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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Crônicas: Tempos Portenhos - Episódio 4 - O Espanhol Argentino

No quarto relato sobre a experiência de se morar em Buenos Aires, conhecemos os desafios que os brasileiros têm com o castelhano rioplatense, idioma que ao mesmo tempo é próximo do português, mas que esconde perigos que exigem cuidados dos novos falantes.

O Espanhol Argentino é o quarto episódio de Tempos Portenhos, a coletânea de crônicas de Ricardo Bonacorci sobre a rotina de um brasileiro que vive em Buenos Aires – este novo texto apresenta os desafios dos falantes do português para aprender o castelhano na capital da Argentina

Você clicou aqui e ali e, sem saber como, caiu em “Tempos Portenhos”, a nona coletânea da coluna Contos & Crônicas. Enquanto alguns podem chamar isso de azar do destino, outros simplesmente culpam o imponderável da existência humana. Tem quem jogue a responsabilidade no colo dos inexplicáveis algoritmos da Internet. E há até aqueles que inexplicavelmente se viciaram no conteúdo do Bonas Histórias ou estão apenas me stalkeando. Independentemente das razões de sua chegada por essas mal escritas páginas, seja bem-vindo(a) à recém-iniciada crônica “O Espanhol Argentino”.     


Antes de começar a discorrer sobre o tema de hoje, sinto-me na obrigação de explicar aos leitores de primeira viagem do blog o que é o tal de “Tempos Portenhos”. Esta é a coleção de narrativas não ficcionais sobre minha experiência de viver em Buenos Aires. Me mudei para a capital da Argentina em setembro de 2023 e ficarei por essas belas paisagens (quase disse “bons ares”) até 2025 ou 2026. Isso é, se não fixar residência em definitivo por aqui, possibilidade que cresce a cada dia. Feliz ou infelizmente (vai saber!), tenho a mania de amarrar meu burrinho nas árvores frondosas das quais me afeiçoo. Além disso, sou muito facilzinho e sigo enamorado pela metrópole argentina, pela cultura rioplatense e pelo estilo de vida portenho. Portanto, será muito difícil levantar acampamento lá na frente, algo que desde já tira o meu sono. Só preciso que la maledetta moneta argentina mi aiuti.


Contudo, como dizia minha avozinha portuguesa, não coloquemos os burros na frente da carroça (era assim que ela falava lá na casa da Vila Madalena!)! Neste momento, o importante é destacar que estou aproveitando o fato de residir em um novo país para relatar ao longo de 2024 e 2025 algumas vivências obtidas. Meu objetivo é explicar: como é para um brasileiro morar na Argentina? Assim nasceu a proposta dos textos de “Tempos Portenhos”. Na primeira crônica da série narrativa, “Episódio 1 – Distopia Paulistana (ou Carioca)”, abordei a sensação de segurança que meus compatriotas sentem pelas ruas de Buenos Aires. Na sequência, “Episódio 2 – Vida ao Ar Livre”, discuti o quanto os portenhos gostam de realizar atividades outdoor. E, no texto mais recente, “Episódio 3 – Dogland: Cães Felizes”, apresentei a capital argentina como a Disneylândia dos pets. Sei que não são linhas brilhantes ou memoráveis, mas garanto que são honestas e limpinhas.


Nesta quarta crônica, “O Espanhol Argentino”, vou analisar como é o aprendizado e a fluência do idioma de Jorge Luis Borges e Julio Cortázar para os falantes da língua de Machado de Assis e Jorge Amado. Até porque, convenhamos, a primeira grande preocupação de um estrangeiro que se propõe a viver como um local em qualquer parte do mundo é entender e se fazer entender o quanto antes, né? Aí surge uma particularidade entre Brasil e Argentina. O senso comum dissemina a ideia de que o português e o espanhol são idiomas coirmãos. No imaginário coletivo, eles são tão próximos que é perfeitamente possível manter conversas com os falantes da outra língua sem qualquer complicação, esforço ou estudo prévio. Será mesmo tão fácil assim?! O bom e velho portunhol seria a salvação da lavoura em todas as situações?


Para enriquecer ainda mais o debate, vou relatar os tropeços idiomáticos mais comuns dos brasileiros que moram há pouco na Argentina. Também vou revelar minha trajetória de aprendizado, as gafes que cometi/cometo, as dificuldades depois de um ano en tierras hermanas, algumas diferenças básicas do castellano rioplatense para el español europeo y mexicano e, claro, algumas histórias que julgo interessantes (o que não quer dizer que sejam...).

Na crônica O Espanhol Argentino, o quarto texto da série não ficcional Tempos Portenhos, Ricardo Bonacorci descreve o nível de dificuldade para se aprender o idioma da Argentina e entender o sotaque de Buenos Aires

Em suma, se você tem curiosidade para conhecer o quão fácil ou difícil é para um brasileiro abandonar definitivamente o portunhol e ficar minimamente fluente no espanhol, prepare-se para alguns bons minutos de leitura. Para não dizer que não avisei, recomendo colocar mais uma rodada de empanadas no forno – las de queso y cebolla son riquisimas. Esquente mais água para el mate o el cortado. E vá tirando otro alfajor de dulce de leche del paquete de la panadería. Porque nossa viagem por Mi Buenos Aires Querido só está (re)começando, senhoras e senhores. E ela promete ser mais uma vez deliciosa, principalmente para os fãs de intercâmbio cultural e para os interessados nos conhecimentos idiomáticos.     


