Quem nunca reclamou da falta de tempo ou da correria insana da vida moderna, hein?! De tão populares, essas inquietações se tornaram clichês das conversas de elevador ou desculpas favoritas para os encontros fortuitos de amigos nas ruas. Curiosamente, as pessoas teimam em pensar que esses males sejam assuntos contemporâneos. Que nada! Há cinquenta anos, Paulinho da Viola, um dos mais célebres sambistas brasileiros, utilizou-se da rotina apressada das grandes cidades para compor sua obra-prima: “Sinal Fechado”. A canção foi o primeiro sucesso da carreira de Paulinho, cantor e compositor carioca formado nos shows do Zicartola. A música conquistou o primeiro lugar no 5º Festival de Música Popular Brasileira, evento organizado e transmitido pela TV Record em 1969, e catapultou o nome do artista para o cenário nacional.
É verdade que em sua quinta edição, o Festival de Música Popular Brasileira já não possuía a dimensão de outrora. Com um prêmio reduzido a um quarto do valor do ano anterior e com a proibição do uso das guitarras elétricas, o concurso recebeu poucas inscrições. Os principais músicos do país boicotaram veladamente o evento, que se tornou, assim, uma vitrine para novos talentos. Quem melhor aproveitou este Festival foram os sambistas. Eles emplacaram metade (três) das músicas finalistas.
Quando Paulinho da Viola apresentou “Sinal Fechado”, ele tinha lançado apenas um álbum, “Paulinho da Viola”, em 1968. Apesar de boas composições próprias ("Coisas do Mundo, Minha Nêga" e "Sem Ela Eu Não Vou"), de algumas belas parcerias ("Samba do Amor") e de interpretações de canções de Cartola ("Amor Proibido" e "Vai, Amigo"), o disco não empolgou tanto o público. A virada na carreira do sambista viria justamente no ano seguinte com o festejado “Sinal Fechado”. A canção foi a porta de entrada de uma jornada profissional que prossegue em alto nível até os dias de hoje.
Com uma letra melancólica e acordes dissonantes, “Sinal Fechado” mistura a banalidade da conversa cotidiana das grandes cidades com a sofisticação vanguardista da música contemporânea. Nota-se a influência do tropicalismo em muitos momentos. O resultado é uma melodia tensa e uma letra crítica à vida atual. A voz límpida e suave de Paulinho transforma esta música quase que em uma crônica ou em um conto sobre o dia a dia agitado das pessoas.
“Sinal Fechado” retrata a conversa de dois amigos que não se viam há algum tempo. A dupla se encontra por acaso em um semáforo. O fechamento do sinal é um raro instante para eles pararem e conversarem. Assim, conseguem botar as novidades em dia. A música apresenta cada uma das frases do diálogo dos dois homens. Nesse bate-papo coloquial, eles externam suas neuras e seus dramas, típicos da vida moderna. Quando o sinal abre, eles partem cada um para seu lado. É o final da canção (e a volta da correria cotidiana).
Veja, a seguir, a letra completa de “Sinal Fechado” e, logo na sequência, uma interpretação atual de Paulinho da Viola:
Sinal Fechado (1969) – Paulinho da Viola
Olá, como vai?
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe ...
Quanto tempo, pois é, quanto tempo...
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe?
Quanto tempo, pois é, quanto tempo...
Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso
Beber alguma coisa rapidamente
Pra semana
O sinal...
Eu procuro você
Vai abrir... Vai abrir... Vai abrir....
Eu prometo, eu não esqueço, não esqueço, não esqueço
Por favor, não esqueça, não esqueça...
Adeus...
O primeiro aspecto que chama a atenção em “Sinal Fechado” é o quão esta música é diferente dos demais sambas de Paulinho da Viola. Essa constatação vale tanto para sua letra quanto para sua melodia. Contudo, a maior surpresa está ligada à sonoridade musical. Ao invés do batuque rápido, do tom alegre (até mesmo para as letras tristes) e da simplicidade de acordes, elementos típicos do samba-canção, o que temos aqui é um ritmo bastante lento, um clima angustiante e uma grande sofisticação melódica. Se não me dissessem que “Sinal Fechado” é um samba, eu não ousaria classificá-lo dessa maneira.
Outra questão interessante é a letra inusitada extraída de uma cena do cotidiano. O compositor carioca acertou ao misturar de forma desconectada os diálogos dos homens parados no semáforo. A impressão é que Paulinho da Viola recriou em sua música a conversa como ela ocorreu (há interpolação de vozes e o ritmo vai se acelerando quando a luz verde está próxima de aparecer). Por outro lado, a música vai ganhando, à medida que se desenrola, cada vez mais ingredientes filosóficos. Ao final, assistimos a epopeia do Adeus: costume brasileiro de tornar a despedida um evento dramático e, na maioria das vezes, mentiroso (sabemos que o outro não entrará em contato e que também não telefonaremos). Indiscutivelmente, trata-se de uma das grandes criações da música nacional.
“Sinal Fechado” foi lançado comercialmente em um compacto simples por Paulinho da Viola logo após o Festival de Música Popular Brasileira de 1969. Por isso, a música ficou de fora do segundo LP do sambista, “Foi Um Rio que Passou em Minha Vida”, de 1970. A canção só foi incluída, décadas mais tardes, em coletâneas de sucessos do autor e em faixa bônus na reedição histórica de “Foi Um Rio que Passou em Minha Vida”.
Passados 50 anos de sua criação, “Sinal Fechado” é uma canção extremamente atual e simbólica. Ao longo dos anos, ela foi interpretada pelos maiores gênios da nossa música: Elis Regina, Chico Buarque, Fagner, Oswaldo Montenegro, Marisa Monte, entre outros. A minha versão favorita é um dueto de Paulinho da Viola com Lobão. Essa gravação é do final da década de 1980. Para mim, esta música foi feita para ser cantada em dupla. Na interpretação conjunta de Paulinho e Lobão, cada um dos músicos dá voz a uma das personagens da canção. Incrível! Outra regravação espetacular que não pode deixar de ser citada é a de Elis Regina, de 1978.
Independentemente do intérprete e da versão escolhidos, ouvir “Sinal Fechado” é mergulhar na magia do melhor da música de Paulinho da Viola, um dos grandes nomes da cultura brasileira da segunda metade do século XX. Só não vai me dizer que você não teve tempo para degustar esta obra-prima ou que sua vida é tão corrida à ponto de impedir-lhe de conhecer em detalhes essa preciosidade, hein? Juro que não acredito!
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