A edição deste ano do Oscar reservou a maior surpresa dos últimos anos. Afinal, quem poderia imaginar que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles daria o prêmio de melhor filme, sua principal estatueta, para uma produção que não fora falada em língua inglesa, hein? Enquanto o mundo cinematográfico discutia se o prêmio maior da cerimônia de 2020 iria para “1917” (2019), do diretor Sam Mendes, ou para “Coringa” (Joker: 2019), do diretor Todd Phillips, os jurados escolheram o sul-coreano “Parasita” (Gisaengchung: 2019), do diretor Bong Joon Ho. Pela primeira vez, um longa-metragem falado em uma língua estrangeira conquistou a principal honraria do cinema norte-americano. Incrível!
A questão que fica é: o surpreendente ganhador merecia realmente conquistar tal estatueta? Infelizmente, tal escolha se deu, a meu ver, mais por motivos político-ideológicos do que por questões meramente técnicas (como deveria ser em um mundo perfeito e justo – utópico?!). Essa é uma falha que o Oscar vem repetindo a pelo menos uma década (há quem diga que sempre foi assim...). Escolhessem o filme pelo que ele representa e não pelo o que ele é efetivamente. Isso não quer dizer que “Parasita” não seja um filmão. Sim, ele é! Tanto que a conquista da estatueta de melhor filme internacional foi justíssima. Agora, falar que “Parasita” é melhor do que “1917” ou “Coringa”, me soa um tanto exagerado. Até porque, como experiência cinematográfica, “1917” é muito mais filme do que qualquer outro longa-metragem de 2019. E quando olhamos a narrativa e a proposta do conflito principal da história, “Coringa” é o melhor indiscutivelmente desta temporada.
Então por que “Parasita” ganhou?! Pelo mesmo motivo que “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker: 2009) venceu em 2010, “Moonlight - Sob a Luz do Luar” (Moonlight: 2016) ganhou em 2017 e “A Forma da Água” (The Shape of Water: 2017) conquistou o Oscar em 2018. Impossível alguém com bom-senso garantir, em uma escolha isenta e totalmente imparcial, que esses foram os melhores títulos de seus respectivos anos. O nome do jogo aqui é politicagem. Tão importante quanto selecionar o melhor, é mostrar que, em 2020, a Academia é plural e aberta às influências estrangeiras (algo que como nação, os Estados Unidos são uma negação). Portanto, não se surpreenda se mais filmes de outros países frequentarem, nos próximos anos, a categoria principal do Oscar.
Quando olhamos em retrospectiva a cerimônia de 2020, podemos dizer que a surpresa já se emoldurava (a apresentação do melhor filme sempre fica para o final), apesar de na hora pouca gente perceber isso (eu confesso que não notei naquele momento a propensão para a escolha da produção sul-coreana). Antes de conquistar a estatueta de melhor filme, “Parasita” já havia levado outras três estatuetas: Melhor diretor (Bong Joon Ho), melhor filme internacional e melhor roteiro original. Por outro lado, “1917” só tinha vencido nas categorias técnicas (fotografia, efeitos visuais e mixagem de som). E “Coringa” tinha levado apenas os prêmios de melhor ator (Joaquim Phoenix) e de melhor trilha sonora original. Ou seja, as cartas já tinham sido colocadas na mesa. Mesmo assim, o impacto da escolha inédita pegou a maioria do público de supetão.
Com exceção da surpreendente e polêmica decisão de melhor filme, as demais opções da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles foram de certa maneira óbvias. Renée Zellweger, de “Judy - Muito Além do Arco-Íris” (Judy: 2019) era dada como escolha quase certa como melhor atriz. Joaquim Phoenix também era favoritaço à estatueta de melhor ator. Sua atuação como Coringa foi impecável. Brad Pitt, de “Era Uma Vez em…Hollywood” (Once Upon A Time In...Hollywood: 2019) e Laura Dern, de “História de um Casamento” (Marriage Story: 2019), respectivamente melhor ator coadjuvante e melhor atriz coadjuvante, mereceram suas premiações. O mesmo se deu com a escolha do melhor documentário. Apesar de estar torcendo para o representante brasileiro, “Democracia em Vertigem” (2019), sabia que “Indústria Americana” (American Factory: 2019) ganharia. Afinal, quem poderia bater o carismático casal Obama em uma produção com forte denúncia social? Ou seja, ainda não foi dessa vez que nosso país terá a sua tão almejada estatueta.
