Em cartaz no Sesc Pompeia até 15 de julho, a exposição apresenta imagens inéditas da floresta tropical que foram captadas pelo fotógrafo brasileiro.
Nesse comecinho de abril, há várias exposições interessantes em cartaz na cidade de São Paulo. Dá para citar logo de cara “Beyond Van Gogh”, imersão audiovisual no trabalho do mestre holandês em exibição no MorumbiShopping, “Adriana Varejão – Suturas, Fissuras, Ruínas”, maior mostra da principal artista plástica brasileira da atualidade que está na Pinacoteca, “Espuma Delirante”, nova apresentação surrealista de Rafael Silveira trazida pelo Farol Santander, e “Cartas ao Mundo”, espécie de exposição-manifesto sobre Glauber Rocha desenvolvida por Bia Lessa e à disposição do público no Sesc Avenida Paulista.
Diante de tanta opção com excelente qualidade, o que eu poderia visitar no último sábado, hein?! Minha escolha foi ditada pela proximidade geográfica de casa. Assim, fui conferir “Amazônia”, a nova mostra fotográfica de Sebastião Salgado que está em cartaz no Sesc Pompeia desde 15 de fevereiro. Afinal, podia ir e voltar caminhando do centro cultural da Zona Oeste, uma facilidade que nenhum paulistano abre mão seja em dias de semana, seja aos finais de semana. E para lá rumei, mesmo com a cara de garoa que permeou o sábado inteiro. Para felicidade geral do meu ser, tal alternativa se revelou acertadíssima, tanto que resolvi escrever esse post para a coluna Exposições. Se eu não estiver enganado, fazia um tempinho que não produzia algo com esse conteúdo para o Bonas Histórias. A última exposição que analisei no blog foi “Farsa: Língua, Fratura, Ficção – Brasil-Portugal”, que foi apresentada justamente no Sesc Pompeia no início de 2021.
A nova exposição do principal fotógrafo brasileiro contemporâneo está simplesmente imperdível. Confesso que saí boquiaberto de suas instalações. Se já havia gostado bastante de “Gold – Mina de Ouro Serra Pelada”, a última mostra fotográfica de Sebastião Salgado que recebemos em São Paulo, em 2019 (em um período pré-pandemia), agora posso dizer em letras garrafais que ADOREI “Amazônia”. A grande diferença entre as duas exposições está no ineditismo das imagens apresentadas (o que impacta, querendo ou não, em nossa receptividade). Se “Gold” trazia fotos clássicas de Salgado em Serra Pelada na década de 1980 (algumas delas estamparam os livros escolares da minha época de estudante do primeiro grau), “Amazônia” revela cenas inéditas capturadas na imensidão da maior floresta tropical do mundo. Impossível não se sentir mais impactado com as novidades recebidas dessa vez.
A exposição “Amazônia” chegou a São Paulo após ser apresentada no exterior em cidades como Nova York, Londres, Roma e Paris. Por onde passou, ela foi muito elogiada. A impressão que temos é que o trabalho de Sebastião Salgado, sempre voltado para a crítica social e para a denúncia ambiental, está cada vez mais atual e relevante. As 205 fotografias, os sete vídeos, as duas projeções fotográficas e os quatro mapas ilustrativos de “Amazônia” contemplam pouco mais de duas décadas do clicar do fotógrafo por essa região do Brasil. Há imagens tiradas nos anos 1990, 2000 e 2010. A maioria delas, contudo, foi captada nos sete anos em que o fotógrafo acabou indo e vindo regularmente à floresta em meados da década passada. Vale a pena dizer que o projeto “Amazônia” começou assim que “Gênesis" foi concluído (e que tinha uma proposta mais internacional, mais global, mais genérica).