1) O sarrafo idiomático não é tão baixo quanto se crê


Vamos falar a real: muitos brasileiros chegam à Argentina achando que seu portunhol mequetrefe será mais do que suficiente para uma comunicação fluida e tranquila com os locais. Aí na primeira oportunidade de interação, ficam chocados quando não entendem quase nada do que os argentinos dizem e/ou quando não são entendidos por eles. Como já morei aqui por alguns meses há 20 anos, admito que não passei por muitos perrengues na recente chegada. No meu caso, o problema foram as gafes (que já já apresento). Contudo, vi casos divertidíssimos de problemas idiomáticos ocorrerem com turistas brazucas que hospedei na minha casa, uma espécie de consulado informal do Brasil no bairro portenho de Saavedra.  


A primeira foi minha irmã. Celinha aportou por aqui em dezembro do ano passado. Ficou uma semana no apartamento de su hermanito. Como temos família na Venezuela e crescemos interagindo com primos e tios de Caracas, nunca tivemos problemas com o espanhol na infância e na adolescência. Contudo, isso foi há muito, muito tempo. O que sei é que Marcela travou desde o momento que colocou os pés no avião da Aerolinhas Argentinas em Guarulhos. Segundo me relatou ao chegar em BsAs, ela não entendeu quase nada do que as pessoas falavam na aeronave e, depois, na Imigração. Pude comprovar sua dificuldade quando visitávamos restaurantes, íamos aos museus e fazíamos passeios. Muitas vezes, minha irmã me cochichava meio tímida: “o que eles falaram?!”. Senti que ela ficou abismada que eu conseguia compreender e ser compreendido e ela não. Como sou o integrante mais burro da família (título que ostento desde pequenininho), não fazia sentido eu entender algo e ela (sempre o crânio dos Bonacorci desde que, aos seis anos de idade, desmontou e montou um televisor – o aparelho funcionou perfeitamente, mesmo com as várias peças que sobraram) ficar boiando.


A melhor história com Celinha se passou numa sexta-feira à noite. Querendo que ela melhorasse no espanhol (ou pelo menos o desenferrujasse), fomos ao cinema de Belgrano para ver “Muchachos: La Película de La Gente” (2023). O longa-metragem estava todo em espanhol e relatava a saga da Seleção da Argentina na última Copa do Mundo. Curiosamente, o narrador do filme Ricardo Darin (sempre ele!) chamava, desde a primeira cena, Messi de chico zurdo, que numa tradução direta é rapaz/menino canhoto. A experiência no cinema foi divertidíssima porque não só não lembrávamos do que tinha se passado nos campos do Catar (nem eu nem minha irmã acompanhamos tão avidamente a Copa de 2024 – culpa do trabalho na Dança & Expressão) como os demais espectadores vibravam como se o que viam na tela fosse uma novidade. Sim, senhoras e senhores, os argentinos e as argentinas podem ser muuuuuuuito loucos quando o assunto é futebol. Eles conseguem transformar uma sala de cinema em uma arquibancada de estádio.


Caminhando para casa depois da sessão, pude conversar com Celinha sobre os momentos mais impressionantes do filme, que realmente é fabuloso. Para mim, ver um sujeito escalando o Obelisco da Avenida Nueve de Julio foi incrível. Também me chamou a atenção a dramaticidade das partidas – um legítimo Tango Argentino. Aí minha hermanita se saiu com essa: “O que eu não sabia é que o Messi era surdo. Você sabia disso?!”. Olhei para ela sem acreditar no que ouvia. Ao notar que ela falava sério, caí na risada que só os irmãos são capazes de dar. “Marcela, chico zurdo é rapaz canhoto. Não é rapaz surdo”. Juro que ela passou a sessão inteira pensando que o craque argentino era surdo desde o nascimento. Ahahahahahhahahah.

Na nova narrativa de Tempos Portenhos, coletânea de 2024 e 2025 da coluna Contos & Crônicas, Ricardo Bonacorci apresenta O Espanhol Argentino, relato pessoal do quão desafiante é para um brasileiro se tornar fluente no castelhano vivendo em Buenos Aires

“Percebi, então, que o muro linguístico não é tão baixo quanto pensava”. Essa frase não foi dita por Marcela e sim pelo meu amigo Paulo. Ela foi dita em março deste ano quando ele tentou conversar com uma argentina pela primeira vez – e que resume maravilhosamente bem o drama de muitos de nossos conterrâneos. Essa passagem curiosa está descrita em “CABA que não ACABA”, sua hilariante crônica etílico-culinária que foi publicada tanto na coluna Passeios quanto na coluna Gastronomia do Bonas Histórias. Paulo ficou 11 dias em minha casa e sofreu no início para entender os locais. Nesse episódio ocorrido na noite de sua chegada, fomos ao restaurante em Núñez (o primeiro de muitos que visitaríamos) e o desavisado turista paulistano pediu el cardapio para a garçonete. Jejeje. É claro que a moça não entendeu e fez cara de pânico. Quando intercedi, para alívio da dupla, solicitando “la carta, por favor”, ouvi a frase que abre esse parágrafo.


Paulo vivenciaria um momento ainda mais cômico 24 horas depois. Acho que ele discutiu rapidamente essa outra passagem em “CABA que não ACABA”. Na noite seguinte, fomos a um bar em Chacarita onde rolava um evento do Mundo Lingo. Meu amigo queria conhecer o encontro de gringos que se dispunham a praticar vários idiomas. Ficamos mais ou menos três horas conversando em português e espanhol (no meu caso) e em português e inglês (no caso dele) com uma galerinha animada. Aí, quando fomos pegar mais bebidas no balcão do bar, encontramos três gatinhas. Na hora, falei: “Paulo, vamos falar com elas”. Com sua desinibição característica (que invejo!), ele já chegou puxando papo como se conhecesse o trio há décadas. Eu acabei conversando em espanhol com a economista peruana por quem me apaixonei à primeira vista. E Paulo seguiu proseando em inglês com a dupla de amigas portenhas.


