereiro costumam reservar ótimas opções para quem visita as salas de cinema. Afinal, temos à disposição, neste período, boa parte das produções que concorrem ao Oscar. Às vezes, é até difícil escolher o que assistir tamanha é a variedade de ótimos longas-metragens em cartaz. Em 2023 não foi diferente. O mais legal é que neste ano os cinéfilos brasileiros tiveram uma vantagem extra: a Semana do Cinema.
Na nova edição do evento organizado pela Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (FENEEC) e apoiado pela Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadores de Multiplex (ABRAPLEX), os ingressos das principais redes (Cinemark, Espaço Itaú de Cinema, Petra Belas Artes, Kinoplex, Playarte, Cinesystem, Arteplex, Cineart e Cinépolis) saíam pelo valor fixo de R$ 10,00. A promoção da Semana do Cinema durou de 9 a 14 de fevereiro. Não preciso dizer que visitei diariamente as salas de cinema de quinta-feira da semana passada até ontem, né? Acabei frequentando o Cinemark do Tietê Shopping (o mais pertinho de casa) e o Espaço Itaú de Cinema do Bourbon Shopping Pompeia (aquele com o melhor cardápio do evento na cidade de São Paulo).
E o que vi de bom nos últimos dias, hein?! Confesso que fiquei encantado com “Os Banshees de Inisherin” (The Banshees of Inisherin: 2022), filme do britânico Martin McDonagh que é ambientado na Irlanda. Essa produção é, desde já, a minha favorita para angariar uma infinidade de estatuetas na cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles em 12 de março. Não ficarei nem um pouco surpreso se essa memorável comédia dramática (“Os Banshees de Inisherin” começa como uma comédia singela para se transformar em um terror psicológico dos mais intensos) levar para a casa a maioria dos prêmios das categorias de interpretação: melhor ator (Colin Farrell), melhor ator coadjuvante (Brendan Gleeson) e melhor atriz coadjuvante (Kerry Condon). Também acredito que o longa-metragem anglo-irlandês poderá voltar com a estatueta de melhor direção (McDonagh), melhor roteiro original (McDonagh) e melhor filme da temporada. Pelo menos essas são as minhas apostas para o Oscar 2023.
Por que estou falando isso? Porque há muito tempo não via um filme que aliasse um roteiro tão inteligente com um elenco tão capacitado. Além disso, “Os Banshees de Inisherin” consegue proporcionar uma variedade de sentimentos contraditórios na plateia. É impossível ficarmos indiferentes ao seu conteúdo e ao seu conflito de tirar o fôlego. Se você ficou curioso(a) para conhecer em detalhes essa produção, não se desespere. No mês que vem eu irei comentá-la em profundidade aqui no Bonas Histórias. Quero fazer um post sobre esse longa-metragem antes da cerimônia do Oscar. Aí ninguém poderá dizer que só analisei a obra-prima de Martin McDonagh porque ela ganhou o Oscar na categoria de melhor filme.
Também fiquei impressionado positivamente com “Tár” (2022), drama de Todd Field. Esse título é tão fidedigno, mas tão fidedigno que até parece uma cinebiografia. Porém, não caia nas armadilhas das aparências. O longa não retrata uma história real. Ele é apenas (apenas?!) uma ficção da melhor qualidade. Só (só?!) isso. Por falar nas estatuetas de interpretação, me parece barbada o Oscar de melhor atriz ir para o espetacular desempenho de Cate Blanchett. Nicole Kidman e Margot Robbie que me desculpem (vocês sabem que eu amo vocês!), mas não há atriz australiana melhor do que Blanchett na atualidade. Ela dá um verdadeiro show de interpretação em “Tár” e potencializa o já ótimo enredo do longa-metragem de Field. Vale a pena conferi-los (o filme e o trabalho da atriz).
