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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

bonashistorias.com.br

Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Talk Show Literário: José Pinagé de Vasconcelos


Talk Show Literário Zezé

Darico Nobar: Boa noite, Brasil!


Plateia: Boooooooa noooooooite!!!


Darico Nobar: Êta galera mais animada esta do Talk Show Literário! [Após falar para a câmera 2, vira-se na cadeira e passa a olhar para a lente da câmera 3]. Se vocês estão assim antes do programa começar, fico imaginando depois que o convidado entrar. Saibam que nossa entrevista de hoje será muito especial. O papo será com uma das personagens mais cativantes da literatura brasileira. Com vocês, Zezé!


[O público no auditório explode em palmas e gritos de empolgação quando um menino mirrado de aproximadamente cinco anos sobe ao palco. Ele está de terninho verde com risca branca. Tem um coletinho que abotoa no pescoço. Embaixo, camisa social e gravata de laço. Nos pés, sapato de verniz, meias brancas e ligas de elástico. No cabelo louro, nota-se a aplicação de brilhantina].


Darico Nobar: Olá, Zezé. Tudo bem?


José Pinagé de Vasconcelos: Tudo ótimo. E com o senhor? [Apesar da pequena estatura, um pulo endiabrado o colocou em cima do sofá].


Darico Nobar: Melhor agora que você chegou, meu amiguinho. E como você está chique, hein? Acho que nunca vi um guri tão elegante!


José Pinagé de Vasconcelos: Essa roupa foi a mamãe que comprou. Era do Nardinho, o sobrinho da Pata-Choca. A gravata de laço foi a Lalá que fez com um pedaço de seda velho. Ficou bom mesmo? [O menino se olha timidamente].


Darico Nobar: Mas é claro que ficou. Ele não está na maior estica, pessoal?


Plateia: Lindo. Lindo. Lindo! [Os gritos vêm de todos os cantos do auditório].


Darico Nobar: Diga-me, Zezé, o que você quer ser quando crescer?


José Pinagé de Vasconcelos: Poeta.


Darico Nobar: Hummm. Interessante. Mas por que poeta?


José Pinagé de Vasconcelos: Para sair em retrato na revista e para ir em programa de TV.


Darico Nobar: Então teremos um artista?


José Pinagé de Vasconcelos: Pode ser também. O pessoal lá em casa diz que o que mais faço é arte. É arte o dia inteiro.


Darico Nobar: Não é desse tipo de arte que estou me referindo. [Um sorriso paternal surge em seu rosto]. Um poeta é um artista.


José Pinagé de Vasconcelos: Eu também quero ser ator. Ainda vou trabalhar no cinema e virar figurinha de estrela. Quero fazer filme em que o mocinho anda de cavalo ensinado que nem o Tom Mix. O senhor gosta dos filmes de Velho Oeste?


Darico Nobar: Claro! Quando garoto eu só assistia filmes de cowboy com meu avô. Era um melhor do que o outro.


José Pinagé de Vasconcelos: Seu Darico, o Fred Thompson era mesmo mudo?


Darico Nobar: Ah, Zezé [dá uma risada estridente]. Não era ele quem era mudo, era o cinema. Os atores e atrizes de antigamente conseguiam falar, mas naquela época não havia tecnologia para colocar imagem e som ao mesmo tempo nos filmes.


José Pinagé de Vasconcelos: O Tio Edmundo me falou que o Buck Jones era gago. Por isso não queria falar nos filmes. Tinha vergonha.


Darico Nobar: Seu tio não devia meter tanta minhoca na sua cabeça.


José Pinagé de Vasconcelos: Ele não mete, não. Ele é sábio. E bonzinho. O Tio Edmundo me ensina as coisas. Foi ele quem me deu o Raio de Luar de presente. Até hoje, ele só me deu uma palmadinha e não foi com força.


Darico Nobar: Por falar nisso, você apanha muito dos adultos?


José Pinagé de Vasconcelos: Os adultos são atarantados. Por qualquer coisinha boba, já partem para os cocorotes. Estão sempre dizendo que a gente atazana a paciência deles. E a culpa é sempre do menino do seu Paulo. Aí acabam a discussão com grandes chineladas na bunda. Bunda não, ná-de-gas. Foi assim que o Portuga me ensinou a falar. Ná-de-gas. E as ná-de-gas favoritas são as minhas [aponta com os dedos indicadores para a região]. O chinelo come solto lá em casa. É cada sova de entortar o esqueleto.


Plateia: Ohhhhhhhhhh.


Darico Nobar: Você deve ser muito levado, não é?


José Pinagé de Vasconcelos: Seu Darico, eu juro que tento não irritar os adultos, mas no momento que o capeta se junta à brincadeira, não há nada mais gostoso do que fazer arte... Parece que o diabo fica soprando as coisas no meu ouvido. Aí é um tal de dizer que o Zezé tá com o diabo no sangue.


Darico Nobar: Agora quero saber uma coisa importante, Zezé: é verdade que você já sabe ler?