Contudo, quando as argentinas vieram para o meu lado e entraram na minha conversa com a linda peruana, automaticamente apertaram a tecla SAP e passaram a falar em castelhano. Obviamente, Paulo (já devidamente entorpecido de muchas copas de vino) veio junto, apesar de não ter abandonado o inglês em nenhum momento. Confesso que achei aquela atitude dele meio estranha. Proseamos por pelo menos meia hora com as damas sul-americanas. Quando nos despedimos e fomos embora do bar, Paulo me surpreendeu ao revelar ainda na calçada de Chacarita: “Cara, eu NÃO entendi absolutamente NADA do que vocês falaram em espanhol”.


Vendo que eu não tinha acreditado em sua revelação, afinal ele era o mais animado naquela interação, ele garantiu que era verdade. “Tô falando sério. Não entendi nada. Ou quase nada. Só entendi uma parte lá que vocês estavam falando de música porque a Julieta cantou uma música do Tom Jobim”. Gargalhando, respondi: “Mas é claro. Ela cantou em português para mostrar que sabia a letra original de Garota de Ipanema”. Meu pobre amigo estava tão confuso, coitado, que não notou o raro instante em que seu idioma materno apareceu.


Outra que sofreu com o idioma de Miguel de Cervantes foi Carlinha. Minha amiga pintou em Buenos Aires em janeiro de 2024 para uma semaninha de férias. O problema é que sua estadia coincidiu com o início de meu curso de espanhol na UBA. Para que minha hóspede não ficasse sozinha em casa, propus que me esperasse no café em frente ao prédio da universidade durante meu primeiro dia de aula. Ela topou. Antes de ir para o curso, ainda brinquei: “Aproveite que os portenhos adoram prosear nos cafés e vê se arranje um argentino gatinho enquanto estou fora. Você tem duas horas para isso”. Ela só sorriu. Porém, quando regressei mais tarde ao café no Centrão de Baires (CABA, BsAs e Baires é para os íntimos de Buenos Aires, tá?), não é que tinha um cara sentado em sua mesa conversando. Fiquei besta com a rapidez dela.

As diferenças e as semelhanças dos idiomas de Brasil e Argentina e as gafes dos falantes do portunhol que visitam Buenos Aires são os temas de O Espanhol Argentino, a quarta crônica de Tempos Portenhos, a nova série narrativa da coluna Contos & Crônicas

Esbocei dar meia volta e sair (queria deixar os dois à vontade, né?), mas Carlinha foi mais rápida e me puxou para a mesa como se ansiasse pela minha presença. Ao me apresentar ao seu novo amigo, notei que o pobre rapaz ficou extremamente envergonhado. Por mais que deixássemos claro que éramos só amigos, o cara achou que estava diante de um casal gringo. Essa é a explicação que surgiu na minha mente pois ele saiu em disparada pela porta do estabelecimento como um legítimo Ricardão pego em flagrante. Será que Ricardão de Ricardo tem 100 anos de perdão?! Morremos de rir com a confusão do simpático hermano.


No ônibus de volta para casa, perguntei para Carla como ela tinha puxado papo com o argentino. Juro que queria saber a arte do xaveco. Estava há meses em Buenos Aires e minha timidez me impedia de interações como aquela. Minha amiga me olhou com cara de interrogação e declarou com muita sinceridade: “Também não sei, poxa! Ele se aproximou da mesa e falou alguma coisa que não entendi. Não sabendo o que responder, só sorri. Ele continuou falando e, sem reação, concordei com a cabeça para ser educada. Então, ele se sentou e ficamos conversando. Não entendi quase nada do que ele dizia e tenho certeza de que ele não entendeu o que eu falava. Aí você chegou e me salvou”.


Essas histórias parecem que foram extraídas de filmes ou livros de ficção, mas são fatos verídicos que aconteceram ao meu redor. E elas demonstram com clareza que o espanhol não é tão simples assim, principalmente para quem não o domina e para brasileiros recém-chegados à Argentina.     


2) O espanhol argentino é um dos mais difíceis


Ao ler a primeira parte de meu relato, alguém pode falar/pensar: “Mas eu entendo perfeitamente o espanhol, Ricardo. Não tenho nenhuma das dificuldades que você retratou”. Saiba que acredito em suas palavras/pensamentos, querido(a) leitor(a) do Bonas Histórias. O que descrevi acima foi a dificuldade natural de quem nunca teve contato com o idioma ou está há muito tempo sem praticá-lo. Tanto Marcela quanto Paulo e Carla, é bom que se diga, tiveram contato com o espanhol no passado, inclusive fizeram aulas na escola. Porém, não tinham praticado ainda no dia a dia, o que é bem diferente. Aí no primeiro contato da realidade cotidiana se assustam com o nível de dificuldade. Como bem falou/escreveu Pablito, el Caníbal: o muro linguístico não é tão baixo quanto pensamos.


Para explicar melhor o que se passa às margens do Rio da Prata, vou narrar uma percepção que tive/tenho. Para mim, o espanhol argentino (e uruguaio, pois não vejo diferença entre eles) é um dos mais difíceis para a compreensão. Obviamente, estou me baseando no ponto de vista do iniciante do idioma ibérico. Mas o castelhano não é tudo igual, Ricardo? Não, não é, leitor(a) interativo(a) da coluna Contos & Crônicas. Há muitas, muitas diferenças. Ou você acha que o português de Portugal, do Brasil e de Angola são idênticos?! É claro que eles possuem muitas distinções. Com a língua vizinha acontece a mesma coisa.

