Em 1954, Ernest Hemingway conquistou o Prêmio Nobel de Literatura. Era o ápice da carreira de um escritor que influenciara muitos colegas nas duas décadas anteriores. Suas narrativas secas que se aproximavam do texto jornalístico, sua linguagem espartana quase sem adjetivos, seus protagonistas viris e suas histórias sobre guerras e combates contra forças da natureza definiram um novo estilo de se fazer ficção. Até hoje, Hemingway é aclamado como um autor inovador e único no cenário literário. Contudo, para o público em geral, o norte-americano será para sempre conhecido como o escritor de “O Velho e o Mar” (Bertrand Brasil). Durante a premiação na Academia Sueca de Letras, a imprensa internacional já o apresentava como o escritor da famosa novela, considerada desde o seu lançamento como uma obra-prima da literatura moderna.
Escrito em 1951 e publicado em 1952, “O Velho e o Mar” ganhou o Prêmio Pulitzer de Ficção em 1953. A obra não foi apenas sucesso de crítica. O público adorou a trama sucinta e singela de Ernest Hemingway, transformando-a em um best-seller imediato. Até hoje este é o livro mais vendido do escritor. Apesar de possuir muitos outros títulos entre romances, novelas, coletâneas de contos e publicações de não ficção, alguns até melhores, como é o caso de “Por Quem Os Sinos Dobram” (Bertrand Brasil), romance de 1940, é “O Velho e o Mar” o trabalho mais popular de um dos maiores autores do século XX. Em pesquisas realizadas junto aos fãs do norte-americano, a novela de 1952 também é apontada como a favorita.
Curiosamente, o “Velho e o Mar” foi a última obra publicada pelo seu autor em vida e a última antes dele conquistar o Nobel. Até o suicídio de Hemingway em 1961, o autor ficou quase dez anos sem lançar nada novo, o maior jejum da carreira iniciada em 1923 com a coletânea “Three Stories and Ten Poems” (Dover), título sem tradução para o português. Se pensarmos bem, trata-se de algo raro para um vencedor do Nobel. Hoje em dia, publicasse mais depois do prêmio do que antes... Apesar da falta de publicações, o autor continuou escrevendo. Prova disso são os dez títulos lançados postumamente.
“O Velho e o Mar” foi escrito no período em que Ernest Hemingway morava em Havana, capital de Cuba. A história do livro se passa no país caribenho. A primeira vez em que o autor falou sobre esta trama foi em 1936. Ou seja, ela já estava em sua cabeça quinze anos antes de ir para o papel. Em um artigo publicado em uma revista norte-americana, Hemingway narrou o drama de um velho pescador cubano que caçara um peixe gigantesco nos mares do Caribe. Sozinho nas águas, o idoso precisara lutar contra o portentoso bicho por dois dias e duas noites em uma batalha épica. Era apresentado ao mundo o enredo que no futuro seria o livro “O Velho e o Mar”.
Assim, é muito provável que a trama da novela tenha sido inspirada em um acontecimento real que chegou aos ouvidos do escritor. Nesse caso, talvez o casal de turistas norte-americanos que aparece na cena final da narrativa seja formado pelo próprio Ernest Hemingway e por Jane Mason, sua amante na época (ela era uma mulher casada).
Em “O Velho e o Mar” (a ficção), temos a história de Santiago, um velho e pobre pescador cubano. Ele está há 84 dias sem apanhar um só peixe. Sua falta de sorte o fez perder a ajuda de seu único companheiro de pescaria, o jovem Manolin. O garoto aprendeu a pescar com Santiago e possui muito carinho pelo velho pescador. Contudo, os pais de Manolin o proibiram de frequentar o barco do idoso depois do quadragésimo dia em que a dupla voltou sem nada em mãos. A família do jovem exigiu que o menino embarcasse em um barco com um pescador menos avarento. Ou seja, achavam que Santiago estava pegando toda a pesca para si. Era impossível um pescador tão experiente ter tanta infelicidade no mar. Sem poder desobedecer os pais, Manolin mudou de embarcação.
