Confira a origem, a evolução, as influências e as características da Salsa, a popular e animada modalidade dançante que nasceu no Caribe e se espalhou pelos quatro cantos do planeta.
E aí, todos prontos para dançar?! Nossa viagem dançante de hoje é pela América Central, mais especificamente pela calorosa Cuba. Vou falar da Salsa, um dos meus ritmos favoritos. Neste post, a ideia é debatermos sua história, evolução, influências, características, particularidades e principais passos. Assim, deixo com o coração apertado a Argentina e o seu emblemático Tango, tema da publicação de fevereiro da coluna Dança, e pego o voo imaginativo em direção à emblemática Havana (ou La Habana, como preferirem). Quero bailar dessa vez a boa e velha Salsa Cubana. Venham comigo nessa aventura divertida pelo Caribe.
Antes de entrar no assunto propriamente dito, preciso deixar registrado um receio. Às vezes, tenho medo de que os leitores do Bonas Histórias pensem que escolho minhas matérias de acordo com minhas preferências pessoais. Já aviso que não é bem assim. Embora seja professora de Dança de Salão na Dança & Expressão, sou apaixonada pela arte dançante como um todo. Por isso, tento trazer para a coluna Dança um pouco de cada modalidade. Já debati, por exemplo, Hip Hop, Dança do Ventre, Dança Solta, K-pop, Frevo, Ballet Clássico, Jazz Dance e Dança Moderna e Contemporânea. Porém, é inevitável que volta e meia trate do mundo da Dança de Salão, minha especialidade e algo que faço rotineiramente desde os 15 anos. Aí não resisto e coloco como pauta do Bonas Histórias o brasileiríssimo Forró, o argentino-uruguaio Tango e a universal Dança dos Noivos. Agora é a vez de um dos ritmos latinos mais populares.
Para entendermos como surgiu e se desenvolveu a dança Salsa, precisamos olhar antes para a história musical da América Central. A sonoridade da Salsa se originou do Son Cubano. E ao longo do tempo, ela recebeu forte influência da Cumbia colombiana, do Merengue da República Dominicana, do Jazz norte-americano e de outras modalidades caribenhas. Até o Samba brasileiro contribuiu para sua formação melódica. Não à toa, depois de receber tantos temperos sonoros em sua composição, o ritmo cubano ganhou o nome de Salsa. De origem espanhola, esse termo significa “tempero”, “mistura”. Não poderia haver melhor definição para caracterizar o novo gênero musical (que mais tarde originaria a dança).
O Son Cubano, que é a base da Salsa, surgiu nas áreas rurais de Cuba na segunda metade do século XVIII. Esse ritmo recebeu influência hispânica, francesa e africana. O resultado é uma melodia alegre e cativante que rapidamente se espalhou pelo arquipélago do mar do Caribe. Na década de 1920, surgiu o Sexteto Habanero. A banda produzia uma variação do Son Cubano, dissidência que conhecemos atualmente como Salsa. Seus instrumentos musicais eram principalmente a guitarra, o cravo, o contrabaixo e as maracas. Com o sucesso do Sexteto Habanero, outras bandas seguiram essa linha musical. Dá para citar Septeto Nacional, Trio Matamoros e La Sonora Matancera.
O grande responsável pela evolução do novo gênero foi o músico Arsênio Rodríguez. Nos anos 1940, ele introduziu nas músicas outros instrumentos como piano, tumbadora e três ou quatro trompetes. Ao se mudar para os Estados Unidos em 1950, Rodríguez levou o ritmo latino para os norte-americanos, que influenciaram com mais temperos musicais. Foi justamente nessa época o auge da Salsa em Cuba. Benny Moré, um dos maiores intérpretes desse ritmo, fez enorme sucesso e colocou para sempre seu nome na modalidade.
A partir de 1959, com a Revolução Cubana e o início do bloqueio norte-americano ao país comunista, a Salsa seguiu dois caminhos distintos: um dentro de Cuba e outro fora das ilhas de Fidel Castro. Foi inclusive nos Estados Unidos que ganhou o nome de Salsa, que o mundo inteiro conhece. Até então, esse ritmo era chamado simplesmente de Son. Em 1974, Willy Colón e Rubén Blades gravaram o disco que oficializou o termo Salsa para o universo musical. Curiosamente, só há aproximadamente dez anos é que os cubanos começaram a utilizar o termo Salsa. Em sua terra natal, ele seguia sendo chamado de Son.
Não foi apenas a música Salsa que se modificou e evoluiu ao longo do tempo. A dança Salsa também seguiu o mesmo caminho de sucessivas transformações e influências. Vamos agora entrar no mundo dançante da Salsa e conhecer mais seus movimentos e estilos. Afinal, estamos na coluna Dança e não na coluna Músicas do Bonas Histórias.