Com a curadoria de Lélia Wanick Salgado (também conhecida por ser a esposa do fotógrafo) e com a trilha sonora do francês Jean-Michel Jarre (sim, temos uma trilha sonora que impacta diretamente na experiência do visitante), a mostra do Sesc Pompeia revela muitas imagens inéditas de Salgado para o público brasileiro – principalmente para quem não adquiriu o livro homônimo do artista que foi publicado pela Editora Taschen do Brasil no ano passado e que custa (segure-se na cadeira, por favor!) a bagatela de R$ 1 mil. Por integrar a classe dos falidos do Brasil Varonil, admito que preferi ir à exposição a adquirir a obra impressa. Não tive coragem sequer de abrir a publicação nas minhas visitas regulares às livrarias – vai que derrubo o bichano, uma página é rasgada e tenho que arcar com o prejuízo...
Nascido no interior de Minas Gerais em 1944, Sebastião Salgado é um dos mais famosos e premiados fotógrafos da atualidade. Com mestrado e doutorado em Economia, ele se mudou para Paris no final dos anos 1960 e mora desde então na capital francesa. Sua trajetória na fotografia começou em 1974, quando ingressou na agência Sgyma. Após atuar por muitos anos na Gamma e na Magnum, prestigiosas agências internacionais de fotografia, Salgado fundou em 1994, ao lado da esposa, a Amazonas Imagens, sua própria companhia.
Nas duas fases da carreira, funcionário e empresário, ele colecionou vários prêmios internacionais. Dá para apontar como as principais honrarias recebidas o Eugene Smith (Estados Unidos), World Press (Holanda), Oscar Barnack (Alemanha), Erna e Victor Hasselblad (Suécia) e International Center of Photography (Estados Unidos). O artista mineiro é também representante especial da Unicef e membro honorário da Academia das Artes e Ciências dos Estados Unidos.
Nas últimas duas décadas e meia, os principais trabalhos fotográficos de Sebastião Salgado se transformaram em livros. Dá para apontar como suas obras editoriais mais relevantes “Trabalhadores” (Companhia das Letras), de 1997, “Terra” (Companhia das Letras), de 1997, “Serra Pelada” (Nathan), de 1999, “Êxodos” (Companhia das Letras), de 2000, “África” (Taschen do Brasil), de 2007, “Gênesis” (Taschen do Brasil), de 2013, e, claro, “Amazônia” (Taschen do Brasil), de 2021. Invariavelmente, esses títulos são publicações impecáveis e custam entre três e quatro dígitos. Por isso, cuidado ao folhear essas obras nas livrarias, meu(minha) caro(a) leitor(a) do Bonas Histórias.
Como o próprio nome já diz, a mostra “Amazônia” apresenta a riqueza natural e humana da Floresta Amazônica. Sebastião Salgado retrata, nesse trabalho, os rios, as matas, as montanhas, as nuvens, a chuva, a transpiração das árvores e os arquipélagos fluviais por uma perspectiva variada e inusitada. Ele captou as imagens por quatro pontos de vista diferentes: estando na água, no céu, na mata e no chão. O resultado é de tirar o fôlego. Esqueça tudo o que você conhece ou já viu da Amazônia. O olhar de Salgado nos leva para outro patamar. A prova concreta disso está nas fotos dos “rios voadores”, da “transpiração da floresta”, das tempestades tropicais (chuvas intensas) e da geografia de Anavilhanas, um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo.
Além disso, o fotógrafo mineiro enfoca a vida de doze comunidades indígenas. É legal notar que Salgado teve a preocupação de apresentar cada tribo individualmente. Assim, conhecemos a história, as particularidades, a cultura, a intimidade, as crenças e os desafios de cada um desses povos amazônicos. A maioria dos vídeos apresentados na mostra tem como protagonistas justamente os índios, que falam abertamente sobre como é viver na floresta, suas relações com o ecossistema tropical, o medo da destruição acelerada do meio ambiente e o temor da ação criminosa e cada vez mais frequente de madeireiros, garimpeiros, traficantes de drogas e ruralistas.