A decepção ficou por conta de “Babilônia” (Babylon: 2022), drama histórico de Damien Chazelle. O novo filme do diretor de “Whiplash – Em Busca da Perfeição” (Whiplash: 2014) e “La La Land – Cantando Estações” (La La Land: 2016) não é ruim, não. Se você é um(a) cinéfilo(a) inveterado(a) como eu, na certa irá curtir as confusões semibiográficas que rolavam no início do século XX nos bastidores da indústria do cinema dos Estados Unidos. Além de ter uma trama interessante, “Babilônia” traz um elenco estrelar. Brad Pitt e Margot Robbie estão em ótima forma e seguram a bomba em uma trama exigente.
O problema, na minha visão, é que esse longa-metragem está aquém das outras produções de Chazelle que comentamos aqui na coluna Cinema. Para mim, “Whiplash – Em Busca da Perfeição” e “La La Land – Cantando Estações”, por exemplo, são muito melhores do que “Babilônia” (e foram realizados com orçamentos mais modestos). Admito que esperava mais dessa superprodução e do trabalho de Damien Chazelle, um dos meus diretores favoritos. Infelizmente saí da sala de cinema com uma ponta de frustração e com algumas dores nas costas com as mais de três horas de sessão. Ficar velho não é fácil, meus amigos e minhas amigas.
Contudo, da perspectiva da edição de fevereiro de 2023 da Semana do Cinema, o filme que achei mais apropriado para ser comentado com vocês, hoje, no Bonas Histórias é outro. Ufa! Enfim cheguei ao assunto principal deste post da coluna Cinema. Minhas introduções estão assustadoramente maiores a cada semana. Ai, ai, ai. Estou desviando do tema do post de novo. Foco, Ricardinho. Foco, meu rapaz! Você consegue terminar essa análise com o mínimo de dignidade.
Reconheço que o longa-metragem escolhido para este debate (viu, retornei para o assunto novamente!) está distante de concorrer às principais estatuetas do Oscar (sequer teve uma única indicação à premiação de março). Mesmo assim, creio que essa produção tem a capacidade de entreter a plateia com uma história mais ou menos original, cenas eletrizantes, ótimas personagens e um conflito extremamente atual. Estou me referindo, claro, a “M3gan” (2022), o novo longa-metragem do neozelandês Gerard Johnstone que chegou aos cinemas brasileiros na segunda metade de janeiro. Justamente no instante em que assistimos ao impacto do lançamento comercial e/ou do uso mais disseminado de ferramentas como Dall-E e do ChatGPT, conferir uma ficção científica que trata dos perigos da Inteligência Artificial é tarefa providencial.
Orçado em US$ 12 milhões, “M3gan” foi roteirizado pela norte-americana Akela Cooper, mais conhecida pelos trabalhos nas séries de televisão. Cooper usou como base para seu roteiro uma trama que escreveu em conjunto com o malaio James Wan, figurinha carimbada nas produções cinematográficas de terror nos últimos anos. Celebrado pela série “Annabelle”, Wan é um dos produtores aqui, ao lado de Jason Blum.
É importante dizer que “M3gan” foi o segundo longa-metragem dirigido pelo jovem Gerard Johnstone, que atua mais comumente como roteirista e diretor de séries de TV. Seus trabalhos televisivos de maior destaque até aqui foram “The New Legends of Monkey” (2018), “Terry Teo” (2016) e “The Jaquie Brown Diaries” (2008 e 2009). Nas telonas, a estreia de Johnstone na direção se deu com “Housebound” (2014), filme neozelandês de terror.
No elenco principal de “M3gan”, temos Amie Donald, Jenna Davis, ambas estreantes no cinema comercial, Allison Williams, de “Corra!” (Get Out: 2017), e Violet McGraw, de “Doutor Sono” (Doctor Sleep: 2019). Na equipe de apoio, o filme de Gerard Johnstone ainda traz os atores Ronny Chieng, Brian Jordan Alvares e Stephane Garneau-Monten e as atrizes Jen Van Epps e Lori Dungey.