A forma que se dançava originalmente o Son Cubano não tem nada a ver com estilo atual da dança Salsa. À princípio, o casal de dançarinos não se abraçava, como é característico das modalidades da Dança de Salão. Os pares ficavam afastados a uma distância protocolar e faziam movimentos exagerados de pernas e tronco. Vamos lembrar que essa dança surgiu na área rural de Cuba no período colonial. Ou seja, na cultura conservadora da América espanhola, não caía bem homens e mulheres ficarem abraçados.
Em meados do século XVIII, os franceses, que eram muito mais liberais nos costumes do que os espanhóis, chegaram ao Caribe e foram os responsáveis por unir os casais nas danças. Assim, o Son passou a ser executado com homens e mulheres mais próximos. Nessa época, os braços dos dançarinos já tinham a configuração tradicional das danças de casal: o cavalheiro envolvia a dama no seu braço direito e segurava a mão direita dela com seu braço esquerdo aberto; por sua vez, a dama colocava a mão esquerda sobre o ombro direito dele. Acho que os franceses foram bons professores para os cubanos. Se fosse hoje, eu os contrataria para a Dança & Expressão.
Mesmo já abraçados, é bom que se diga que os casais cubanos não ficavam bailando tão agarrados como vemos na Salsa contemporânea. Quando falamos de mudanças culturais e de transformações comportamentais, a evolução é gradativa. O tronco dos dançarinos era unido pelos braços, mas da cintura para baixo era bem afastado. Nessa época, era muito comum as pessoas irem aos bailes com a família. E, convenhamos, não era bem-visto socialmente que homens e mulheres ficassem grudadinhos. Estamos ainda na virada do século XVIII para o XIX.
Com a maior distância das pernas, o casal fazia passos grandes, largos. Como se dançava geralmente em chão de terra batida, não era possível deslizar os pés – a poeira subiria e sujaria a todos. Assim, eles tinham que ser bem erguidos. Também era característico bailar com os joelhos semiflexionados e soltos, o que fazia com que todo o corpo parecesse se movimentar ainda mais. Está aí a explicação para uma das principais particularidades da Salsa – o caminhar e o movimentar sem sair do lugar.
À medida que o Son chegou às maiores cidades cubanas, a dança ganhou ares mais delicados e menos exagerados. O casal passou a ficar mais próximo, inclusive da cintura para baixo. A perna direita do cavalheiro permanecia entre as pernas da dama. E como não havia mais chão de terra, era possível deslizar um pouco mais os pés. Os joelhos passaram a ficar mais esticados e, como consequência, os movimentos se tornaram mais suaves. O passo básico era caminhar para frente e para trás. Uma das características mais marcantes dessa fase é que o tronco se inclinava bastante para as laterais, fazendo um balanço bem acentuado.
Da mesma forma que a música evoluiu e ganhou novos elementos com o tempo, a dança também passou por esse processo de transformação. Na década de 1940, surgiram os primeiros giros. Não podemos compará-los aos rodopios atuais da salsa pois eram passos ainda bem simples, executados principalmente pelos homens. Eles se viravam sobre os próprios pés, sendo guiados pelas mãos das parceiras. Mesmo diferente do que temos hoje, é possível dizer que os elementos principais dessa modalidade dançante estavam configurados nesse momento. O progresso natural do ritmo nos 80 anos seguintes foi o responsável por moldá-lo.
Vamos agora falar da Salsa do século XXI, aquela que eu pratico quando saio para dançar na cidade de São Paulo e que ensino aos alunos da Dança & Expressão. Como qualquer modalidade da Dança de Salão, asseguro que todo mundo pode aprender a dançar uma belíssima Salsa. Contudo, ainda há o mito que essa é uma modalidade difícil. Acredito que essa crença infundada é fruto essencialmente da rapidez da música. Além disso, os novatos ficam impressionados com os vários giros e os desenhos de pernas que parecem complexos num primeiro momento. Se você pensa assim, não se preocupe: trata-se de uma percepção equivocada. Vamos entender tecnicamente como essa dança funciona.
Primeiramente, aviso que existem basicamente dois estilos de Salsa. Assim como a música teve uma ramificação, sendo um ritmo produzido em Cuba e outro nos Estados Unidos, a dança acompanhou essa dissidência. Hoje, temos a Salsa Cubana e a Salsa Americana, também conhecida como Salsa Los Angeles. Falemos o que ambos os estilos de dançar têm em comum.
A Salsa é sempre dançada em quatro tempos, com movimentos quartenários. Se você já assistiu ou participou de uma aula de Salsa, certamente ouviu os professores contarem os passos. Eles falam: “Um, dois, três. Cinco, seis, sete”. Isso ocorre porque sempre separamos os passos em movimentos de quatro marcações. Os números quatro e oito nunca são cantados, pois se referem às pausas (há um breve descanso para o corpo).