Ricardo Bonacorci relata, na coluna Contos e Crônicas do Bonas Histórias, como os brasileiros aprendem o castelhano e escorregam em gafes constrangedoras quando visitam e moram em Buenos Aires. Há mais diferenças do que semelhanças entre o português e o espanhol, algo que os falantes do bom e velho portunhol não imaginam

O espanhol da Espanha e do México, na minha humilde concepção, é o mais fácil de ser entendido. Não sei explicar o motivo, só sei que é assim (como diria Chicó, personagem emblemática de Ariano Suassuna). As pronúncias e os sotaques deles soam mais claros, límpidos, naturais e didáticos aos ouvidos dos brasileiros. Segundo os meticulosos estudos empíricos do DataRicardinho (instituto de pesquisa que mantenho dentro da minha nada calma cachola), meus conterrâneos compreendem, num primeiro momento, entre 50 e 55% do que espanhóis e mexicanos falam. Vamos combinar que é bastante coisa para uma interação em portunhol vacilante. Basicamente, dá para entendermos mais da metade do que eles dizem, o que evita confusões e mal-entendidos em grande escala.    


Na sequência em nível de facilidade, vem o espanhol da Venezuela, Paraguai, Colômbia, Equador e Peru. Eles também são bastante compreensíveis (principalmente quando a interlocutora é uma mulher bonita!). Dá para entendermos entre 40% e 45% do que venezuelanos, paraguaios, colombianos, equatorianos e peruanos dizem, mesmo quando o falante do português está iniciando no idioma coirmão. Ainda assim, é bom reparar que a maior parte do que eles expressam não é entendido, como ocorre com o espanhol da Europa e da América do Norte. Ou seja, aqui começam os problemas pontuais.


Logo depois na escala castelhana do DataRicardinho vem o espanhol da América Central e da Bolívia. Confesso que há aí maior índice de equívocos e pontos de exclamação na mente dos brasileiros que engatinham no idioma hermano. Numa interação inicial com os centro-americanos e com os bolivianos, compreendemos entre 30% e 35% do que eles falam. Portanto, a comunicação deixa de ser tão fluida e natural. O principal motivo disso é o sotaque e a maior velocidade das falas, menos habituais aos ouvidos lusófonos.


Se você acha que seus problemas acabaram (parodiando o slogan das Organizações Tabajara), saiba que eles só estão começando. O castelhano rioplatense, aquele de argentinos e uruguaios, é um dos mais complicados para se entender de prontidão. O índice de compreensão dos brasileiros fica entre 20% e 25% quando os interlocutores são argentinos e uruguaios. A razão é a mistura de forte chiado (não sei explicar, mas parece que eles não abrem a boca para falar), o sotaque característico (que muda a forma como várias letras são expressas) e uso e abuso de gírias locais (os divertidíssimos lunfardos). Como consequência, o falante de português que chega de repente à Buenos Aires ou à Montevideo fica perdido, perdidinho com o que os ouvidos captam nas ruas.


Seria, então, o espanhol praticado por argentinos e uruguaios o mais difícil para os brasileiros? Nananinanão. Esse posto pertence ao espanhol do Chile. Para você ter uma ideia do quão difícil ele é, nem mesmo os sul-americanos da parte castelhana compreendem totalmente o que os chilenos falam no dia a dia. Se eles não entendem, o que dirá a gente da comunidade lusófona, hein?! Para você ter uma ideia do nível de dificuldade, há alguns anos uma telenovela chilena fez muito sucesso na TV Argentina (uma espécie de “Avenida Brasil” chilena). Porém, foi necessário fazer a dublagem porque ninguém entenderia o que os atores chilenos diziam. É como se uma produção televisiva feita no Rio Grande do Sul, no Ceará ou em Roraima precisasse de legenda ou dublagem quando fosse passar no eixo Rio-São Paulo. Convenhamos que é surreal.

Na crônica O Espanhol Argentino, o quarto texto da série não ficcional Tempos Portenhos, Ricardo Bonacorci descreve o nível de dificuldade para se aprender o idioma da Argentina e entender o sotaque de Buenos Aires

Creio que só é possível entendermos de 2% a 5% do que o pessoal do Chile fala. Senti na prática o quão complicado é interagir com os chilenos, pois o cara que cortava meu cabelo em Saavedra era chileno. E eu não entendia quase nada do que ele dizia. Nossas conversas eram coisas de louco. Compreendia o que os cantores de rap cantavam nos trens portenhos, mas não compreendia o que meu barbeiro falava. Por isso, ir cortar o cabelo era um momento tenso para mim. Juro que pensava: se eu não o entendo, será que ele entenderá minha solicitação de corte?!


Nossos diálogos eram tão truncados que sequer entendi de onde ele tinha vindo. Só sabia que ele não era argentino. Descobri que se tratava de um chileno quando troquei de barbeiro – sim, o medo acabou me dominando! Aí conversando com o novo profissional, um jovem argentino torcedor do San Lorenzo (abraço, Fabrizio), relatei onde eu estava cortando o cabelo até então. E ele me falou: “Ah, sim, sei quem é. É um chileno que está há mais de 20 anos aqui no bairro. Parece ser um cara legal, mas eu não entendo muito do que ele diz”. Se Fabrizio que é argentino não o entende, IMAGINE eu que sou brasileiro e tenho um espanhol pra lá de mambembe!!!


