Na próxima quinta-feira, dia 20, estreia nos cinemas brasileiros “Casal Improvável” (Long Shot: 2019), a melhor comédia romântica produzida por Hollywood neste ano (ao menos até agora). Fui, na última quinta-feira, à sua pré-estreia com certa relutância. E, confesso, ter saído da sessão muito feliz com o que assisti. O principal mérito deste filme é falar de vários temas atuais e delicados das relações amorosas de uma maneira divertida, comovente e direta. Sua graça está em inverter alguns aspectos do seu gênero cinematográfico e da realidade, o que o torna uma grata surpresa. Ao mesmo tempo, “Casal Improvável” mantém outros elementos considerados imprescindíveis das comédias românticas.
Dirigido por Jonathan Levine, do bom “Meu Namorado é um Zumbi” (Warm Bodies: 2013) e do ótimo “50%” (50/50: 2010), “Casal Improvável” é estrelado por Charlize Theron e Seth Rogen, figurinhas carimbadas neste tipo de produção. Ela fez, por exemplo, “Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola” (A Million Ways to Die in the West: 2014) e “Doce Novembro” (Sweet November: 2001) e ele participou de “Vizinhos” (Neighbors: 2014) e “Ligeiramente Grávidos” (Knocked Up: 2007). Rogen já havia trabalhado com Levine em “50%”. O roteiro do longa-metragem ficou à cargo dos competentes Dan Sterling, mais conhecido pelos seus trabalhos na televisão, e Liz Hannah, do ótimo “The Post - A Vida Secreta” (The Post: 2017).
Orçado em US$ 40 milhões, “Casal Improvável” foi apresentado ao público pela primeira vez em fevereiro deste ano no Festival South by Southwest 2019, quando recebeu uma série de críticas positivas. Porém, sua estreia no circuito comercial foi adiada para este mês, o início da temporada de Verão no hemisfério norte - época de maior visitação nos cinemas.
Nesta trama, Fred Flarsky (interpretado por Seth Rogen) é um jornalista investigativo de 41 anos extremamente crítico ao panorama político de seu país. Ele também é pouquíssimo alinhado ao pensamento capitalista tão em voga nos Estados Unidos. Gordinho, judeu, pobretão, solteiro, muito atrapalhado e com um estilo de vida em que bebidas e drogas são artigos de primeira necessidade, Fred fica indignado quando descobre que o jornal em que trabalha em Nova York foi vendido para um grande conglomerado de mídia. Por isso, pede demissão sem se importar com as contas que tem para pagar e com o futuro de sua carreira. Tão logo deixa o trabalho, o jornalista se arrepende de sua decisão intempestiva.
Para alegrar um pouco o rapaz, Lance, amigo de Fred de longa data e um empresário de sucesso, o leva para uma festa badalada na cidade. Lá, Fred irá reencontrar Charlotte Field (Charlize Theron), sua antiga babá. Atualmente, Charlotte, com 44 anos, é uma das figuras políticas de maior destaque do país. Poderosa Secretária de Estado, ela foi escolhida para ser a próxima candidata do seu partido à Presidência da República. Assim, ela vive cercada de assessores e cada passo seu é calculado para agradar a opinião pública. Até seu affair com o primeiro-ministro canadense parece ser mais uma peça de Marketing. Como consequência, a rotina da moça é estressante e profundamente solitária.
Ao reencontrar Fred na festa, Charlotte descobre que ele está sem emprego e que o jornalista possui um texto engraçado, crítico e bastante popular. Esses são justamente os pontos que os marqueteiros da Secretária de Estado pediram para ela explorar mais em seus discursos e em suas aparições públicas. Para os norte-americanos, Charlotte é muito séria e sisuda. Pensando nas futuras eleições, a candidata contrata o antigo amigo para que ele escreva seus discursos. Fred é realmente bom nisso. Porém, a postura pouco convencional do jornalista poderá ser um grande problema para Charlotte. Ele é o oposto dela. As coisas só pioram quando os dois começam a flertar. Apesar das inúmeras diferenças, começa a surgir um sentimento sincero e forte entre patroa e funcionário. Para escrever discursos alinhados à personalidade de Charlotte, Fred precisa conhecê-la cada vez mais. E essa proximidade intensa poderá levá-los a situações inimagináveis e, de certa maneira, embaraçosas.
Poderá uma candidata à Presidência dos Estados Unidos bonita, inteligente, elegante, bem-sucedida e politizada namorar um zé-ruela gordinho, deselegante, inconveniente, fracassado e destemperado? Esse é o principal conflito do filme. Com ele, virão outros: o que é mais importante, o amor ou sonhos profissionais?; vale a pena jogar fora a possibilidade de ser Presidente do país por uma paixão arrebatadora?; até onde vai a ambição e o engajamento político de Charlotte?; e devemos abrir mão de causas particulares/pessoais em nome do bem-estar do coletivo?