Um ponto bem característico da Salsa é que os dançarinos devem respeitar os tempos corretos da música na hora de executar os passos e de fazer os movimentos de enfeites de pernas e braços. Isso é ainda mais importante para as mulheres. Talvez seja a dança que mais exija musicalidade dos dançarinos. Geralmente os gracejos acontecem no tempo 1. Quem está no papel de condutor tem que começar a dançar no tempo 1 com a perna esquerda. Assim, quem está sendo conduzido inicia com a perna direita. Outro ponto em comum da Salsa Cubana e da Salsa Americana é que, por se tratar de um estilo de dança latino, os quadris precisam se movimentar. É o bom e velho jogo de cintura que nós brasileiros tão bem conhecemos. Para tal, deixa-se os joelhos mais soltos, sem esticar demais.
Agora vamos debater as diferenças. A Salsa Cubana seguiu as raízes do Son e continua a ser dançada principalmente com o casal abraçado. O cavalheiro envolve a dama com o braço direito. Os movimentos são mais arredondados e possuem mais passos espelhados entre o par. Os giros da Salsa Cubana se assemelham bastante aos giros do Forró. Assim, os dançarinos marcam uma perna atrás para impulsionar o giro e podem trocar de lugar.
A Salsa Americana sofreu influência de estilos dançantes como o Rock and Roll e o Cha-cha-cha. Dessa forma, sua estrutura principal não é dançada com o casal abraçado. Os pares ficam mais afastados e unidos apenas pelas mãos (mais ou menos como o Son do século XVIII). O condutor tem que estender as mãos para frente com as palmas para cima. É desse jeito que ele segura as mãos de quem está sendo conduzida, que fica com as palmas para baixo. Os movimentos, embora com muitos giros, seguem sempre a mesma linha corporal. Dança-se quase sempre respeitando o mesmo espaço no salão. Os dançarinos até podem mudar de lado, mas a inversão é de 180 graus. Ou seja, o casal troca de posição, mas continua ocupando o mesmíssimo lugar. Não por acaso, esse estilo é conhecido como Salsa em Linha.
Que tal arriscarmos juntos um passo da Salsa, hein? Então, levante-se, afaste os móveis e faça os movimentos básicos. Para quem está conduzindo, a coreografia começa com a perna esquerda. Assim: a perna esquerda desloca para frente (tempo 1), perna direita marca no lugar (2), esquerda volta para trás (3); espera; depois a direita recua (tempo 5), esquerda marca no lugar (6) e direita volta para frente (7); e espera. Os pés nunca vão se juntar. A ideia é sempre passar uma perna pela outra. Já quem está sendo conduzida, a proposta é começar a marcar com a perna direita. Aí: a perna direita vai para trás (tempo 1), a esquerda fica no lugar (2) e a direita volta para frente (3); pausa; depois a perna esquerda desloca para frente (tempo 5), a direita marca no lugar (6) e a esquerda volta para trás (7); e espera.
No geral, a Salsa envolve muitos passos, que são bem desenhados e estruturados. Seus vários giros e figuras de braço também conferem identidade própria à dança. Há movimentos de braços que são alinhados entre o casal, ocorrendo a partir da iniciativa do condutor. Os desenhos gestuais podem ser subindo e descendo ou girando em círculo de baixo para cima. E há muitos movimentos que são enfeites tanto para os cavalheiros quanto para as damas. Eles não precisam ser compartilhados pelo casal, sendo parte da performance individual dos dançarinos. Para quem está apenas de espectador, às vezes é difícil distinguir o que é só um enfeite e o que é efetivamente um passo. É isso o que confere um ar refinado e gracioso para a dança.
Na Salsa, quem está guiando deve ter os braços bem firmes e resistentes, pois a condução se dá com a precisão dos seus movimentos. A dama é conduzida através de puxões, empurrões dos braços e mãos erguidas para avisar dos giros. A estrutura da Salsa é o casal dançando junto, unidos pelas mãos ou abraços. Porém, em alguns momentos, o cavalheiro pode soltar a dama para eles executarem os shining. Característicos da Salsa, os shining permitem que cada dançarino faça desenhos diferentes do parceiro no salão. São movimentos de pernas, braços e giros. Eles ocorrem até o condutor abraçar novamente a dama e eles voltarem a dançar juntos.
Para alguém dizer que já dança Salsa, é fundamental ter o domínio de três passos: a base (que ensinei há pouquinho); os giros, que acontecem sem que o casal saia do lugar (podendo ser para direita ou para a esquerda e sendo executados tanto pela dama quanto pelo cavalheiro); e o Cross, que é a passagem da dama para o outro lado. A partir dessa estrutura básica da dança, parte-se para a multiplicação dos desenhos e para as variações de pernas e braços.