Trouxe essa perspectiva para nosso debate para mostrar a importância das diferenças regionais do idioma espanhol – elemento que no curso de Licenciatura em Letras dava o pomposo nome de Variante Linguística Geográfica. Sabendo que o castelhano argentino é um dos mais complicados, o brasileiro já chega ciente de que precisará se esforçar mais para entender e ser entendido. Até mesmo quem morou na Espanha, no México, no Paraguai e na Costa Rica, por exemplo, apresenta alguma dificuldade com o sotaque portenho. Por isso, muita calma nessa hora, principalmente se você é um iniciante no espanhol.


Noto que quem vem viver na capital argentina só tem alguns probleminhas com a língua no início. É uma gafe aqui e outra ali, mas rapidamente o estrangeiro aprende o paranauê. O problema maior é com os turistas brasileiros. Como eles dificilmente se enturmam com os locais e permanecem falando português durante a viagem inteira (com a família, com o cônjuge ou com os amigos), a dificuldade de comunicação é muito maior. Sem entender o que os argentinos falam, acabam até achando o pessoal daqui meio grosso e mal-humorado. Não concordo com essa percepção. Como você acha que eles vão reagir se não entendem o que os visitantes falam e reparam que não são entendidos?! Alegre ninguém vai ficar, né?!    


3) Preciso contar minhas várias gafes


No primeiro tópico desta crônica, apresentei apenas os problemas recentes de familiares e amigos com o idioma de Mi Buenos Aires Querido. Usei os exemplos de terceiros porque, como disse, acabei não tendo tantas dificuldades para compreender e para me expressar desta vez. Detalhe para os termos “não tantas dificuldades” e “desta vez” da frase anterior.

Na nova narrativa de Tempos Portenhos, coletânea de 2024 e 2025 da coluna Contos & Crônicas, Ricardo Bonacorci apresenta O Espanhol Argentino, relato pessoal do quão desafiante é para um brasileiro se tornar fluente no castelhano vivendo em Buenos Aires

Há mais ou menos duas décadas, vivi um tempinho por essas bandas. Como trainee de Vendas da Coca-Cola na virada de 2004 para 2005, morei em BsAs e aí sim colecionei incontáveis gafes idiomáticas e culturais. Era uma atrás da outra, o que me fez crer que não tinha capacidade para abandonar a vida monoglota e os hábitos brasileiros. Por isso, sei exatamente como meus conterrâneos se sentem quando pisam em terras argentinas e escorregam nas várias cascas de banana colocadas pelo demoníaco portunhol. Gostaria de rememorar agora alguns dos meus deslizes clássicos.    


A primeira gafe monumental que cometi naquela época foi em um restaurante em Villa del Parque. Almoçava com alguns executivos da Coca-Cola Argentina e pedi un pollo. Preferir frango a carne de vaca e de porco é um erro gigantesco por estas bandas, mas não foi este o maior tropeço do dia. Seguramente! A garçonete, que até então mostrava-se alegre e bem-humorada, me perguntou como eu queria o tal do pollo. Olhei rapidamente para o cardápio e tasquei sem hesitar: “ao forno”. Respondi em português mesmo. A moça ficou vermelha e, numa reação intempestiva, tentou me agredir.


Prontamente, meus colegas a seguraram para evitar um tapa, um soco ou qualquer coisa pior que a transloucada quisesse fazer comigo. Juro que vi uma faca em suas mãos e tentativas de fazê-la conhecer meus tecidos adiposos. Só lembro de, enquanto pedia insistentes desculpas, ouvir o pessoal a minha volta falar: “Ele é brasileiro, ele é brasileiro. Não fala bem o espanhol”. Como assim não falo bem espanhol?! Jurava que estava arrasando.


Quando a garçonete se acalmou um pouco, meus colegas me pediram para nunca mais falar “ao forno” na Argentina. Pelo menos não em um restaurante com alguma classe e para uma mulher de respeito. Em espanhol, aquela era uma expressão pornográfica. O correto era dizer “al horno”. “Pollo al horno”. “Al horno”!!! Nunca mais esqueci daquela lição valiosa de castelhano. Para ser sincero, na dúvida, também nunca mais pedi frango em Buenos Aires. Nem carne ao forno nem carne al horno. Se temos parrilla, para que inventar moda, né? É só lembrar da cara da garçonete e da faca em sua mão para perder a fome.


Algumas semanas mais tarde, fiz amizade com uma vizinha muito, muito bonita. Ela morava no apartamento ao lado e era sempre muito simpática comigo. Com muita paciência, a moça, que deveria ser dez anos mais velha (eu com 22, 23 anos e ela com provavelmente 32, 33 anos) tirava minhas dúvidas do que fazer e aonde ir na cidade. Vivíamos no Centrão de Buenos Aires, na Marcelo T. de Alvear y Suipacha. Como ela gostava de correr nos parques da redondeza (a Plaza General San Martin era seu point favorito), de repente me tornei um adepto das corridas no final de tarde. Já estava percorrendo 3 ou 4 quilômetros (nada admirável para os corredores veteranos, mas uma enormidade para mim, um sedentário que adentrara pela primeira vez naquele universo), quando a encontrei num fim de tarde no elevador do prédio. Estávamos com roupas esportivas e descíamos para o térreo. Ao emendarmos um papo descontraído, criei coragem e a convidei: “Vamos correr?”.

As diferenças e as semelhanças dos idiomas de Brasil e Argentina e as gafes dos falantes do portunhol que visitam Buenos Aires são os temas de O Espanhol Argentino, a quarta crônica de Tempos Portenhos, a nova série narrativa da coluna Contos & Crônicas

Na hora, vi sua fisionomia mudar. Como se não acreditasse no que estava ouvindo, ela ficou me olhando incrédula. Sem entender sua reação, repeti a pergunta: “Vamos correr no parque?! Podemos correr juntos hoje. Que tal?”. Sem entender o que estava acontecendo no interior daquela bela cabecinha, a até então simpática vizinha fechou a cara e saiu do elevador em disparada. Não respondeu ao meu casto convite nem me olhou nos olhos. Na hora pensei: será que fiz alguma besteira?! É claro que tinha feito!


