Aproveitei esse finalzinho de ano para conhecer um pouco da literatura de Catherine Ryan Hyde, romancista norte-americana best-seller nos Estados Unidos e na Inglaterra e contista premiada internacionalmente. Seu maior sucesso até hoje é “Tributo ao Amor” (BestSeller), livro lançado em 1999 e adaptado para o cinema já no ano seguinte. Por aqui, o longa-metragem ganhou o nome de “A Corrente do Bem” (Pay it Forward: 2000). Apesar da carreira bem-sucedida em seu país natal, Hyde tem, inexplicavelmente, poucos títulos traduzidos para o português. É uma pena! Se eu não estiver enganado, além de “Tributo ao Amor”, são apenas dois os romances desta autora que foram lançados para o público brasileiro: “Coração Púrpura” (BestSeller), obra de 2002, e “Leve-me com Você” (Darkside), de 2014. Vale a pena citar que a escritora tem mais de 30 publicações em seu portfólio. Portanto, no Brasil, conhecemos apenas 10% de seu trabalho literário.
Das opções de Catherine Ryan Hyde presentes no mercado nacional, acabei escolhendo “Leve-me com Você” para ser a minha leitura deste final de semana. Tomei essa decisão porque esta obra é a mais recente do grupo de romances disponíveis da autora. Além disso, este título tem uma edição novinha em folha. Ela foi publicada pela Darkside no ano passado. Pelo que entendi, a editora usará esse romance para testar o gosto dos leitores brasileiros. Se o livro vender bem, a Darkside se arriscará a lançar outras obras de Catherine Ryan Hyde. Pela qualidade desta publicação, na certa novas histórias da norte-americana deverão pintar por aí nos próximos meses.
Publicado em junho de 2014, “Leve-me com Você” é o vigésimo quarto livro de Hyde. Este romance ficou algumas semanas na lista dos mais vendidos do New York Times na época do seu lançamento e é considerado uma das histórias mais marcantes de sua escritora. Ele possui boa parte das características estilísticas da norte-americana: dramas familiares, personagens com problemas emocionais ou envolvidas com traumas do passado, narrativas que exploram viagens pelos Estados Unidos e a prática de esportes, abordagem positiva da vida, protagonistas que são pessoas comuns e conflitos de natureza sentimental. De certa maneira, podemos dizer que “Leve-me com Você” é um ótimo exemplar da literatura de Hyde. Afinal, ele incorpora todos esses elementos que definem o estilo de sua autora. Como livro para testar o gosto do mercado nacional, acredito que não haja opção melhor.
A história de “Leve-me com Você” inicia-se no princípio de junho. August Schroeder, um professor de ciências de San Diego, está em uma oficina mecânica de beira de estrada. Seu trailer quebrou em um lugar meio desértico da Califórnia e ele precisa aguardar o conserto do veículo para seguir viagem até o Parque Nacional de Yellowstone. Todo ano, o professor passa o verão inteiro percorrendo as estradas dos Estados Unidos para conhecer as belezas naturais do seu país.
Contudo, esse ano há algo de especial na jornada. August perdeu recentemente o filho único de dezenove anos, Phillip. O rapaz morreu vítima de um acidente automobilístico. O falecimento trágico do garoto provocou uma séria crise conjugal que culminou na separação de August. Agora, o triste e solitário homem quer chegar até Yellowstone para poder jogar parte das cinzas do filho no parque. Em sua concepção, essa será a maneira dos dois se despedirem. O único companheiro de viagem de August é seu cachorro, o sempre alegre Woody.
O problema é que o trailer do Sr. Schroeder quebrou e seu conserto exige alguns dias de trabalho do mecânico. Wes Reedy é o dono da oficina e é quem ficou responsável pelo reparo do veículo. Apesar dos preços justos praticados por Wes, a conta será elevada. Com a despesa inesperada, August não sabe se terá dinheiro suficiente para chegar até Yellowstone. Sua grana estava contadinha e seria investida na gasolina necessária para percorrer as centenas de quilômetros até o parque nacional.