Com pouco mais de duas horas de duração, “Casal Improvável” é diversão certa. O longa-metragem de Jonathan Levine é extremamente engraçado e inteligente, além de trazer algumas cenas extraídas das mais eletrizantes produções policiais e de agentes secretos internacionais. Trata-se, obviamente, de uma ótima opção para quem gosta de comédias românticas e para quem procura títulos voltados para o entretenimento de massa. Afinal, há momentos que o que queremos mesmo é jogar as preocupações para longe e apreciar um longa-metragem divertido, simples e inspirador.
O maior mérito de “Casal Improvável” é abordar um tema atual e, por que não, delicado: o relacionamento de uma mulher mais velha, rica e poderosa do que seu parceiro. Infelizmente, este é um assunto ainda longe de ser tranquilo e corriqueiro até mesmo nas sociedades mais cosmopolitas e modernas. Se fosse só por isso, o filme já seria um acerto. Contudo, o roteiro vai além e acrescenta mais elementos contemporâneos: conservadorismo da população, agravamento da crise ambiental planetária, politicagem entre governantes e empresários, choque entre ideologias políticas, preconceitos sociais de todas as formas, espionagem clandestina, produção de vídeos íntimos, escândalos/bullying no ambiente virtual, cultura workaholic, concentração das empresas de mídia nas mãos de poucos e poderosos empresários, as contradições da sociedade da aparência, as últimas posições profissionais que as mulheres estão quebrando barreiras e o amor e as relações amorosas nos dias de hoje. É ou não é uma produção com a cara deste início do século XXI, hein?
Junto com essa overdose de debates mais sérios, “Casal Improvável” traz várias intertextualidades cinematográficas, televisivas e musicais, principalmente em relação à cultura dos anos 1990. Quem tiver na casa dos 40 anos (um pouco mais para lá ou um pouco mais para cá...), na certa vai se lembrar de muitas passagens de sua infância e adolescência. Esses instantes de saudosismo mexem com as personagens do longa, mas também podem cativar a plateia (o que é bem legal!).
Outro ponto elogiável deste filme é a ótima química do casal de protagonistas. Charlize Theron e Seth Rogen estão perfeitos como par romântico às avessas. Eles dão um colorido maior à bela história narrada na telona (não à toa, são atores especializados em comédias românticas e em aventuras cômicas). Note o quanto cada personagem consegue transformar o parceiro (ela se torna mais jovial, descolada e alegre e ele fica mais adulto, responsável e charmoso). O elenco de coadjuvantes não compromete a trama em nenhum momento, chegando até a roubar a cena positivamente em um ou outro momento. Os lances mais divertidos para mim são os do presidente que sonha em ser astro de cinema (uma curiosa contradição já que o mais comum é o ator famoso aspirar a Casa Branca).
Os pontos negativos de “Casal Improvável” são o interminável desfile de personagens planas, alguns tropeços históricos e o final totalmente previsível. Quanto à construção das personagens, é importante dizer que existe sim humor que não precise recorrer sempre a caricatura (porém, aí é preciso ter roteiristas muito inteligentes, criativos e sagazes). Para ser sincero, isso foi o que mais me incomodou. Todas as figuras retratadas no longa-metragem são extremamente caricatas (algo inverossímil). Assim, fica fácil fazer humor, né? É o tipo de graça rápida e rasteira, que pode agradar a muitos, mas que desagrada quem exige qualidade.
Há também um ou outro tropeço histórico e de contexto nesta produção. Por exemplo, teria Charlotte conhecido mesmo Saddam Hussein, como ela diz em uma cena, se o ditador iraquiano morreu há 13 anos?! Vale lembrar que ela não está esse tempo todo na política, né? E não é o Presidente da República dos Estados Unidos que escolhe o seu postulante a sucessor: os candidatos vem de eleições primárias dentro dos seus partidos (inclusive no partido governista). Entretanto, esses detalhezinhos não atrapalham muito a narrativa (só incomodam um ou outro espectador mais crítico).
O que é um deslize inaceitável é o final absurdamente previsível deste filme. Jogue todos os clichês possíveis em um desfecho romântico e pronto: temos os 30 minutos finais de “Casal Improvável”. É possível até mesmo brincar de adivinhar: o que vai acontecer na próxima cena? A maioria do público irá acertar quadro a quadro o que surgirá na tela. Confesso que esse gostinho amargo do final conseguiu atrapalhar um pouco a minha impressão tão positiva do longa-metragem de Jonathan Levine. Só não sei se todo mundo terá essa avaliação negativa do desenlace. Afinal, ele foi totalmente construído para agradar ao grande público. Coisas de Hollywood. Uma pena!
Mesmo assim, “Casal Improvável” é uma produção interessante que merece ser assistida por quem gosta de cinema e por quem aprecia ótimas histórias. Seus acertos são muito superiores (quantitativa e qualitativamente) do que seus equívocos. E olha que quem está falando isso é um cinéfilo que não é muito chegado às comédias românticas. Contudo, sei reconhecer quando estou diante de um ótimo título deste gênero. E o novo filme de Jonathan Levine é realmente muito acima da média.
Assista, a seguir, ao trailer de “Casal Improvável”:
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