Encucado com o episódio e desconfortável com as fugas da moça nos dias seguintes (ela NUNCA mais entrou no elevador sozinha comigo e apressava ou diminuía os passos nos corredores para não se deparar comigo EM NENHUM LUGAR do edifício), comentei o caso com um colega de trabalho. Queria entender onde havia errado e qual a nova gafe que produzira. O argentino da Coca-Cola gargalhava com meu relato, para meu desespero. Sou tão bonzinho. Não merecia tanto sofrimento.


Foi proseando com os locais que descobri que no espanhol também existe a palavra “correr”. Contudo, ela é pronunciada com o “r” fraco. Soa quase como “corer”. E, para meu desespero, existe a palavra “coger”, esta sim pronunciada como se fosse “rr”. E “coger” significa em castelhano (prepare-se para a bomba!) “foder”. Sim, senhoras e senhores, eu convidei a gatinha do apartamento vizinho para “foder” na praça. Isso em uma conversa corriqueira no elevador.


Após compreendido o enorme vacilo, fui eu quem passei a evitá-la no prédio. Custe o que custasse, aonde ela ia, eu tomava o sentido contrário, abaixava a cabeça e saía de fininho. Traumatizado, demorei muitos anos para voltar a utilizar a palavra “correr” em espanhol. Enquanto não acertei a sua pronunciação, algo que demorou muito tempo, simplesmente a risquei do meu dicionário.


Viu como fui pródigo em cometer deslizes idiomáticos? Falhei tanto na primeira estada na Argentina que cheguei dessa vez totalmente calejado. Mesmo assim, é claro que dei minhas escorregadas. Se não as tivesse dado, não seria eu, né? Minha especialidade é me envergonhar. Na nova temporada em Buenos Aires, as gafes não foram tanto de compreensão e de pronúncia e sim de interpretação textual e de desconhecimento de novas palavras. Mesmo com situações diferentes, continuei sendo o bom e velho Ricardinho... Ai, ai, ai.

Ricardo Bonacorci relata, na coluna Contos e Crônicas do Bonas Histórias, como os brasileiros aprendem o castelhano e escorregam em gafes constrangedoras quando visitam e moram em Buenos Aires. Há mais diferenças do que semelhanças entre o português e o espanhol, algo que os falantes do bom e velho portunhol não imaginam

O primeiro grande deslize da temporada 2023/2024 aconteceu justamente na reunião com a dona do apartamento que aluguei em Saavedra (local que ainda permaneço morando e que adoro). Após fazer o café para ela e para a corretora, ouvi as perguntas: onde você comprou esse café gostoso? Ele é daqui? Todo pimpão e orgulhoso pela excelente qualidade do produto do meu país, respondi que não. Eu o tinha trazido do Brasil. Agora não me recordo exatamente o que disse de complemento. Acho que foi algo como: “yo trouxe” (sim, usei o verbo em português mesmo, como se não fosse dar problema).


Nesse momento, a proprietária do apartamento, que carregava um barrigão de sete meses de gravidez, me olhou perplexa. Para minha sorte, a corretora intercedeu prontamente: “Eu entendo português um pouco. O que o Ricardo quis dizer é que ele trouxe o café do Brasil”. Como ela falou em espanhol (“el trajo el café de Brasil”), notei que usou o verbo “traer”, que tinha me esquecido completamente (e que não fazia ideia de como se conjugava).


Para minha vergonha, a dona do imóvel riu de maneira muito simpática. Na sequência, me disse mais em tom de curiosidade/conselho do que de reprovação/bronca: “Você não tem ideia do que você falou, né?”. Balancei a cabeça negativamente. Aí completou: “Não vou te dizer o significado dessa palavra (trazer), mas só adianto que não é legal você usá-la aqui”. Pesquisando depois, descobri que se tratava de uma expressão para masturbação. Ou seja, ela me perguntou de onde era aquele café e respondi que era fruto da minha masturbação. Viu como sou campeão de me meter em apuros desnecessariamente!


Outro episódio vergonhoso aconteceu em um primeiro encontro com uma linda argentina. Numa pizzaria com ambientação romântica em Belgrano C, ela me confidenciou que tinha muitas dores nas pernas. Sabendo que trabalhava de pé o dia inteiro numa loja em Belgrano R, perguntei com ar de quem descobrira a causa daquele problema: “Não seria por causa dos teus tapones?”. Ela arregalou os olhos e revoltada me perguntou: “O que você disse?!”.


Como não tenho medo do ridículo e me sentindo o Sherlock Holmes, repeti: “Isso deve ser culpa dos tapones? Aposto que você usa tapones durante o serviço, não usa?!”. O que estava querendo dizer (juro!) é que acreditava que ela utilizasse “saltos altos” durante o expediente, o que obviamente provocava as fortes dores nas pernas. Se há algo que nós homens não entendemos é o porquê as mulheres usam salto alto, ainda mais no trabalho, por várias e várias horas.