Como é característico do estilo de Sebastião Salgado, as imagens de “Amazônia” estão em preto e branco. Se por um lado esse recurso tira um pouco da exuberância da natureza, por outro lado as fotografias ganham em dramaticidade. Confesso que fiquei imaginando, no início da mostra, como seriam aquelas cenas coloridas. Será que seriam mais impactantes ou mais bonitas, hein?! Sinceramente não sei. O que eu posso garantir é que, depois da terceira ou quarta foto, nos esquecemos que elas estão em P&B. Repare nisso! Automaticamente, nossa mente já colore intuitivamente a paisagem: a mata é verde, o céu e a água são azuis, o topo da montanha é marrom, o sol é amarelo etc. Não duvido que tenha visitante de “Amazônia” que, ao final da visita ao Sesc, já se esqueceu da falta de cor das imagens contempladas.
O que mais gostei dessa exposição foi a ambientação. Há muito tempo não visitava uma mostra que conseguisse colocar praticamente os visitantes no meio do cenário retratado. A impressão é de estarmos mesmo no interior da Floresta Amazônica. Os méritos desse feito/efeito são de Lélia Wanick Salgado, que além de curadora de “Amazônia” também ficou responsável pela cenografia. A riqueza da ambientação está nos detalhes. Repare que até o ar-condicionado não está tão forte, o que deixa a temperatura acima do normal (seria o calor tropical?!) para esse tipo de evento. Só senti falta de um jardim vertical (artificial ou natural, tanto faz) em uma parede do espaço. Seria um toque mais explícito de natureza para a exposição.
Os efeitos sonoros também ajudam substancialmente na construção dessa atmosfera amazônica. Lembre-se que eu disse que a trilha da exposição foi desenvolvida por Jean-Michel Jarre. O francês conseguiu emular os barulhos da mata, dos animais, da chuva, dos índios etc. E ele fez isso de um jeito bastante sutil. As almas mais avoadas (e barulhentas) talvez não percebam os efeitos sonoros em sua totalidade. Eu achei incrível esse recurso.
A construção da ambientação vai além dos elementos cenográficos, térmicos e sonoros. Por exemplo, os espelhos d´água presentes na Área de Convivência do Sesc Pompeia, local da exposição, parecem que foram colocados ali especificamente para “Amazônia” (não foram, eles são parte fixa do lugar). Os pequenos trechos com água dão um toque fluvial ao cenário. As paredes escuras dão um ar meio claustrofóbico, o que ajuda o visitante a se sentir em meio às altas árvores e à mata fechada. É espetacular esse efeito. Ele é simples, mas extremamente eficiente.
Até o clima da cidade de São Paulo ajudou um pouco (REPARE que usei a expressão “um pouco”) na atmosfera da mostra fotográfica. O céu nublado, o ar úmido e a temperatura elevada da metrópole paulistana no sábado outonal me fizeram lembrar vagamente (olha a palavra VAGAMENTE aí, gente!), o clima abafado e úmido da região Norte do nosso país. É, talvez eu esteja exagerando um pouco, mas a ambientação de “Amazônia”, acredite, é ótima.
A apresentação das fotografias de Sebastião Salgado também respeita certa lógica natural. Ao redor do espaço em U da Área de Convivência do Sesc Pompeia, temos as imagens da natureza (rio, nuvens, mata, chuva). As seções da mostra são divididas por temática. E no centro, simulando ocas, temos o retrato das comunidades indígenas em uma área específica e fechada. Faz todo o sentido, né? A impressão é que a natureza está abraçando os moradores da floresta. E para chegarmos a eles, precisamos desbravar os desafios naturais dessa parte do país.
Por essas e outras, “Amazônia” é uma das melhores exposições fotográficas que pude frequentar nos últimos anos em São Paulo. A força dramática das imagens em preto e branco de Sebastião Salgado, seu olhar diferenciado por cenas pouco exploradas (ele foge do convencional e do óbvio), as perspectivas variadas e originais das fotos, a ambientação impecável e o retrato sincero e bonito da natureza e dos povos indígenas da região Norte fazem de “Amazônia” um passeio memorável.
