Darico Nobar: Boa noite, galera!
Plateia: Booooooooooooooa noooooooooooite! [A resposta vem em coro].
Darico Nobar: Isso é o que chamo de empolgação. E vocês ficarão ainda mais eufóricos quando o entrevistado de hoje for anunciado. Ele é uma das personagens mais célebres da literatura infantojuvenil brasileira. Com vocês, no palco do Talk Show Literário, o Menino Maluquinho! [Uma salva de palmas ecoa pelo auditório. Apesar da vibração inicial, todos estranham a figura que surge. Ao invés de uma criança, o convidado é um senhor de longos cabelos brancos. Ele usa terno e gravata].
Menino Maluquinho: Olá, Darico. Boa noite, plateia.
Darico Nobar: Menino Maluquinho, é você mesmo?! Agora você está tão grande! É um homem adulto...
Menino Maluquinho: O tempo passa para todos, inclusive para as personagens literárias. Não entendo essa surpresa dos leitores quando me vêem. Acho que vocês deveriam ficar espantados se eu não tivesse crescido depois de tantas décadas.
Darico Nobar: É verdade... Talvez o que tenha acontecido com o Peter Pan seja mesmo uma exceção... O problema é que eu tinha me preparado para entrevistar um garoto. Inclusive, trouxe vários pirulitos e balas para distribuir durante nossa conversa.
Menino Maluquinho: Dentro de todo homem existe um garoto. E ele é exatamente igual ao que foi no passado, em sua infância. Por isso, aceito sim esse afago. [Pega alguns doces das mãos do apresentador]. Obrigado!
Darico Nobar: Vestido desta maneira [olha incrédulo para as roupas do convidado] e vendo-o conversar assim, tenho a impressão que agora você é um homem muito sério. Não consigo ver o Menino Maluquinho de outrora.
Menino Maluquinho: Ao mesmo tempo em que o garoto continua existindo dentro da gente, é importante respeitar as características de cada fase da vida. [Coloca as balas e os pirulitos no bolso do paletó em um gesto teatral]. Não há nada mais triste do que um adulto infantilizado ou uma criança prematuramente envelhecida.
Darico Nobar: Como assim?
Menino Maluquinho: O livro do Ziraldo se tornou um clássico porque apresenta, de maneira bem-humorada, um tipo almejado de infância: a feliz. A criança pode brincar, aprontar, estudar, se sujar e se divertir. Ela faz amigos, aprende, namora, joga bola, empina pipa, come de tudo e passeia na rua e na casa dos avós. Assim, torna-se, mais tarde, um ser humano integral, completo na fase adulta.
Darico Nobar: Não entendi aonde você quer chegar, Menino Maluqui... Posso continuar te chamando de Menino Maluquinho?
Menino Maluquinho: Claro, pode sim. [Ele ri do receio do entrevistador].
Darico Nobar: Há algum problema na infância que as crianças levam hoje em dia?
Menino Maluquinho: Infelizmente, a infância está sendo perdida. Desse ponto de vista, regredimos alguns séculos. Voltamos ao tempo em que a molecadinha se comportava como os adultos, emulando os hábitos e as atitudes dos mais velhos. Não havia, naquela época, a ingenuidade, a fantasia nem o encanto da rotina infantil. Não existia, na verdade, infância no sentido literal do termo, como o estabelecido por Jean-Jacques Rousseau.
Darico Nobar: O que tem levado a essa situação?
Menino Maluquinho: Não sei. Talvez a violência urbana, epidêmica em nosso país, impeça que a meninada ande livremente pelas ruas com seus amigos. As novas arquiteturas familiares isolam a criançada dentro de suas casas. A maioria não tem irmãos para partilhar as coisas e veem pouco os pais. Isso vale tanto para as famílias ricas quanto para as pobres. A tecnologia também as impede de viver plenamente a realidade prática do mundo. A rotina de muitos meninos e meninas se parece muito com a dos adultos. Ou porque precisam trabalhar cedo ou porque fazem um milhão de atividades que não são compatíveis com suas idades. Sinto que falta tempo para elas serem crianças e poderem brincar de maneira descontraída e livre.
Darico Nobar: Qual a consequência da "desinfantilização" das crianças?
Menino Maluquinho: A infantilização dos adultos. As pessoas demoram a amadurecer e, em alguns casos, jamais conseguem se desenvolver plenamente. Vejo senhores e senhoras, alguns com filhos e até netos, se comportando de maneira mimada, egoísta e impulsiva, como crianças. Tenho amigos da minha idade que passam várias horas do dia jogando videogame. Muitos continuam vivendo na casa dos pais, como se fossem adolescentes, sem qualquer responsabilidade doméstica ou financeira. Ou seja, vivem uma eterna adolescência ou mesmo uma infância tardia.
Darico Nobar: Por isso você é tão sério?
Menino Maluquinho: Eu não sou sério. [Solta involuntariamente uma risadinha]. Sou apenas adulto. É diferente. Uma pessoa adulta age e se comporta de maneira madura. A minha fase de criança foi maravilhosa, mas já passou. Agora quem deve aproveitar para fazer suas maluquices são meus netos. E olha que eles parecem curtir bastante essa experiência.