Assim, no octogésimo quinto dia, Santiago embarca sozinho no Mar do Caribe em seu pequeno barco. Sua esperança é voltar não apenas com um peixe, mas com uma grande pesca. Para fugir da concorrência das demais embarcações, o velho pescador dirige-se à Corrente do Golfo. É ali que imagina ser bem-sucedido. E sua intuição estava certa. Ao meio dia, ele sente a vibração na linha. Pegou um peixe! E pelo puxão, não era qualquer pesca. Era uma das grandes. Por isso, a dificuldade de trazer o bichano para a superfície.
As horas vão passando e Santiago pouco a pouco vai percebendo que está vivenciando um momento único. O peixe é um marlim gigantesco, muito mais forte do que o pescador. Trata-se da maior pesca que ele teve em sua vida. Sem poder dispensar uma sorte como aquela, o velho começa a batalha contra o monstruoso peixe. A luta entre homem e o animal marinho irá se prolongar por dias e noites. Nesse período, o pescador estará sozinho no mar. Os demais pescadores estão longe, em outra parte do oceano. Enquanto o marlim luta desesperadamente pela vida, o homem brigará contra a fome, o cansaço, as feridas na mão e a pobreza extrema. Aquele peixe é a salvação do velho. Custe o que custar, Santiago precisará pescá-lo.
Este livro de Ernest Hemingway é bem curtinho. Ele tem pouco mais de 120 páginas. E elas não são constituídas apenas de texto. Há muitas imagens ilustrando as cenas protagonizadas por Santiago. Eu concluí esta leitura em pouco mais de duas horas. Ou seja, temos aqui aquela obra para ser lida de uma tacada só (por isso, ela é classificada como novela e não romance).
“O Velho e o Mar” é uma mistura de fábula (principalmente quando o pescador começa a ver características humanas no marlim) e de parábola (é possível extrair lições de sabedoria e moral da pescaria). Se alguém relacionar esta história aos apólogos (ensinamentos provenientes de situações vivenciadas por pessoas, animais e objetos), também estará correto em sua definição.
O que chama mais a atenção nesta novela é sua simplicidade narrativa e linguística, algo típico das fábulas, das parábolas e dos apólogos. A maior parte das ações se passa em alto-mar. Ali, temos apenas o pescador e o peixe (homem versus natureza). Soma-se ao tom solitário da trama a linguagem objetiva e seca, ao melhor estilo Hemingway. O texto do livro vai direto ao ponto, sem rodeios ou descrições desnecessárias. O que vale é ação. Cabe ao leitor interpretar os acontecimentos à sua maneira (e não na visão do narrador).
Aqui é que “O Velho e o Mar”, na minha opinião, ganha em força narrativa. Se a primeira camada do texto é sobre um pescador e sua pesca, por outro lado, basta uma leitura minimamente atenta para nos levar a níveis mais profundos de interpretação. A história de Santiago e o marlim vai além do que o texto efetivamente mostra. Estamos diante, por exemplo, do esforço humano em combater o gigantismo da natureza. Vemos um homem em busca da consagração definitiva. Temos também a batalha grandiosa de alguém contra sua miséria e a chegada da velhice. E, por fim, podemos analisar a trama como um ato de coragem suprema (ou de desespero incomum).
Apesar da simplicidade da narrativa e da linguagem, esta novela é muito profunda. Adoro obras literárias com esse tipo de pegada. Também gostei que Ernest Hemingway conseguiu ser mais emotivo do que o habitual. As relações entre Santiago e Manolin e entre o próprio pescador e sua pesca mostram intricadas construções afetivas entre as personagens.
Repare também na capacidade do autor em criar e, principalmente, em manter a tensão dramática por várias e várias páginas. O clímax da narrativa não se dá (cuidado, aí vai um pequeno spoiler!) quando o peixe é pescado, algo que seria imaginável. Os momentos de maior tensão se passam (lá vai mais um spoiler) depois que o marlim é, enfim, derrotado e o pescador inicia seu regresso ao continente. Juro que não sei qual é a melhor parte deste livro.
Muitas vezes, a beleza da literatura está na simplicidade estética. Hemingway conseguir mostrar isso com “O Velho e o Mar”. O escritor norte-americano até pode ter escrito histórias melhores que esta, mas nenhuma conseguiu emocionar tantos os leitores.
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