E como se comportar na pista de dança durante a Salsa? Muitos ritmos da Dança de Salão precisam rodar o salão. Isso ocorre, por exemplo, no Samba, no Bolero, no Tango e na Valsa. O importante, nesses casos, é se deslocar no sentido correto, geralmente no anti-horário. Contudo, a Salsa é, como vimos, um ritmo sem deslocamento pela pista. Os casais começam e terminam a bailar no mesmo lugar. Se você estiver dançando o estilo cubano é ainda mais tranquilo. Afinal, ele não tem tantas regras. Já no estilo americano, a etiqueta exige que todos os pares dancem na mesma linha. Dessa forma, evitam-se trombadas, empurrões, batidas e quedas durante os giros. Portanto, se você for entrar na pista, observe previamente como as demais pessoas estão dançando. O posicionamento delas indicará a direção que você deverá seguir com seu parceiro.
Em Cuba, a tradição apontava os cassinos como ótimos lugares para se praticar a Salsa. Obviamente, isso ocorria na época em que esse tipo de estabelecimento era permitido por lá. Os mais famosos eram o Casino Deportivo e o Casino De La Plava. Essa é justamente a origem do nome da modalidade de dança em grupo da Salsa Cubana: Roda de Cassino. Se você for convidado para uma Roda de Cassino, saiba que terá a oportunidade de praticar a forma mais divertida da Salsa Cubana. Meus alunos da Dança & Expressão adoram quando chegamos a essa etapa do curso. Vejo que muitos iniciam as aulas já ávidos por esse momento.
Na Roda de Cassino, os casais se posicionam em um grande círculo no salão. Cada um começa a dançar com o seu par normalmente, ao estilo cubano tradicional. Entretanto, há sempre alguém que canta os passos a serem executados por todos os demais ao mesmo tempo. A dança fica bem dinâmica e alegre. Como a coreografia é a mesma, os pares vão sendo trocados, o que gera uma dinâmica diferente e uma euforia no pessoal. Na Roda de Cassino, os dançarinos executam diversas figuras de passos e há até momentos sincronizados para se bater palmas.
A Salsa não para de evoluir. Atualmente, ela é praticada no mundo inteiro e se tornou uma modalidade de apelo internacional. Quem a aprende, pode dançar nas mais diferentes situações e cantos do planeta. Desde 1998, há inúmeros congressos e competições esportivas. Esse intercâmbio intercontinental permite que os dançarinos de Salsa se aprimorem tecnicamente e compartilhem o repertório de passos. Ao mesmo tempo que a dança se diversifica, ela também se torna mais conhecida pelos amantes da Dança de Salão.
Os iniciantes que assistem às apresentações de Salsa executadas por profissionais nas competições esportivas podem se assustar com os movimentos extremamente rápidos, a sincronia perfeita dos casais, os incontáveis giros e os passos muito acrobáticos. Se esse for o seu caso, peço para não os usar como referência. Não é porque os jogadores de futebol são excelentes nos estádios que não vamos praticar partidas amadoras com os amigos aos finais de semana, em nosso ritmo e em nosso nível técnico. Na dança social é a mesma coisa. A Salsa é muito mais tranquila de ser praticada nos salões convencionais. Mesmo numa velocidade menor quando comparada à dança dos profissionais, ela segue sendo bem alegre e animada.
Se você está querendo iniciar na Salsa não tenha medo. Entre numa turma de Iniciantes e comece devagar. Siga o exemplo do Ricardo lá na Argentina. Há algumas semanas, ele me contou todo animado que foi fazer uma aula desse ritmo em uma escola perto de sua casa. Para sua surpresa, ao final do encontro inicial, já estava praticando dois dos três passos fundamentais: a base e os giros. Só faltou o Cross, que provavelmente ele verá nas próximas aulas. Se até meu irmão, que fugia da dança como o diabo foge da cruz (agora só falta comprar um celular para ligar para a família de vez em quando), criou coragem para se aventurar na Dança de Salão, porque você não tenta também ingressar na Salsa, hein?
Enquanto você pensa se deve começar agora ou já, adianto que o próximo assunto da coluna Dança será sobre outra modalidade que adoro: o Samba. Nos vemos, então, em outras páginas do Bonas Histórias, pessoal. E boa dança para todos nós!
Dança é a coluna de Marcela Bonacorci, dançarina, coreógrafa, professora e diretora artística da Dança & Expressão. Esta seção do Bonas Histórias apresenta mensalmente as novidades do universo dançante. Gostou deste conteúdo? Não se esqueça de deixar seu comentário aqui. Para acessar os demais posts sobre este tema, clique na coluna Dança. E aproveite também para nos acompanhar nas redes sociais – Facebook, Instagram, Twitter e LinkedIn.