Na crônica O Espanhol Argentino, o quarto texto da série não ficcional Tempos Portenhos, Ricardo Bonacorci descreve o nível de dificuldade para se aprender o idioma da Argentina e entender o sotaque de Buenos Aires

Porém, por uma letrinha besta, “salto alto” no espanhol argentino é “tacones” e não “tapones”. Vamos combinar que são palavras quase idênticas, Santo Deus! No caso, “tapones”, para minha enorme infelicidade, é “absorvente feminino interno”. É, querido(a) leitor(a) do Bonas Histórias, estava falando para a bela dama na minha frente que ela tinha dores nas pernas por usar absorvente interno durante o trabalho. Até hoje não sei o motivo daquele date ter acabado tão mal (e de minha mãe ainda esperar por uma nora).


4) Meu processo de aprendizado do idioma


Planejei meu aprendizado de espanhol mesclando experiências orgânicas e informais com aulas teóricas. Acho que essa é uma combinação agradável, despretensiosa e que combina com meu estilo de vida leve e tranquilo (também chamado de romântico, pouco ambicioso e muito acomodado). Certamente, meu método é ideal para quem não tem pressa de mergulhar na cultura local e para quem gosta de curtir pouco a pouco o aprendizado da nova língua. Se você é um dos milhares de estudantes brasileiros de Medicina que vem para cá sonhando em entrar na UBA (Universidade de Buenos Aires) o mais rapidamente possível, meu passo a passo parecerá um absurdo. Sei disso, tá? Sou apenas um escritor que aportou por essas bandas para viver com mais qualidade de vida (algo que não encontrava há muito tempo em São Paulo) e aproveitar o até então câmbio favorável (bons tempos aqueles...).


Assim, passei os três, quatro primeiros meses em Buenos Aires sem qualquer preocupação com o aprendizado formal do idioma. A ideia era aprendê-lo naturalmente, no dia a dia e com a população nativa. Foi o que fiz. Como morava sozinho e não tinha nenhum amigo brasileiro em CABA naquela época, foi muito fácil mergulhar na cultura argentina e na língua espanhola. Lembro que adorava caminhar pela cidade e andar de ônibus, trem e metrô escutando as conversas dos desconhecidos (ai se Dona Júlia soubesse o quão bisbilhoteiro seu neto tinha se transformado!). Também visitava semanalmente o cinema, sempre para conferir filmes argentinos e uruguaios. Passava o dia escutando música em espanhol – dale Kevin Johansen, No Te Va Gustar, Manu Chao, Carlos Gardel, Calle 13, La Franela, Jorge Dexter e Kurt.


E, claro, aproveitava cada oportunidade para prosear com os moradores de Baires, algo estranhíssimo para alguém como eu, um antissocial incorrigível. Reunião no condomínio? Apareceu moça bonita na mesa ao lado do Mostaza? Panelaço no boulevard em frente de casa? Fila no supermercado? Garçons dos restaurantes de Núñez e Saavedra estranhando o sotaque do gringo que veio morar no lado pouco turístico da capital argentina? Negociação com a corretora de imóveis e pagamento mensal do aluguel do apê? Compra de dólares com a simpática uruguaia de Belgrano (beijo, Sandra!)? Tudo era motivo para um dedo de prosa.


Juro que com quatro meses vivendo em Buenos Aires, já achava que meu espanhol estava ótimo – detalhe para a palavra “ACHAVA”. Afinal, eu entendia a todos (ou quase todos, porque na época meu barbeiro ainda era o chileno) e era entendido pela maioria dos portenhos (em algumas poucas oportunidades, meus interlocutores realmente não me compreendiam por mais que me esforçasse).

Na nova narrativa de Tempos Portenhos, coletânea de 2024 e 2025 da coluna Contos & Crônicas, Ricardo Bonacorci apresenta O Espanhol Argentino, relato pessoal do quão desafiante é para um brasileiro se tornar fluente no castelhano vivendo em Buenos Aires

Foi aí que resolvi fazer o curso de espanhol no Laboratório de Idiomas da Universidade de Buenos Aires (UBA). As aulas eram presenciais e aconteciam em um charmoso prédio ao ladinho da Casa Rosada, no Centrão da cidade. Ia lá três vezes por semana. Cada aula tinha duas horas de duração e as classes possuíam entre 10 e 15 alunos. Ou seja, eram seis horas semanais de atividades. Realizei dois módulos – Español para Brasileños Nivel Elemental (de janeiro a março de 2024) e Español para Brasileños Nivel Pre-intermedio (abril a junho de 2024). Pela metodologia da UBA, como os brasileiros têm mais facilidade com o idioma do que os outros estrangeiros, ficamos em turmas separadas dos gringos.


Considerei excelente o nível dos cursos do Laboratório de Idiomas. Os professores eram ótimos, destaques para Fabián Haim, um dos mais carismáticos e empolgantes professores que tive na vida, e Ana Lea Blaustein, uma excelente professora e um amor de pessoa. Também fiz boas amizades (abraço, Rai; beijo, Sub-30!). O curioso das aulas foi perceber que meu espanhol, que até então considerava aceitável, era na verdade HORRÍVEL. As pessoas até me entendiam no dia a dia, mas eu falava erradíssimo: “Mim quer carne!” e “Mim gosta empanada”. Aprender a conjugação dos verbos, saber o significado das principais palavras, termos e expressões e entender as particularidades da língua foi libertador. O mais interessante é que meu aprendizado formal foi muito prático. Como estava imerso na cultura local, a teoria era imediatamente colocada à prova.


Contudo, o excesso de aulas cobrou um preço. Como o volume de trabalho na EV Publicações e no Bonas Histórias aumentou bastante, praticamente deixei de interagir com os portenhos. Minhas saídas que eram frequentes no segundo semestre de 2023 se tornaram mais raras no primeiro semestre de 2024. Quando conseguia arranjar tempo para uma escapulida, ou era sozinho ou era com alguns brasileiros que vinham me visitar ou que fiz amizade no curso. Em outras palavras, apesar do conhecimento idiomático adquirido nas aulas, não pude praticar com a devida regularidade.