Gravado entre junho e agosto de 2021 em Los Angeles, nos Estados Unidos, e em Auckland, na Nova Zelândia, “M3gan” ainda teve no pós-produção a inserção de efeitos especiais. O uso da tecnologia se deu para que a boneca que protagoniza o longa-metragem tivesse a mescla ideal de parecer um brinquedo em alguns momentos e de emular o comportamento de uma criança real em outros momentos. O resultado, admito, ficou espetacular, ainda mais para uma produção com um orçamento limitado (para os padrões de Hollywood)!
Lançado em 6 de janeiro nos cinemas norte-americanos e canadenses (e duas semanas depois no restante do planeta), “M3gan” surpreendeu positivamente a crítica cinematográfica. A imprensa especializada rasgou elogios à mistura bem azeitada de ficção científica e trama de terror. A resposta dos espectadores também foi satisfatória. O filme angariou ótima bilheteria tanto na América do Norte quanto nas praças do exterior desde a primeira semana em cartaz. Só no primeiro dia nos cinemas dos Estados Unidos e Canadá, “M3gan” arrecadou surpreendentes US$ 11 milhões e terminou a semana de estreia na segunda posição – atrás apenas de “Avatar – O Caminho da Água” (Avatar – The Way of Water: 2022).
Algo que ajudou bastante na divulgação do longa-metragem foram as cenas da boneca assassina dançando ao som de “Dolls”, música de Bella Poarch, e “Walk the Night”, canção de Skatt Brothers. As dancinhas da menina-robô viralizaram nas redes sociais, principalmente no TikTok, e foram parodiadas pelo público antes mesmo do filme chegar às telonas. Até meados de fevereiro, para termos uma ideia de seu êxito comercial, “M3gan” se aproximava da belíssima marca de US$ 170 milhões obtidos exclusivamente com a venda de ingressos (aproximadamente US$ 90 milhões nos Estados Unidos e Canadá e cerca de US$ 75 milhões nos demais países). Nada mal para uma produção que custou um décimo desse valor, né?
O enredo de “M3gan” começa com a viagem de carro da família de Cady (interpretada por Violet McGraw), uma menina de aproximadamente dez anos e filha única, para as montanhas nevadas. Os pais da garotinha querem que ela conheça a neve e passe algumas horas ao ar livre. Contudo, durante o trajeto pela estrada, uma forte nevasca encobre a visão dos viajantes e um caminhão de limpeza de neve acerta violentamente o veículo onde Cady e seus parentes estão. Os adultos morrem na hora e a menina sobrevive por sorte. Como os avós da agora órfã moram na outra parte do país, Cady é enviada, assim que deixa o hospital, para os cuidados da Tia Gemma (Allison Williams), a pessoa mais próxima tanto em parentesco quanto em geografia.
O problema é que Gemma não esperava cuidar de uma criança após a tragédia ocorrida com a irmã e o cunhado. Na verdade, ela não está preparada para conviver com a sobrinha e com nenhum outro ser humano na mesma residência. Workaholic, solitária e pouquíssimo comunicativa fora do ambiente de trabalho, a moça é uma graduada executiva de uma das maiores empresas de brinquedo dos Estados Unidos. Sua função é desenvolver bonecas e bonecos robóticos que a meninada ame e queira comprar custe o que custar. E como roboticista, vale a menção, Gemma é uma profissional genial.
Depois de emplacar um dos mais incríveis sucessos mercadológicos do universo infantil dos últimos anos, a executiva tem como próximo projeto a criação de um robô chamado M3gan, acrônimo de Model 3 Generation Android. A proposta da M3gan é ser uma mistura de melhor amiga das crianças e babá cuidadora. Com o robozinho por perto, os pais não precisarão mais se preocupar em ficar o tempo inteiro de olho na criançada. Atire a primeira pedra quem nunca sonhou com um produto desse tipo, hein?! A boneca com traços humanos e guiada pela Inteligência Artificial se encarrega de tudo para que os adultos tenham momentos de tranquilidade e paz no lar. E M3gan ainda tem a capacidade para entreter a meninada de uma maneira lúdica, divertida e segura. Se você conhece um brinquedo melhor do que esse, me avise, por favor, porque eu desconheço!
