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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Teoria Literária: Elementos da Narrativa - 3 - Espaço Narrativo


Elementos da Narrativa: Espaço Narrativo

Quem acompanha regularmente a segunda temporada da coluna Teoria Literária do Blog Bonas Histórias sabe que estamos apresentando, ao longo de 2019, os onze elementos da narrativa. Mensalmente, mergulhamos em um dos aspectos essenciais das tramas ficcionais. Nos posts anteriores, foram discutidos os conceitos de Enredo e de Personagem. Agora chegou a vez de falarmos do Espaço Narrativo.

O espaço é o terceiro elemento da narrativa (BONACORCI: 2018). O analista literário deve estudá-lo atentamente para ver o quão influente ele é para a origem e para o desencadeamento da trama (MOISÉS, 2014, p. 136). Entende-se por espaço narrativo toda a organização física, social e cultural que compõe o cenário onde a história ficcional se desenvolve. Ele também pode ser definido como "o lugar onde se passa a ação de uma narrativa" (GANCHO, 2014, p. 27). Afinal, não é possível as personagens agirem soltas no espaço. Elas precisam estar situadas em um lugar e este lugar interfere, direta ou indiretamente, em maior ou menor escala, no enredo (MOISÉS, 2014, p. 136).

Teoria Literária: Elementos da Narrativa - Espaço Narrativo

Vejamos os casos dos romances A Sibila, de Agustina Bessa-Luís, e O Delfim, de José Cardoso Pires, dois clássicos da literatura portuguesa. Neles, boa parte da compreensão do que ocorre em seus enredos e de como se comportam suas personagens depende do entendimento dos espaços narrativos. Em A Sibila, a família Teixeira vive em uma casa próxima a Amarantes, cidade portuguesa localizada ao norte do país. Amarantes é um povoado rural pobre e extremamente religioso. A linguagem, a cultura e os hábitos locais são bem particulares. Joaquina Augusta Teixeira, a Quina, protagonista do romance, carrega dentro de si esses valores locais.

Em O Delfim, por sua vez, temos um enredo que se passa em Gafeira, um lugar fictício. O que se sabe é que Gafeira fica no Alentejo, região ao centro de Portugal, e é uma aldeia marcada pela economia rural e pelo predomínio da mentalidade tradicionalista e provinciana. Ou seja, os gafeirenses são pessoas tipicamente bairristas e muito conservadoras, valorizando o que é da sua terra e odiando o que vem de fora. Entendendo essas particularidades, é possível compreender os desdobramentos envolvendo a vida do engenheiro Tomás Manuel de Palma Bravo, uma das personalidades locais.

Normalmente, se a trama é concentrada, isto é, se há poucas ações em sua história, a variedade de espaços tende a ser mais reduzida. O fenômeno parecido ocorre quando a trama é do tipo psicológico. Nesse caso, o contexto espacial onde a história se passa não costuma ser um ponto tão relevante da narrativa. Por outro lado, se a narrativa for cheia de ações e suas personagens estiverem em constante deslocamento geográfico, haverá maior variedade de espaços utilizados pelo autor (GANCHO, 2014, p. 27).

Além disso, o detalhamento do espaço pode variar de acordo com os gêneros literários e com os subgêneros narrativos utilizados (MOISÉS, 2014, p. 136-139). No conto, na novela e no romance, por exemplo, o espaço adquire uma caracterização crescente (portanto, maior no romance e menor no conto). Em uma ficção científica, em um romance policial ou em uma história fantástica há normalmente uma maior preocupação com o detalhamento do cenário do que costumamos encontrar em outros subgêneros narrativos.

Contudo, essas não são regras fixas. Há contos, como O Patrão e o Trabalhador de Liev Tolstói, em que há uma grande preocupação com a caracterização do espaço, maior até do que a encontrada em alguns romances de ficção científica, como na série O Guia do Mochileiro da Galáxia, de Douglas Adams.

A tendência estética da obra também influencia na caracterização do espaço. Em uma trama do Romantismo, por exemplo, o espaço tradicionalmente tinha menor relevância do que no Naturalismo, apesar de existir uma grande descrição do cenário nas publicações românticas.