Enquanto se lamenta pela falta de sorte, August recebe uma proposta inusitada de Wes. O mecânico cogita não cobrar pelo serviço feito nem pelas peças substituídas. Em contrapartida, o dono do trailer terá que levar os dois filhos de Wes em sua viagem. Os garotos de doze e sete anos, Seth e Henry, respectivamente, não terão com quem ficar durante o verão. Wes precisará comparecer à penitenciária local para cumprir uma pena de prisão de três meses por dirigir embriagado. Sem mãe e sem família por perto, as crianças de Wes deverão ficar em um reformatório público enquanto aguardam o retorno do pai. Isso já aconteceu uma vez e Seth e Henry sofreram de mais ao ficarem aos cuidados da instituição pública. Os meninos não querem mais passar por essa experiência e o pai não sabe mais o que fazer para evitar isso.
A reação inicial de August Schroeder é de perplexidade. Como assim delegar os cuidados dos filhos por três meses a um desconhecido?! Porém, aos poucos, o professor percebe que Wes não tem muitas alternativas. De qualquer forma, os filhos do mecânico serão enviados para a tutela de pessoas que o pai deles não conhece. E entre as crianças ficarem fechadas em um reformatório e elas poderem viajar em um trailer pelo país, a segunda opção parece bem mais interessante tanto para Wes quanto para os meninos. Pelas estradas norte-americanas, Seth e Henry terão a oportunidade de conhecer novos lugares e de viver experiências únicas para dois garotos pobres do interior da Califórnia.
Depois de muito relutar, August aceita a proposta de Wes. Assim, Seth e Henry embarcam no trailer com August e Woody. O grupo seguirá em viagem pelo verão inteiro enquanto o dono da oficina cumpre prisão. Os três meses que ficarão juntos transformará a vida de todos os integrantes da jornada. A amizade do quarteto pouco a pouco se torna cada vez mais sólida. O dono do trailer volta a ter a companhia animada de crianças, o que injeta uma lufada de alegria em seu coração cambaleante. Por sua vez, Seth e Henry terão a chance de, pela primeira vez na vida, viver em um lar onde a confiança e a harmonia impera. E até mesmo Woody se sentirá realizado com as novas e fiéis amizades.
As semanas passadas na estrada têm tudo para tornar a viagem perfeita. O único problema é que Wes é um homem mentiroso e alcoólatra. Muitas das coisas que ele diz são mentiras, o que decepciona sua família e o novo amigo. Quando as férias do professor de San Diego se aproximam do final, o protagonista do romance fica em dúvida no que fazer: deverá pegar os dois meninos para cuidar ou deverá devolvê-los para um pai legítimo, mas pouquíssimo confiável? Sua decisão não será nada fácil e envolverá os destinos de muitas pessoas.
“Leve-me com Você” é um livro espetacular. Ele tem 336 páginas e está dividido em três partes. As duas primeiras se passam na tal viagem de August com Seth e Henry no verão em que se conheceram. E a terceira e última parte mostra o desfecho da história, quando a trama dá um salto de oito anos para frente. Gostei tanto deste livro que acabei devorando-o. Iniciei sua leitura de forma tímida na sexta-feira à noite. Aí no sábado, passei o dia inteiro com a obra de Hyde em minhas mãos. Achei difícil largá-la. No final daquela tarde, já tinha concluído suas páginas. Acho que não há prova mais concreta da qualidade de um romance de mais de 300 páginas do que lê-lo em menos de 24 horas.
São vários os pontos elogiosos que gostaria de comentar sobre “Leve-me com Você”. Em primeiro lugar, adorei a maneira sensível e emocionante como sua narrativa foi construída. Catherine Ryan Hyde é o tipo de escritora que possui grande domínio técnico e sabe como tocar nos sentimentos dos seus leitores. Por isso, prepare-se para ter suas emoções afloradas com essa história. É impossível não derramar algumas lágrimas ao longo da leitura, principalmente na parte final.
Outra questão interessante está na construção das personagens. As poucas figuras presentes na trama são tão complexas e contraditórias que conseguem deixar a história de “Leve-me com Você” envolvente por mais de três centenas de páginas. E olhe que o grupo de viajantes passa o maior tempo dentro do trailer. Seria impossível conseguir isso sem protagonistas tão fortes e marcantes. E repare também que a escritora norte-americana trabalha, neste livro, essencialmente com personagens masculinas. Praticamente não há figuras femininas relevantes na trama. Como comentei na semana passada no post sobre “O Homem de Giz” (Intrínseca), é muito difícil para o autor ficcional criar tantas personagens do sexo oposto com verossimilhança e com ótima qualidade narrativa. E diferentemente de C. J. Tudor, Catherine Ryan Hyde faz isso naturalmente e com grande excelência.