Pressionada pelo chefão da multinacional em que trabalha (Ronny Chieng) a lançar mais uma grande novidade e angustiada por não ter tempo e paciência para cuidar da sobrinha, Gemma tem uma ideia aparentemente perfeita. A solução para seus problemas profissionais e domésticos está ali do lado. E se ela levasse para casa um protótipo de M3gan para que Cady testasse?! Assim, a tia poderia ver na prática o desenvolvimento de seu novo robô e, para completar, não precisaria mais se preocupar com a educação e os cuidados da pequena hóspede (ou seria a mais nova moradora de sua casa?!). Com tal tacada de mestre, a executiva mata dois coelhos com uma cajadada só (eita expressão mais politicamente incorreta, meu Deus!).
E, assim, Cady conhece M3gan (interpretada por Amie Donald e dublada por Jenna Davis). Carente de afeto e de atenção, a menina rapidamente adora o presente que a tia lhe oferece (com segundas e terceiras intenções, claro!). Em pouco tempo, Cady e M3gan se tornam melhores amigas e não conseguem mais ficar separadas um segundo sequer. Além disso, a robozinha, que tem o tamanho, a fisionomia e os trejeitos hiper-realistas de uma garota de verdade, consegue resultados inacreditáveis logo de cara quando o assunto é educação infantil. Basta uma palavra de M3gan para que Cady a obedeça instantaneamente.
Empolgadíssima com os resultados iniciais do protótipo de sua invenção, que tem potencial revolucionário no mercado mundial de brinquedos, Gemma sente-se segura para deixar a sobrinha em casa sob os cuidados do robozinho e voltar a mergulhar no trabalho. O objetivo da ambiciosa executiva é terminar o quanto antes a versão definitiva e comercial de M3gan e lançá-la para os consumidores finais. Não é preciso dizer que o chefão da companhia está encantado com a chance de faturar uma pequena fortuna com o novo invento de sua talentosa projetista. De repente, tudo está perfeito outra vez na rotina de Gemma.
O problema (ou você achou que não teríamos um conflito aqui?!) é que, pouco a pouco, M3gan começa a sair do controle. Conforme as instruções programadas por Gemma, a boneca humanoide tem a missão de proteger Cady física e emocionalmente e não a deixar sozinha. E guiada pelos avançados recursos da Inteligência Artificial e por uma forte proximidade/sincronia com a sua proprietária mirim, M3gan irá fazer qualquer coisa para que a sobrinha de Gemma não sofra nenhum tipo de frustração nem entre em perigo iminente. Você reparou no que eu disse na frase anterior: a boneca-robô fará qualquer coisa para proteger Cady. Qualquer coisa!!! Ao enxergar inimigos em todos os lugares, o robozinho se tornará violento, possessivo e extremamente ciumento, tal qual uma pessoa com distúrbios de psicopatia. Aí nada e ninguém poderão impedi-lo de ficar ao lado de sua melhor amiguinha, como se ele fosse um soldado sanguinário.
A partir desse ponto do filme, temos uma trama de terror psicológico das mais interessantes e movimentadas. Quando uma tecnologia avançada sai do controle, nós todos sabemos o quanto de dor de cabeça ela poderá trazer para a sociedade. E eu reclamando da queda eventual da Internet ou do travamento ocasional do meu notebook... No caso específico do enredo deste longa-metragem, a destemperada M3gan se transforma em um boneco com instintos assassinos, capaz de atentar contra a vida dos funcionários da empresa de Gemma e, principalmente, da família da roboticista. Incrível, não?