Entretanto, a mostra não é perfeita. Ela tem algumas poucas falhas, todas em relação à infraestrutura e à organização. O primeiro ponto negativo de “Amazônia” é a falta de legendas em inglês para os visitantes estrangeiros. Havia muitos gringos no Sesc Pompeia e reparei que vários buscavam informações adicionais sobre as fotografias e sobre as seções da mostra. E eles não as obtinham porque a exposição não era bilíngue (algo imperdoável em se tratando do trabalho de Sebastião Salgado e de um evento desse porte em São Paulo). Quem não tinha um intérprete pessoal ao lado (amigo, familiar ou cônjuge que falasse português), não aproveitou em sua totalidade o programa.
Outra questão que me incomodou desde o início foi a péssima iluminação nas legendas das telas. Ao se aproximar do descritivo da imagem para lê-lo, a cabeça do visitante fica entre o feixe de luz (que está no alto e atrás) e a plaquinha informativa. Ou seja, o texto fica escuro (com sombra) justamente quando a pessoa se inclina para vê-lo. As fotografias estão impecavelmente iluminadas, mas a legenda... Juro que não entendi o porquê não investiram em legendas em inglês e em uma melhor iluminação para a parte textual das fotografias. Alguém aí pensou em contenção de custos?! Talvez.
Por fim, há um espaço (a dos mapas ilustrativos, no lado oposto à entrada, na primeira sala) em que há telas muito próximas umas das outras tanto na parede externa quanto no miolo central. O resultado é o congestionamento inevitável de visitantes nesse trecho. Se você for em um dia de semana, talvez não consiga reparar no trânsito de pessoas nessa parte da exposição. Porém, se você for em um final de semana ou feriado, quando o movimento é muito maior, na certa ficará preso ao engarrafamento de cabeças e corpos nessa seção. Foi o que aconteceu comigo no sábado. Além do incômodo natural de atrapalhar e ser atrapalhado durante a apreciação das fotografias, esse problema ainda gera certo mal-estar em quem não quer se aglomerar em um local fechado (a pandemia parece estar terminando, mas ainda não terminou, né?).
Como deu para perceber, esses são detalhezinhos que não impactam muito a experiência do visitante (se você for fluente em português, é claro). “Amazônia” é uma exposição imperdível para quem gosta de natureza, da maior floresta tropical do mundo, dos povos indígenas, de fotografia, de geografia e, principalmente, do trabalho de Sebastião Salgado. Prova maior da exuberância das imagens do fotógrafo brasileiro é que fiquei mais de duas horas nessa mostra. Duas horas?! Como você conseguiu, Ricardo? Aí que está o poder visual de “Amazônia”. Você passa algumas horas ali sem notar. Só reparei que os ponteiros do relógio haviam corrido velozmente quando saí do centro cultural e me assustei com o horário. E olha que eu não quis assistir a uma das projeções audiovisuais pois a fila estava enorme. Se tivesse ficado para vê-la, na certa teria permanecido por quase três horas no interior da exposição.
“Amazônia” tem entrada gratuita e estará em exibição até 15 de julho na Área de Convivência do Sesc Pompeia. Para ingressar no espaço interno da mostra, há controle do número de visitantes. Contudo, isso não gera longas nem demoradas filas. Na minha visita do último sábado, havia muita gente e não fiquei sequer cinco minutos aguardando a liberação de entrada. Na portaria das unidades do Sesc, normalmente a espera é um pouco maior. Os visitantes são obrigados a mostrar o comprovante de vacinação da Covid-19 (e um documento com foto), o que gera uma pequena perda de tempo (justificável em tempos pandêmicos).
Agora já é hora de eu pensar na próxima exposição que irei visitar. Quem sabe não vá a “Espuma Delirante” de Rafael Silveira no Farol Santander. Se bem que “Cartas ao Mundo” de Bia Lessa no Sesc Avenida Paulista não é nada mal, né? O bom é que tenho alguns dias até o final de semana para me decidir. Até o próximo post da coluna Exposições.
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