A intensidade, a frequência e a densidade com que os lugares geográficos se impõem no conjunto da obra literária estão relacionadas intimamente às outras tantas características do enredo, em uma relação simbiótica de difícil mensuração do que vem primeiro (MOISÉS, 2014, p. 136-139).

O entendimento do romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo, passa obrigatoriamente pela análise do lugar onde a trama se desenrola. Impossível fazer a caracterização das personagens ou a descrição das ações do livro (para ficarmos apenas em dois pontos da narrativa por ora estudados nesta coluna) sem explicar e investigar atentamente o espaço onde a ficção está ancorada. Senhora, de José de Alencar, é uma obra essencialmente urbana e burguesa, não fazendo sentido situá-la, por exemplo, em uma região interiorana e aristocrática. Por sua vez, O Guarani, do mesmo autor, é uma história que só faz sentido por ser protagonizada em uma região florestal isolada e quase inacessível aos colonizadores portugueses. Nos três casos citados, o lugar age direta e intimamente para influenciar as personagens e os acontecimentos do enredo.

Tal situação não acontece em Perto do Coração Selvagem, romance psicológico de Clarice Lispector. Nessa obra de estreia da autora nascida na Ucrânia, o espaço geográfico indica essencialmente o estado de espírito de Joana, a narradora-protagonista, e não uma região específica do mundo concreto. Assim, quando Joana parte, no desenlace da história, para o mar, esse local é apenas uma metáfora de um lugar imaginado e esperado pela personagem e não um lugar objetivo e factível.

Portanto, a função do espaço em uma obra literária não é de mera contextualização. Sua importância vai muito além de situar banalmente as ações das personagens. O espaço, muitas vezes, estabelece com as personagens e com as tramas uma interação genuína e indissociável, influenciando atitudes, pensamentos e emoções. Boa parte das eventuais transformações pelas quais os indivíduos ficcionais passam ao longo da narrativa e muitas das reviravoltas que ocorrem na trama são provocadas pelas características geográficas (GANCHO, 2014, p.27).

A compreensão dos dramas e das características físicas, psicológicas, sociais, ideológicas e morais de Fabiano, de Sinhá Vitória e de seus dois filhos, protagonistas de Vidas Secas, romance de Graciliano Ramos, deve ser feita a partir da análise do espaço onde eles nasceram e viveram. O mesmo vale para o ambiente escolhido para os encontros amorosos de Luísa e Basílio, personagens de O Primo Basílio, romance de Eça de Queirós. O quarto feio, sujo, claustrofóbico e escuro localizado no subúrbio de Lisboa, chamado ironicamente de Paraíso pelos amantes, indica muito da relação extraconjugal dos dois. As características do espaço físico daquele decadente quarto alugado são um retrato objetivo do comportamento e da posição social que Luísa e Basílio passam a adquirir ao praticar o adultério.

De forma simplista, os espaços podem ser qualificados de duas maneiras: abertos (ações realizadas nos campos e em praças, ou seja, em locais ao ar livre) ou fechados (em igrejas, em cômodos residenciais e em salas empresariais, portanto, em locais internos); e urbanos (quando as ações se passam nas cidades) ou rurais (enredos construídos em fazendas, pequenas cidades provincianas ou em meio à natureza). Porém, outras associações também são possíveis, dependendo do interesse específico do analista literário e das características espaciais de onde a obra se passa (MOISÉS, 2014, p. 136-139).

É importante não confundir o espaço narrativo com as características e as classificações da ambientação (quinto elemento da narrativa) e da realidade (sexto elemento da narrativa). Muitas vezes, esses três termos (espaço, ambientação e realidade) são usados como sinônimos pela crítica literária e, assim, acabam surgindo distorções conceituais entre eles.

No próximo mês, volto ao Blog Bonas Histórias para tratar do Tempo Narrativo, o quarto elemento da narrativa. Não perca os próximos posts da segunda temporada de Teoria Literária.

Bibliografia:

BONACORCI, Ricardo. Análise Literária dos Romances de Rubem Fonseca - Investigando a Nova Literatura Brasileira. Projeto de Iniciação Científica. Varginha: Centro Universitário do Sul de Minas (UNIS-MG), 2018.

GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas. 9a ed., Série Princípios, São Paulo: Ática, 2014.

MOISÉS, Massaud. A Análise Literária. 19a ed. São Paulo: Cultrix, 2014.

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