Na quarta-feira da semana passada, fui ao Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, para assistir ao espetáculo de dança contemporânea “Epifania”. Esta é a mais recente produção da Intuição Companhia de Ballet, grupo de dança sediado no bairro do Tatuapé, em São Paulo. “Epifania” é uma criação de Vinícius Anselmo, diretor e coreógrafo da Intuição. A obra recebeu o apoio do programa municipal de fomento à dança da cidade de São Paulo em 2018. Por isso, estão programadas quatro apresentações gratuitas para o público paulistano na primeira quinzena deste mês (os espetáculos no Sérgio Cardoso foram pagos).
As primeiras sessões gratuitas ocorrerão já neste final de semana no Teatro Flávio Império, na zona leste da cidade. As últimas serão realizadas na Galeria Olido, no centro de São Paulo, no próximo final de semana. Pelo que vi na apresentação da semana passada na Bela Vista, quem gosta de dança e, mais especificamente, de dança contemporânea não pode perder a nova obra de Vinícius Anselmo e da Intuição Companhia de Ballet.
“Epifania” tem como proposta despertar/aguçar os sentidos da plateia a partir da reflexão sobre o conceito filosófico da epifania (termo classificado pela companhia como a súbita sensação de entendimento ou compreensão da essência de algo). O espetáculo traz, portanto, os estudos teóricos de Anselmo sobre esse tema. Entretanto, o que vemos na prática é a transmutação da epifania a partir da concepção da dança contemporânea. O resultado é impressionante!
Com duração aproximada de 50 minutos, “Epifania” faz um mergulho angustiante e, ao mesmo tempo, sensível sobre temas extremamente atuais: o rompimento da noção de tempo e espaço; a dicotomia entre realidade e sonho; e a revelação das neuroses e dos traumas da sociedade contemporânea. Assim, assistimos a uma crítica sagaz à mecanicidade do mundo moderno, à falta de afeto das relações humanas nos grandes centros urbanos, ao extermínio da natureza, à artificialidade da rotina cosmopolita e à dificuldade de se encontrar o particular em um planeta superpovoado. Se por um lado esses assuntos não são muito originais no mundo artístico, por outro lado a forma de apresentá-los por Vinícius Anselmo em um espetáculo de dança é extremamente interessante e merece nossos elogios.
Em cena, temos a pianista Roseli Chamma (em uma atuação simplesmente fenomenal!) e onze bailarinos - Bruno Lobo, Diana Rosa, Felipe Guedes (abraço, Felipinho!), Guilherme Maciel, Heloisa Magalhães, Jeison Lopes, Juliano Weber, Mariana Massoneto, Márcio Vitorino, Nathalia Massa e Thalita Falk. Ao som do piano de Chamma, os dançarinos se revezam no palco (na maioria das cenas, eles estão juntos). Em minha interpretação (tenho o hábito de procurar fios narrativos em todos os espetáculos de dança que assisto), cada um dos bailarinos representa uma personagem. Todas são vítimas de diferentes males da sociedade contemporânea. Temos a workaholic, a solitária, a agressiva, a ambiciosa, a carente, a sonhadora, a deprimida, a acumuladora/consumista, etc. Em comum, o vazio existencial e a aridez da vida nos grandes centros urbanos pontuam as rotinas dessas personagens.
O espetáculo é dividido em quatro fases: terra, fogo, ar e água (exatamente os quatro elementos da natureza). Essa segmentação da apresentação é sutil (só é notada por um espectador atento e bastante analítico). Em cada seção, assistimos a uma coletânea de cenas em que as características da epifania encenada (ou seja, os dramas existenciais modernos) são vinculados ao elemento da natureza enfocado. Incrível!
É difícil apontar o que há de melhor em “Epifania”. A trilha musical é ótima, as atuações dos bailarinos e da pianista estão maravilhosas, o cenário minimalista foi muito bem-feito e ajuda na composição da estética e do clima do espetáculo, as coreografias são de primeira (e foram muito bem executadas o tempo inteiro), a iluminação direciona o olhar da plateia para o local exato do palco onde a ação transcorre em maior intensidade (sempre está acontecendo muita coisa ao mesmo tempo) e o figurino está impecável. Juro que não achei nenhum ponto negativo para criticar. Para mim, esta obra de Vinicius Anselmo está perfeita.
Quem estiver procurando um espetáculo de dança contemporânea de qualidade em São Paulo nos próximos finais de semana pode ir à “Epifania” que este é um programão excelente. As apresentações gratuitas da Intuição Companhia de Ballet acontecerão nos dias 6 (sexta-feira) às 20h e 7 de julho (sábado) às 19h no Teatro Flávio Império (Rua Professor Alves Pedroso, 600 – Cangaiba) e nos dias 13 (sexta-feira) às 20h e 14 de julho (sábado) às 19h na Galeria Olido – Sala Paissandu (Avenida São João, 473, Centro). Os ingressos serão distribuídos nos próprios locais uma hora antes de cada sessão. Além dessas, não há por enquanto novas apresentações programadas.
Veja, a seguir, o vídeo com o teaser do espetáculo “Epifania”:
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