Com duração aproximada de uma hora e quarenta minutos, “M3gan” pode ser descrito como uma das surpresas positivas do cinema norte-americano nesse comecinho de ano. O filme de Gerard Johnstone não conquistará, como já disse no início deste post da coluna Cinema, as principais premiações da sétima arte e de Hollywood. Acredito que nem seja essa a sua real pretensão. Todavia, ele tem o poder de agradar em cheio quem procura um entretenimento inteligente, uma produção bem-feita e uma narrativa cinematográfica saborosa. Ou seja, é o título ideal para levar uma multidão às salas de cinema no primeiro trimestre de 2023. Se esse também é o seu desejo, aconchegue-se na poltrona porque você está na sessão certa. Vamos analisar com mais detalhes, no Bonas Histórias, essa encantadora e astuta produção de Johnstone.
Para começo de conversa (conversa analítica, tá?), “M3gan” tem um roteiro redondo, redondinho. Sua narrativa não tem qualquer falha aparente (eu pelo menos não achei!) e as peças do enredo se ajustam perfeitamente entre si. Essa característica fica mais evidente na metade final do longa-metragem, quando surpresas e novidades pertinentes à trama surgem e conseguem empolgar a plateia. É muito legal acompanhar um roteiro coeso e perspicaz do início ao fim. Exatamente por isso, precisamos tirar o chapéu para o trabalho espetacular de Akela Cooper neste filme. A roteirista norte-americana transformou uma boa história ficcional em um excelente enredo cinematográfico. É claro que a direção impecável de Gerard Johnstone ajudou a potencializar a produção para um nível elevado de excelência.
Acho importante destacar que o conflito do longa-metragem se dá porque M3gan é ainda um protótipo. E a boneca-robô não foi configurada com as leis da robótica que Isaac Newton imortalizou tão brilhantemente na ficção. Quem leu “Eu, Robô” (Editora Aleph) sabe o que estou dizendo. A primeira regra que o autor clássico da ficção científica desenvolveu foi: “Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal”. Pelo visto, Gemma, por mais competente que seja, se esqueceu de colocar esse item na programação de M3gan. E sem essa linha no código fonte do brinquedo, você é capaz de imaginar o que pode acontecer de errado daí em diante, né?
A trilha sonora de “M3gan” está impecável e merece sim ser elogiada. O mais legal é notar o contraste das músicas calmas, doces e até mesmo infantis com o comportamento transloucado, psicopata e, por que não, adulto da menina (menina?!) M3gan. Além das já citadas “Dolls” e “Walk the Night”, canções de Bella Poarch e Skatt Brothers, respectivamente, que dão um colorido especial às cenas mais midiáticas do filme (aquelas das dancinhas da boneca em acesso de fúria assassina), essa produção também traz “It´s Nice to Have a Friend”, de Taylor Swift, e “Freedom Fry”, de Le Point Zéro. Essas são as faixas comerciais de “M3gan”, se assim podemos chamá-las.
Além do quarteto de músicas comerciais, o longa-metragem tem quase três dezenas de trilhas instrumentais que foram criadas por Antony Willis, um dos bons compositores da sétima arte na atualidade. Em seu portfólio artístico, Willis tem participações em “Bela Vingança” (Promising Woman: 2020), “Monsters Trucks” (2017) e “Perdido em Marte” (The Martian: 2015). Não é errado dizermos que este é um filme para se ver e, obviamente, para se ouvir.
Por falar em música, não dá para comentar “M3gan” e não falar das cenas do robô-brinquedo dançando alegremente enquanto caça os humanos por aí. O uso desse recurso tem dois efeitos mais imediatos. Em primeiro lugar, ele potencializa a divulgação do filme nas redes sociais. Trata-se de algo fundamental em uma época de onipresença do marketing digital em nosso cotidiano. Acredite em mim: teve uma época em que os profissionais da comunicação e publicidade trabalhavam sem usar a Internet. Bons tempos aqueles! Depois, esse expediente narrativo e cinematográfico traz leveza e humor para vilã da história. Impossível não nos encantarmos e nos solidarizarmos com uma garotinha dançando feliz da vida (mesmo quando se prepara para matar as pessoas ao seu redor).