Adorei também os diálogos construídos por Hyde. Se precisasse apontar algo que mais me agradou no romance, com certeza eu citaria os discursos de suas personagens. As conversas possuem um teor reflexivo que beira a filosofia típica da autoajuda. Mesmo não gostando normalmente desse conteúdo meloso e muitas vezes piegas, nas bocas dos protagonistas do livro esses conceitos se tornaram ricos e contundentes. Em uma história aparentemente banal, são abordadas várias questões profundas e presentes no nosso dia a dia. Envelhecimento, alcoolismo, luto, perdão, culpa, superação, ousadia e gratidão são só alguns dos temas que Catherine Ryan Hyde utiliza. Há vários outros: assumir riscos, lealdade, admiração, medo da morte, arrependimento, generosidade, etc.
“Leve-me com Você” é um típico romance de viagem. Pelas páginas do livro, o leitor põe o pé na estrada ao lado das personagens retratadas. Hyde não economiza na descrição dos lugares nem na jornada feita pelos protagonistas. Curiosamente, esse expediente não tornou a história chata ou monótona. Pelo contrário: a trama se transformou em algo mais interessante e rico. É possível conhecer em detalhes os hábitos dos usuários de trailers (algo ainda pouco difundido em nosso país) e dos montanhistas. Além disso, é legal percorrer no livro pontos turísticos dos Estados Unidos como as Cataratas do Niágara, o Grand Canyon, o Parque de Yellowstone e as montanhas mais elevadas da Califórnia.
Outro ponto que merece muitos elogios é o acabamento gráfico da edição brasileira. A Darkside não poupou esforços para produzir um livro belíssimo. “Leve-me com Você” é muito provavelmente a publicação mais bonita que passou em minhas mãos neste ano. Tudo nela é incrível: sua capa, seu projeto gráfico e seu interior. Repare no lindo mapa que detalha parte da viagem narrada no romance. Impossível não ficar encantado com a beleza deste produto.
Apesar de ter adorado este livro, sei que “Leve-me com Você” não está imune às críticas negativas. Há alguns elementos que prejudicam sua narrativa e sua estética literária. O principal deles é o pouco cuidado com a linguagem. Hyde é o tipo de autora que produz suas obras com grande velocidade e, por isso, não possui muito cuidado com as palavras e as construções frasais empregadas. Ao menos nos seus romances é assim. Nos contos a história é outra! Um bom exemplo do que estou dizendo está no vício de começar os capítulos e os subcapítulos com “August acordou...” ou com alguma derivação disso (“August abriu os olhos...”, “August despertou...”, etc.). Chega uma hora que você tem vontade de gritar: “Não dava para começar a cena de outro jeito?!”.
Há também alguns equívocos de ordem narrativa e descritiva. O cume de Pikes Peak não pode estar a 430.728 metros de altura do nível do mar como mostrado no romance. Só para lembrar, o Monte Everest no Himalaia, um dos pontos mais altos do planeta, está a 8.840 metros de altitude. Além disso, me pareceu muito inverossímil que, na época em que a história se passa, entre o final da década de 1990 e o início dos anos de 2000, fosse possível falar tanto no celular em regiões tão remotas dos Estados Unidos. O hábito do uso do telefone móvel e, principalmente, sua maior cobertura não eram tão disseminados naquele instante. E o que falar, então, do uso do Skype pelos garotos pobres se o software só foi lançado em 2003 e demorou algum tempo até se popularizar?
Achou poucas as escorregadas da narrativa? Aí vão mais algumas indagações que me fiz: É verossímil um pai querer transferir os cuidados de seus filhos para um homem que acabou de conhecer? E o que podemos dizer do preso que passa várias semanas solto antes de aparecer por livre e espontânea vontade na prisão para cumprir pena? Para curtir “Leve-me com Você” é preciso passar por cima de um ou outro vacilo da autora. Porém, eles não chegam a atrapalhar a leitura nem a construção da história. A trama é tão bem estruturada que rapidamente nos esquecermos dessas incongruências.
“Leve-me com Você” é uma leitura adequada para esta época do ano, quando o espírito natalino das pessoas está aflorado e muita gente já começa a traçar novos planos para o ano que está por vir. Ler Catherine Ryan Hyde é uma injeção de ânimo e um debate saudável sobre os problemas que nos perturbam no dia a dia.
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