Darico Nobar: Você está pregando que os adultos não devem se divertir, brincar?
Menino Maluquinho: Não! Não é isso o que estou dizendo, Darico. Acredito que a vida seja uma grande brincadeira. Infeliz daquele que leva sua existência muito a sério. O que estou falando é que mesmo brincando e se divertindo, um adulto deve agir como adulto e não como criança. Uma pessoa idosa será sempre uma pessoa idosa, jamais conseguirá voltar a ser um adolescente, por mais que alguns tentem desesperadamente.
Darico Nobar: Menino Maluquinho, você trabalha com o quê?
Menino Maluquinho: Sou professor de português no ensino fundamental.
Darico Nobar: É difícil ser professor hoje em dia?
Menino Maluquinho: Há quem diga que só um maluco para ser professor no Brasil.
Darico Nobar: Afinal, o salário não é tão alto e ainda é preciso aturar crianças cada vez mais mimadas, agressivas e mal-educadas, verdadeiros ditadores na sala de aula.
Menino Maluquinho: Acho graça dessa visão. Com todo respeito, não concordo com essa perspectiva da educação e do comportamento estudantil. Ainda hoje, não há nada mais maravilhoso no mundo do que as crianças. Às vezes, acho que aprendo mais com elas do que elas comigo. A energia, a sinceridade, o entusiasmo e a alegria infantil continuam me encantando diariamente, me fazendo seguir para a escola com prazer. Educar as novas gerações é um dos trabalhos mais nobres e dignos que alguém pode ter.
Darico Nobar: Como você descreveria a infância perfeita?
Menino Maluquinho: Acho que não há uma fórmula única. Deve haver um milhão de receitas possíveis... A minha infância, pelo menos, foi com muito futebol com meus amiguinhos. Foi na rua empinando papagaio e descendo as ladeiras de Caratinga, em Minas Gerais, nos carrinhos de rolimã. Na casa dos meus avós, aproveitava para jogar futebol de botão, pião e bolinha de gude. E comia muitas guloseimas. Também não faltavam travessuras. Peraltices típicas dos meninos, sabe? Namoradinhas, eu tive dezenas, quem sabe centenas. Lembro que gostava de ir à escola para ver meus amiguinhos e conversar com eles. Estudávamos muito, mas nos divertíamos horrores.
Darico Nobar: Você sente falta dessa vida?
Menino Maluquinho: Apesar de me considerar um pouco saudosista, não trocaria minha vida atual de adulto pela que tive na infância, como menino. Tudo é fase e quando cada uma delas é bem vivida, conseguimos seguir em frente sem olhar muito para trás. Hoje, minha diversão é ver meus netos brincarem e descobrirem os desafios da vida aos poucos.
Darico Nobar: O que eles fazem de tão empolgante?
Menino Maluquinho: O meu neto mais velho, o Ziraldinho, está aprendendo a andar de bicicleta sem rodinhas. Eu me diverto vendo suas tentativas de se equilibrar em cima da magrela. Ainda acho essas pequenas cenas da infância maravilhosas. Acredito que seja mais interessante, eu como avô, participar desse momento com ele, apoiando-o, orientando-o e incentivando-o do que, por exemplo, eu tentar aprender a andar de moto, algo que nunca fiz.
Darico Nobar: Essa não é uma visão pessimista da idade?
Menino Maluquinho: De maneira nenhuma! É uma visão pragmática. Um senhor será sempre um senhor e uma criança deve ser uma criança enquanto tiver idade para isso. Não há nada mais deprimente do que um velho agindo como adolescente e, por outro lado, um marmanjo com comportamento de criança. Como disse: devemos respeitar as características de cada fase de nossas vidas. E para que nossos filhos e netos não se tornem adultos infantilizados, precisamos permitir que eles tenham uma infância sadia e plena. Nós na posição de adultos e eles na de crianças. Simples assim!
Darico Nobar: Agora entendi seu ponto de vista. Há muitos pais, nos dias de hoje, agindo mais como crianças e filhos pequenos se comportando mais como adultos.
Menino Maluquinho: E, aí, dá-se uma confusão danada!
Darico Nobar: Pessoal, esta foi a entrevista com o Menino Maluquinho! [O público no auditório volta a aplaudir com entusiasmo].
Menino Maluquinho: Obrigado pelo convite, Darico. Tchau, pessoal! [Abre um grande sorriso, enquanto saúda os espectadores com as mãos].
Darico Nobar: Galera, o Talk Show Literário volta na semana que vem. Boa noite e até lá!
[Enquanto a banda toca “Aquarela” e as letras dos créditos do programa sobem na tela, é possível ver apresentador e entrevistado conversando animadamente no centro do palco. Não se escuta o que dizem, pois seus microfones foram cortados. Nesse momento, o Menino Maluquinho pega uma bala do bolso, retira o papel e a atira para cima. Ela cai diretamente em sua boca. Ele chupa a bala com prazer. Depois, volta-se para a câmaras 2, que está dando um close em seu rosto, e pisca um dos olhos para os telespectadores].
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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas duas primeiras temporadas, neste terceiro ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.
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