Ainda versando (no caso, proseando) sobre esse tema, note que M3gan é uma boneca-robô com pegada pop. Ela brinca, dança, canta e tem um apurado senso de humor. No aspecto cinematográfico, a vilã (ou a anti-heroína do longa-metragem para respeitarmos os elementos da narrativa ficcional e, principalmente, a classificação dos tipos de personagem) pode ser vista como a versão contemporânea, feminina e robótica de Chucky, o protagonista de “Brinquedo Assassino” (Child´s Play: 1988). Aí saem de cena os elementos sobrenaturais e fantasmagóricos que comandavam o boneco (algo, convenhamos, démodé no século XXI) e entra no palco da sétima arte os perigos da Inteligência Artificial (esse sim um elemento com a cara dos novos tempos).
De alguma maneira, M3gan pode ser vista como a mistura de Chucky e HAL 9000, do clássico “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (2001 – A Space Odyssey: 1968). Os(as) cinéfilos(as) de plantão também podem enxergar a boneca robótica como a união de Brahms, de “O Boneco do Mal” (The Boy: 2016), e Johnny 5, de “Um Robô em Curto-circuito” (Short Circuit: 1986). Ou como o improvável fruto do casamento de Ted, protagonista de “Ted” (2012) e “Ted 2” (2015), com Rachael, de “Blade Runner – O Caçador de Androides” (Blade Runner: 1982). Ainda no campo das comparações, M3gan seria a integração diabólica de Annabelle, da série homônima, com a personagem principal de “Chappie” (2015). Como deu para ver, não faltam referências para esta personagem.
Para quem gostou desse exercício intertextual, digo que Gemma pode ser a versão contemporânea e feminina de Nathan Bateman, o criador de Ava, o robô humanoide de “Ex_Machina – Instinto Artificial” (Ex Machina: 2014). E Cady seria a versão infantil e inocente do pobre Caleb. Seguindo essa linha, não é preciso listar as semelhanças de M3gan e a própria Ava, né? Por falar nisso, há mais semelhanças entre o novo filme de Gerard Johnstone e a antiga produção de Alex Garland do que a vã psicologia cinematográfica poderia supor. Se você tem um bom repertório dentro da ficção científica quando o assunto é Inteligência Artificial (ou assistiu a “Ex_Machina – Instinto Artificial”), talvez você não seja tão impactado(a) com o enredo de “M3gan”.
Ainda falando das características da personagem principal do novo filme, achei impecável a mescla de artificialidade e humanidade do robô. Quando começamos a ver M3gan como uma menina real, entram na tela cenas da boneca como um brinquedo. Quando vislumbramos M3gan como um mero aparelho eletrônico, a Inteligência Artificial e o design ultrarrealista entram em ação e nos surpreendem como se ela fosse uma garota de fato. Admito que gostei bastante dessa dicotomia. Por isso, achei perfeitamente aceitável quando M3gan começa a agir (tanto em relação aos movimentos quanto em relação aos aspectos psíquicos) muito mais como uma menina real do que como um robô. Não há nada de inverossímil nisso!
Outro aspecto do roteiro que preciso elogiar é o excelente ritmo narrativo de “M3gan”. Em poucos minutos, assistimos ao drama de Cady (por ficar órfã) e o desespero de Gemma (por ter que cuidar da sobrinha). Aí, a tia apresenta M3gan à menina e as “duas crianças” se tornam as melhores amigas. Essa série de fatos ocorre rapidamente, sem enrolação. A partir daí, vamos para a segunda etapa do longa-metragem, justamente aquela que possui maior tempo de duração e maior número de cenas. Nessa nova fase, a preocupação é mostrar o processo de aprendizado de M3gan que é baseado na Inteligência Artificial e na sintonia com a sua proprietária. Nada mais justificável, né? A boneca vai adquirindo vontades próprias e age cada vez mais de maneira independente. Nessa segunda parte da produção cinematográfica, o suspense e a tensão se elevam a níveis louváveis. A preocupação da plateia agora não é tanto com o que a boneca-robô faz de fato e sim com o que ela poderá fazer dali em diante (até onde M3gan irá chegar em sua maluquice psicopata?!).
