No início do mês, visitei o Itaú Cultural para conferir a exposição “Ocupação Rino Levi”. A mostra é uma homenagem à vida e ao trabalho do arquiteto e urbanista paulistano que revolucionou a paisagem da cidade de São Paulo a partir da década de 1920. Com a contribuição direta de Rino Levi, a capital paulista abandonou definitivamente os ares de localidade bucólica e interiorana e adquiriu a cara de metrópole cosmopolita e vertical que possui atualmente.
Das pranchetas de Levi nasceram projetos que ainda hoje são marcos arquitetônicos do município: o Cine Ipiranga, de 1943, o Edifício Prudência, na Avenida Angélica, de 1944, o Teatro Cultura Artística, de 1950, o Hospital Israelita Albert Einstein, de 1958, e o edifício do SESI da Avenida Paulista, de 1979, agora sede da FIESP (aquele prédio com a fachada predominantemente preta e desenho piramidal que chama tanta a atenção por quem passa pela via mais famosa de São Paulo). Fora da capital paulista, o arquiteto e urbanista paulistano foi o responsável pelo Cine Art-Palácio, de 1936, em Recife, pela casa de Olivo Gomes, de 1949, em São José dos Campos, e pelo Centro Cívico, de 1965, em Santo André.
Sem sombra de dúvida, Rino Levi é um dos gênios da arquitetura brasileira do século XX. Representante da Escola Paulista de Arquitetura Moderna e fundador da cultuada Rino Levi Arquitetos Associados, ele projetou edifícios, residências, cinemas, teatros, hospitais e museus. Como legado profissional, Levi deixou muito mais do que projetos e tendências arquitetônicas. Ferrenho defensor da regulamentação de sua profissão, contribuiu para alterar o modo de se pensar e de se fazer arquitetura no país, além de ter atuado como professor universitário por muitos anos.
Inaugurada em 29 de fevereiro no andar térreo do Itaú Cultural da Avenida Paulista, a exposição “Ocupação Rino Levi” apresenta um acervo interessante sobre o trabalho e a vida do arquiteto e urbanista que ajudou a mudar a cara de São Paulo. O público que visita a mostra tem acesso a fotografias, artigos de jornais, projetos arquitetônicos, maquetes, croquis e plantas de casas e edifícios, documentos pessoais e estudos urbanísticos de Levi. Há também muitos vídeos tanto sobre a personalidade retratada quanto sobre seus trabalhos. Alguns desses vídeos são inéditos, com profissionais atuais discorrendo sobre o legado de Rino Levi e sobre os detalhes dos seus projetos mais relevantes.
Além disso, é possível realizar um passeio virtual (graças à realidade virtual) por duas de suas maiores inovações, o UFA Palácio (mais tarde chamado de Cine Art-Palácio) e o Cine Universo, ambos em São Paulo. O primeiro foi um edifício construído na Avenida São João (berço da Cinelândia), em 1936, para abrigar uma sala de cinema com proporções gigantescas para a época (mais de 3 mil espectadores). Para tal, o UFA Palácio foi concebido com o que havia de mais moderno em técnicas arquitetônicas, com preocupações que abrangiam a acústica, a visibilidade, a circulação de ar, a acessibilidade da plateia, o conforto dos clientes e a funcionalidade do espaço. Maravilhoso!
Por sua vez, o Cine Universo foi projetado em 1936 e inaugurado três anos depois. O edifício da Rua Celso Garcia (segundo polo cinematográfico mais importante da cidade, perdendo apenas para a Cinelândia) também se tornou referência em desenho para as demais salas de cinema por sua qualidade técnica, pela acústica impecável e pelo visual arrebatador. Vale lembrar que Levi foi um revolucionário na aplicação dos princípios da acústica, o que lhe garantiu muitos projetos em teatros e cinemas pelo país. Diferentemente do UFA Palácio, o Cine Universo foi criado para atender mais pessoas (inicialmente a projeção era de 5 mil espectadores, mas no final acabou com uma capacidade total de 4.300 clientes) e de uma classe social mais simples. Sem os excessos estilísticos do cinema anterior, o Cine Universo ficou conhecido por muito tempo como o maior cinema da América Latina.
Realizar os passeios virtuais pelo UFA Palácio e pelo Cine Universo é voltar aos tempos áureos do cinema de rua de São Paulo. É também uma ótima maneira para entender a genialidade de Rino Levi e para conhecer as inovações propostas por seus projetos nas casas de espetáculos (nos cinemas e, por que não, nos teatros). Se as duas estações de realidade virtual estiverem ocupadas, vale a pena esperar o tempo que for preciso para ver os detalhes destas construções incríveis. Não perca a oportunidade de conferi-los, hein?