José Pinagé de Vasconcelos: Sei, mas ninguém acredita.


Darico Nobar: Não é possível! Você só tem cinco anos. Imagino que você tenha estudado com alguém.


José Pinagé de Vasconcelos: Não estudei nada. Ninguém me ensinou. Só se foi o diabo que a Jandira diz que é meu padrinho, que me ensinou dormindo.


Darico Nobar: Ninguém aprende essas coisas sozinho, Santo Deus!


José Pinagé de Vasconcelos: Juro. Eu sei ler tudinho. Pergunta para a D. Cecília Paim. Ela disse que eu sou quem melhor lê na classe. O melhor leitureiro da minha idade. E olha que ela pensa que tenho seis anos. Estou tão adiantado que sempre gazeteio as aulas de terça-feira.


Darico Nobar: Será que você não aprendeu diretamente da Cartilha? Soube de casos assim, de garotos autodidatas.


José Pinagé de Vasconcelos: O que é um autodidata?


Darico Nobar: É alguém que aprende sozinho.


José Pinagé de Vasconcelos: Não sei se aprendi sozinho. Eu acho que já sabia ler. Será que o... Como chama a palavra?


Darico Nobar: Autodidata.


José Pinagé de Vasconcelos: Isso mesmo! Será que o autodidata já não sabia e, por isso, não precisou aprender com ninguém.


Darico Nobar: Nunca tinha pensado nesta possibilidade. É uma boa teoria. Sabe que você um garotinho muito esperto?! [De repente, o menino fica calado, olhando para o vazio]. Zezé? Zezé? Tudo bem? [O garoto continua mudo]. O que é que você tem?


José Pinagé de Vasconcelos: Nada. Tava cantando.


Darico Nobar: Cantando?!


José Pinagé de Vasconcelos: É.


Darico Nobar: Ué, não ouvi nada.


José Pinagé de Vasconcelos: É porque gosto de cantar para dentro.


Darico Nobar: E como é isso?


José Pinagé de Vasconcelos: Deixa pra lá. Se você não sabe, eu que não vou ensinar.


Darico Nobar: Diga-me outra coisa então. Quem é seu melhor amigo?


José Pinagé de Vasconcelos: Tenho vários. Tem o Portuga, o Luciano, o Minguinho, o Luís, o Tio Edmundo, o Totoca. Tem também o Ariovaldo, o Serginho.


Darico Nobar: Mas quem é o mais especial, aquele que você conta seus segredos mais íntimos e que está ao seu lado nos momentos mais complicados.


José Pinagé de Vasconcelos: Se só posso escolher um, eu escolho... [faz figas com os dedos] o Minguinho.


Darico Nobar: E quem é este Minguinho? É algum coleguinha da escola?


José Pinagé de Vasconcelos: Não, seu Darico. É o meu pé de laranja lima. Ele mora lá no quintal de casa. A gente fica tagarelando. Só vendo como ele fica inchado de orgulho quando eu conto o que me acontece. O Minguinho é pior do que eu para gostar de conversa.


Darico Nobar: Ele fala? Por onde uma laranjeira fala se não tem boca?


José Pinagé de Vasconcelos: As árvores falam por todo canto. Pelas folhas, pelos galhos, pelas raízes. Mas elas só falam com quem a fada deixa.


Darico Nobar: Fada?!


José Pinagé de Vasconcelos: A fada que vive na natureza.


Darico Nobar: E por onde a laranjeira ouve se não tem orelha?


José Pinagé de Vasconcelos: Isso não sei. O Minguinho deve ter orelha, eu que ainda não descobri onde. O coração sei que fica no tronco. A inteligência na raiz. Os braços nos galhos. E o nariz nas folhas.


Darico Nobar: E o que mais vocês dois fazem além de prosear?


José Pinagé de Vasconcelos: Eu monto e ele galopa, que nem louco, pelas campinas do Oeste quando a gente vai caçar bisão e búfalos. É cada aventura danada de boa!


Darico Nobar: Zezé, muito obrigado pela entrevista. Foi ótima a nossa conversa.


[O menino se levanta do sofá em silêncio, dá a volta na mesa e aperta com força o pescoço do apresentador].


Plateia: Ohhhhh! [Juntamente com as exclamações emocionadas do público, surgem muitas palmas no auditório].


Darico Nobar: Que abraço mais gostoso! Depois deste gesto tão afetuoso do meu amiguinho aqui, só posso encerrar o programa de hoje. Obrigado pela audiência de todos e até mês que vem com mais um Talk Show Literário. Boa noite!


[Enquanto a plateia segue aplaudindo, a câmera 1 dá um take geral no estúdio. É possível ver que o apresentador e o entrevistado seguem proseando mais intimamente enquanto as letras dos créditos sobem na tela].


Darico Nobar: Agora fala só para mim, Zezé. É verdade essa história que você sabe ler? Quem foi que te ensinou, hein?


[Com atraso de alguns segundos, os microfones do palco são cortados].


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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas três primeiras temporadas, neste quarto ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.


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