Quando a roboticista e seus colegas de trabalho percebem que há algo de muito errado com o protótipo que está para ser lançado no mercado, já é tarde demais. M3gan saiu do controle e se torna uma boneca assassina. Quando a ficha da equipe de desenvolvedores do brinquedo cai, o filme chega ao clímax. Ou seja, temos a terceira e última parte do longa-metragem. A partir desse ponto, a produção se torna uma legítima trama de terror com muitas cenas de ação. Aí a adrenalina correrá solta! Alguém conseguirá parar os instintos violentos e a sanha sanguinolenta da criatura concebida por Gemma? É essa a dúvida que irá atormentar a plateia até o final da sessão.
Resumidamente, achei “M3gan” mais um thriller de ficção científica do que um filme de terror propriamente dito. Apesar de ter algumas (boas) cenas com forte pegada aterrorizante em seu desenlace, essa produção não é capaz de assustar os espectadores nas salas de cinema. Se você deseja levar sustos e passar realmente medo, há outros títulos melhores em cartaz. Contudo, não vejo essa característica de “M3gan” como um demérito do filme. Gostei de como ele foi concebido. Na minha visão, ele ficou até mesmo mais interessante e rico como suspense do que como uma trama de terror.
Por falar nisso, é curioso relatar que o longa-metragem precisou passar por uma nova bateria de gravações porque a versão inicial tinha ficado justamente muito violenta. Na hora da edição, o diretor ficou assustado com as cenas que tinha à disposição e temeu dar uma conotação mais pesada ao filme. Assim, na segunda fase de filmagens de “M3gan”, a proposta foi amenizar o conteúdo. Por tal perspectiva, Gerard Johnstone foi bem-sucedido. Talvez seus críticos mais ferrenhos possam dizer que aí ele amenizou demais. Tudo é ponto de vista. Eu, como já falei, gostei do resultado.
Confira, a seguir, o trailer legendado de “M3gan” (2022):
Se você gostou da proposta de “M3gan”, saiba que seus produtores já programaram a continuação do filme da boneca robótica assassina. “M3gan 2.0” deverá ser lançado em janeiro de 2025 e trará mais uma vez Akela Cooper como roteirista e a dupla de atrizes Allison Williams e Violet McGraw como as protagonistas. Só falta mesmo a definição se Gerard Johnstone seguirá na direção. O neozelandês está neste momento em negociação com o estúdio hollywoodiano. Torçamos para que as duas partes cheguem a um acordo vantajoso para ambas. A produção de “M3gan 2.0” deverá permanecer com James Wan e Jason Blum. Afinal, em time que está ganhando...
Por falar em continuação, quero trazer para a próxima análise da coluna Cinema a minha avaliação completa de outro longa-metragem que vi nesta Semana do Cinema e que me encantou. Estou me referindo, claro, a “Os Banshees de Inisherin”. Comentei rapidamente no início deste post do Bonas Histórias o quanto esta produção anglo-irlandesa de Martin McDonagh é diferenciada e possui uma qualidade absurda.
Como estou com fortes suspeitas (no caso, é mais intuição do que suspeitas, tá?) que esse filme será o grande destaque positivo da próxima cerimônia do Oscar, não quero deixar de comentá-lo antes da entrega das estatuetas pela Academia de Los Angeles. Vai que a comédia-dramática de McDonagh ganha e os leitores da coluna Cinema vão dizer: e o Ricardo nem discutiu o vencedor?! Para evitar um constrangimento deste tipo, quero debater com vocês “Os Banshees de Inisherin” em todos os detalhes até 13 de março. Aí ninguém poderá me acusar de omissão ou descaso.
Dessa forma, não se sintam sozinhos, cinéfilos e cinéfilas do meu Brasil recheado de confete e serpentina! Nós estaremos sempre sincronizados. Até a próxima!
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