Talvez a outra surpresa da noite (em proporções infinitamente menores) tenha sido a escolha de “Jojo Rabbit” (2019) como melhor roteiro adaptado. O brilhante filme de Taika Waititi superou os favoritos “Coringa” e “O Irlandês” (The Irishman: 2019). Por falar no filme de Martin Scorsese, ele saiu de mãos vazias da cerimônia de domingo. Uma pena!
A edição de 2020 do Oscar não teve nenhum momento marcante, como o dueto de Lady Gaga e Bradley Cooper no piano no ano passado ou a selfie feita por Ellen Degeneres com quase toda Hollywood em 2014. Para mim, a cena mais forte deste ano foi o discurso de agradecimento de Joaquim Phoenix. O ator que é conhecido por sua timidez e por ter um gênio forte (gênio forte é normalmente um eufemismo para a designação “pessoa insuportável”) embalou uma fala megalomaníaca no começo do seu pronunciamento. Nesta parte, ele discorreu sobre o egoísmo do ser humano de forma geral. Quando já começava a me decepcionar com suas palavras, Phoenix mudou de uma hora para outra seu discurso na parte final. Aí ele fez uma mea-culpa sincera sobre seu comportamento um tanto complicado nos sets de filmagens. Saiu aplaudidíssimo. E com humildade, deixou rapidamente o palco para não ouvir a aclamação dos presentes, como se seu comportamento equivocado não merecesse elogios. Maravilhoso!
O momento mais animado da noite coube ao veteraníssimo Elton John, quando executou “(I’m Gonna) Love Me Again”, a música vencedora da canção original desta edição, trilha do filme “Rocketman” (2019). As piadinhas de Olivia Colman, vencedora do ano passado como melhor atriz e apresentadora dessa categoria neste ano, também renderam muitas risadas. Ela é naturalmente hilária (e sincera!). Como já havia acontecido em 2019, esta edição do Oscar não teve um mestre de cerimônias fixo. Esse modelo de múltiplos apresentadores parece ter dado certo mais uma vez e deve ser seguido nas próximas edições.
A seguir, vai a lista completa dos vencedores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles deste ano:
Melhor Filme: “Parasita” (Gisaengchung: 2019)
Melhor Ator: Joaquin Phoenix – “Coringa” (Joker: 2019)
Melhor Atriz: Renée Zellweger - “Judy - Muito Além do Arco-Íris” (Judy: 2019)
Melhor Diretor: Bong Joon-Ho - “Parasita” (Gisaengchung: 2019)
Melhor Ator Coadjuvante: Brad Pitt – “Era Uma Vez em… Hollywood” (Once Upon A Time In...Hollywood: 2019)
Melhor Atriz Coadjuvante: Laura Dern – “História de um Casamento” (Marriage Story: 2019)
Melhor Filme Internacional: “Parasita” (Gisaengchung: 2019)
Melhor Documentário: “Indústria Americana” (American Factory: 2019)
Melhor Animação: Toy Story 4 (2019)
Melhor Roteiro Original: “Parasita” (Gisaengchung: 2019)
Melhor Roteiro Adaptado: “Jojo Rabbit” (2019)
Melhor Canção Original: “(I’m Gonna) Love Me Again” - Elton John – “Rocketman” (2019)
Melhor Fotografia: “1917” (2019)
Melhor Direção de Arte: “Era Uma Vez em… Hollywood” (Once Upon A Time In...Hollywood: 2019)
Melhor Trilha Sonora Original: “Coringa” (Joker: 2019)
Melhor Efeitos Visuais: “1917” (2019)
Melhor Edição de Som: Ford vs Ferrari (2019)
Melhor Mixagem de Som: “1917” (2019)
Melhor Montagem: Ford vs Ferrari (2019)
Melhor Figurino: “Adoráveis Mulheres” (Little Women: 2019)
Melhor Maquiagem e Penteado: “O Escândalo” (Bombshell: 2019)
Melhor Curta Metragem: “The Neighbors’ Window” (2019)
Melhor Animação em Curta-Metragem: “Hair Love” (2019)
Melhor Documentário em Curta-Metragem: “Learning to Skateboard in a Warzone - If You’re a Girl” (2019)
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