Uma parte curiosa (e não menos interessante) da exposição é aquela destinada aos projetos não aprovados do arquiteto. Rino Levi contribuiu, por exemplo, desenhando prédios e palácios da cidade de Brasília na segunda metade da década de 1950, quando a nova Capital Federal era esboçada pelo então presidente Juscelino Kubitschek. Os projetos de Levi, como sabemos, foram preteridos pelos da dupla Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Rino Levi também participou da concorrência para o Novo Viaduto do Chá, em São Paulo, nos anos de 1950. A iniciativa de reformulação do espaço, contudo, foi cancelada pela Prefeitura da época. Curiosamente, a ideia de revitalizar essa tradicional área da cidade foi retomada apenas recentemente, mais precisamente no ano passado, pela atual administração municipal (mas, com um projeto totalmente desconectado às propostas de Rino Levi). Mesmo sabendo que a Brasília do arquiteto paulistano e o seu Viaduto do Chá nunca saíram do papel, ainda sim é magnífico passear pelas linhas traçadas em seus croquis.
Nascido na capital paulista, em 31 de dezembro de 1901, em uma família italiana, Rino Levi estudou arquitetura na Itália. Ainda morando na Europa, publicou no jornal O Estado de São Paulo uma matéria intitulada de “Arquitetura e Estética das Cidades”. Nesse manifesto considerado pioneiro na valorização da Arquitetura Moderna no Brasil, o jovem estudante destacava a importância da aplicação da filosofia, dos conceitos e das técnicas mais contemporâneas na construção das grandes cidades. Uma vez formado, Levi regressou ao seu país natal em 1926. Justamente nesta época, São Paulo crescia vertiginosamente. Ou seja, juntou-se a fome (da metrópole que urgia) com a vontade de comer (do jovem arquiteto ansioso para mostrar trabalho).
Por aqui, Rino Levi começou trabalhando na Companhia Construtora de Santos. Porém, rapidamente fundou a sua própria empresa, a Rino Levi Arquitetos Associados. No início da década de 1930, surgiram os primeiros projetos do seu escritório de arquitetura na cidade de São Paulo: modernos prédios realizados para imigrantes italianos. Contudo, o arquiteto viveria seu auge profissional a partir da segunda metade dos anos 1930. Foi entre 1936 e 1951 que Levi se tornou a cara de São Paulo, realizando memoráveis construções pela metrópole. Seus projetos foram, inclusive, publicados em revistas arquitetônicas nacionais (Revista Politécnica, por exemplo) e internacionais (Architettura, na Itália, e Architecture d´Aujourd´Hui, na França).
Na década de 1950, Rino Levi desacelerou um pouco o trabalho de produção de novos projetos. Ele preferiu atuar de maneira mais institucional e acadêmica. É neste período em que participa da formação e da construção do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), onde seria presidente. Levi também trabalhou ativamente na reformulação da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), onde foi professor.
Em 1965, Rino Levi faleceu aos 63 anos quando viajava pelo interior da Bahia ao lado do amigo Burle Marx. Mesmo assim, alguns projetos do arquiteto saíram do papel mesmo após sua morte. São os casos do Edifício da FIESP-CIESP-SESI da Avenida Paulista, dos prédios da Faculdade de Medicina do ABC, em Santo André, e da Torre do Relógio, na Cidade Universitária da USP.
“Ocupação Rino Levi” ficará em cartaz no Itaú Cultural até 12 de abril (pelo menos era essa a programação antes do fechamento do espaço por causa do coronavírus). A entrada é gratuita e a exposição é destinada a todas as idades. É verdade que quem trabalha, estuda e gosta de arquitetura e urbanismo irá apreciar mais os detalhes desta mostra. Mesmo assim, a instalação é didática e rica o suficiente para agradar também o visitante leigo.
Reserve ao menos uma hora para percorrer todos os espaços da exposição. Foi mais ou menos esse o tempo que levei no último sábado à tarde. Apesar da mostra estar concentrada em uma pequena ala do térreo do edifício do instituto cultural, há muita coisa para ser vista (não confunda compactação espacial com pobreza de acervo, por favor!). Até mesmo aos finais de semana, o público em “Ocupação Rino Levi” não é tão grande. Portanto, dá para apreciar os materiais apresentados ali numa boa. A única parte que requer um pouco mais de paciência do visitante é nas estações de realidade virtual. Se você tiver sorte, não precisará pegar fila.
Gostei muito de “Ocupação Rino Levi”. Esta é a 49ª edição do Programa Ocupação do Itaú Cultural. É legal perceber que a coluna Exposições do Bonas Histórias analisou, nos últimos anos, algumas delas: Ocupação Abdias Nascimento (janeiro/2017), Ocupação Cartola (novembro/2016), Ocupação Grupo Corpo 40 Anos (janeiro/2016), Ocupação Elomar (agosto/2015) e Ocupação Vilanova Artigas (julho/2015).
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