Ao notar isso, resolvi não prosseguir com as aulas no Laboratório de Idiomas depois de junho – o próximo módulo era Español para Brasileños Nivel Intermedio. No segundo semestre de 2024, a ideia foi justamente voltar à prática do espanhol 100% no dia a dia, como fizera no ano passado. O legal é que conseguiria conversar com mais fluência e sem tantos erros básicos. É mais ou menos isso o que tenho feito (ou tentado fazer), apesar do volume de trabalho só ter aumentado! Fiz amizade com alguns argentinos e sul-americanos, o que me permitiu ganhar alguma fluência idiomática. Admito que o desafio agora é melhorar o meu sotaque. A pronúncia de algumas letras só melhorou recentemente, mas está muito longe do ideal.


No processo de aprendizado de qualquer idioma, acredito que existam seis fases muito marcantes: (1º) entender o que falam, (2º) se expressar bem, (3º) dominar a leitura, (4º) ficar bom na escrita, (5º) pensar no novo idioma e, enfim, (6º) perder o sotaque carregado. Esse é o caminho natural para se tornar um falante seis estrelas.

Curso de espanhol na Argentina para brasileiros – Turma de 2024 do Laboratório de Idiomas da Universidade de Buenos Aires (UBA)

No caso do espanhol da Argentina, é possível em um mês concluir a primeira fase (entender o que falam). Quem mergulha na rotina e na cultura locais consegue chegar a essa condição sem fazer aulas formais ou cursos. Em três meses, dificilmente algo parecerá estranho aos ouvidos dos brasileiros integrados a Buenos Aires. Já para a segunda etapa (se expressar bem), creio que é necessário sim recorrer a uma metodologia formal de aprendizado/estudo. No meu caso, só consegui me comunicar minimamente bem depois de 10 meses de Argentina e com dois módulos de curso, que totalizaram cerca de 80 horas de sala de aula. Contudo, lembre-se que optei pelo método lento e tranquilo (e que sou antissocial!). Conheci colegas brasileiros no Laboratório de Idiomas que em quatro, cinco meses estavam conversando muitíssimo bem.      


Com quase um ano e meio em CABA, sinto que estou mais à vontade para ler e escrever em espanhol, respectivamente a terceira (dominar a leitura) e a quarta (ficar bom na escrita) fases do aprendizado do idioma. Já leio alguns livros e reportagens e acompanho sem problemas filmes legendados em espanhol. A escrita é menos natural, mas sai com alguma boa vontade do meu interlocutor. Meus desafios para o próximo ano são pensar no novo idioma (quinta etapa) e perder o forte sotaque brasileiro (sexta etapa). Assim, acho que poderei me aproximar do patamar de seis estrelas (está por enquanto em 3,5 estrelas, sendo muito, muito otimista). Para isso, quero voltar a fazer mais um ou dois módulos do curso de espanhol. Vamos ver se terei tempo e dinheiro para isso, né?


Meu sonho é falar espanhol como Carlos fala português. Meu amigo argentino viveu por 15 anos no Brasil e, de volta ao seu país, está estudando Medicina. Mora em Pilar e tem o português de um legítimo brasileiro. Ninguém diz que ele é argentino quando aperta a tecla SAP. Às vezes, tenho a impressão de que ele pratica meu idioma com menos erros do que eu. É assustador para mim. Abraços, Carlos! E, claro, almejo ter a fluência que a apaixonante Carolinda tem no espanhol. Ela, que também é estudante de Medicina, mas veio da paradisíaca Natal, está em Buenos Aires há quatro anos e meio e se expressa sem qualquer sotaque brasileiro. Quando a ouço conversar com os portenhos, acho que estou diante de uma nativa de Baires. Impossível não ficar babando por ela (e não sonhar com o Ricaro). Beijinho, Caro!


Era isso o que tinha para prosear com vocês hoje. No final de janeiro de 2025, retornarei às páginas de Contos & Crônicas para apresentar mais um episódio de “Tempos Portenhos”. O próximo tema que vamos debater por aqui é a Culinária Argentina. Afinal, como é a experiência à mesa em Buenos Aires, hein? O que os argentinos bebem e comem no dia a dia? Quais as principais diferenças gastronômicas para o Brasil? As respostas para essas questões só virão no ano que vem, quando for publicada a crônica “Sentando-se à Mesa com os Argentinos”. Enquanto o novo texto da série não chega, curta os posts das demais colunas do Bonas Histórias. Tenho certeza de que tem muito assunto interessante sobre Literatura, Cultura, Arte e Entretenimento em nossas páginas.


Até a próxima, pessoal!


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Nona série narrativa da coluna Contos & Crônicas, “Tempos Portenhos” é a coletânea de textos pessoais de um brasileiro que escolheu viver em Buenos Aires. Neste conjunto de memórias, Ricardo Bonacorci revela os detalhes da capital argentina, o dia a dia dos moradores locais e estrangeiros, a cultura da cidade, a história do país e os hábitos portenhos. Cada narrativa abordará um tema específico: o passeio habitual pelos parques; o amor incondicional aos cachorros; a paixão pela carne; a devoção pelo futebol; as particularidades da língua espanhola dos habitantes das margens do Rio da Prata; a segurança e a qualidade de vida na capital argentina se comparadas às das cidades brasileiras; a contradição da crise econômica e da metrópole fervilhante; o custo de vida mais baixo etc. O objetivo aqui é fazer, ao longo de 2024 e 2025, um raio-X da alma portenha.


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