Publicada em 2006, esta obra, um sucesso quase que imediato, representou a estreia do escritor chileno nos textos em prosa.
Neste final de semana, li um livro que há muito tempo estava curioso para conhecer. “Bonsai” (Cosac Naify) é a premiada novela de Alejandro Zambra, poeta, ensaísta, contista e novelista chileno. Esta obra representou a estreia do escritor no universo da prosa. Até então, Zambra só tinha lançado coletâneas poéticas, sua especialidade até aquele momento. “Bahía Inútil” (sem edição em português), de 1998, e “Mudanza” (também sem edição no Brasil), de 2003, foram publicados no Chile por pequenas editoras de Santiago. Ambos os livros não tiveram grande repercussão nem de crítica nem de público. Contudo, com a chegada de “Bonsai” nas livrarias do país, a história foi completamente diferente. Não é errado afirmarmos que a primeira história em prosa do jovem escritor chileno representou uma guinada de 180 graus em sua carreira literária. Ficava para trás o poeta desconhecido no Chile e surgia o prosador reverenciado pelo público e pela crítica internacional.
Publicado em 2006, “Bonsai” rapidamente se tornou um grande sucesso. A obra conquistou os principais prêmios literários em âmbito nacional. Eleito a melhor novela chilena, o livro ganhou, em 2007, o Prêmio da Crítica do Chile e o Prêmio do Conselho Nacional do Livro do Chile. Além disso, foi finalista do Prêmio Altazor naquele mesmo ano. Traduzido para vários idiomas, “Bonsai” seguiu para o exterior, onde continuou encantando o público e colecionando prêmios. Em 2008, foi finalista do Best Translated Book of the Year, premiação norte-americana que reconhece os melhores trabalhos traduzidos para a língua inglesa.
Com a boa receptividade da sua primeira novela, Alejandro Zambra decidiu deixar um pouco a poesia de lado e passou a investir em novas produções em prosa. Depois de “Bonsai”, foram lançadas mais três novelas. Os títulos são: “A Vida Privada das Árvores” (Cosac Naify), de 2007, “Formas de Voltar a Casa” (Cosac Naify), de 2011, e “Facsímil” (sem edição no Brasil), de 2014. “A Vida Privada das Árvores” e “Formas de Voltar a Casa” seguiram os passos de seu antecessor e foram premiados tanto no Chile quanto internacionalmente. Como consequência, o nome de Alejandro Zambro foi catapultado para a lista dos grandes escritores sul-americanos da atualidade. Em 2010, a revista literária britânica Granta o colocou como um dos melhores autores ficcionais latino-americanos com menos de 35 anos.
Sabendo disso, admito que iniciei a leitura de “Bonsai” com uma grande expectativa (talvez o problema tenha sido esse!). Na certa, estaria lendo um dos melhores livros dos últimos anos, pensei hiperbolicamente. No fim das contas (ou seria da leitura?), não achei esta obra de Zambra tão espetacular assim. “Bonsai” é realmente uma publicação incrível, uma novela maravilhosa, isso não nego. Sua construção narrativa é impecável e a maneira como sua história é contada emociona os leitores. Porém, o livro está um pouco distante de poder ser apontado como uma das grandes criações da literatura mundial do século XXI, como já cheguei a ouvir por aí. Menos, menos, por favor! Não façamos de uma ótima refeição um banquete inesquecível, capaz de entrar nos anais do melhor da gastronomia internacional de todos os tempos.
A história de “Bonsai” é sobre o relacionamento amoroso frustrado entre Emilia e Julio, dois jovens estudantes chilenos de Letras. Eles se conheceram na casa de uma amiga em comum, quando estudavam para uma prova da faculdade. O estudo em grupo de Sintaxe Espanhola II se transformou rapidamente em uma festa animada. E Emilia e Julio, que até então não nutriam uma forte admiração um pelo outro, acabaram indo para a cama naquela noite. Depois de repetirem essa prática (estudo com sexo) mais uma vez (assim como os colegas, acabaram precisando estudar novamente Sintaxe Espanhola II para a prova de recuperação), eles começaram a namorar.
O livro narra de forma breve os relacionamentos sentimentais de Julio e Emilia. O namoro deles terminou ainda na época da faculdade e cada um seguiu um rumo diferente. Ele continuou morando em Santiago, onde passou a trabalhar como um humilde professor de Literatura. Seu sonho era tornar-se um escritor. Ela, por sua vez, foi morar em Madri, com uma amiga. A vida solitária da moça acabou levando-a às drogas e à depressão. O relato da vida de ambos é feito com um enfoque maior nas relações sexuais. Assim, conhecemos em detalhes os parceiros e os amores que cada um dos protagonistas teve ao longo dos anos.
“Bonsai” é dividido em cinco capítulos: “Vulto”, “Tantalia”, “Empréstimos”, “Sobras” e “Dois Desenhos”. Com apenas 64 páginas, a obra é bem pequena e permite uma leitura em menos de uma hora. Classificado como novela, não seria um absurdo se “Bonsai” fosse considerado um conto pela extensão de sua narrativa (já li contos muito maiores de Alice Munro e Anton Tchekhov). Na minha visão, como conto esta publicação é espetacular, um dos textos mais impactantes e originais deste gênero que li em minha vida. Como novela, por outro lado, achei que a trama perde um pouco de sua força. Mesmo assim, é inegável que ela ainda seja uma criação digna de muitos elogios e está à altura dos vários prêmios conquistados.
Independentemente do nível em que se aprecie “Bonsai” (duvido que alguém em sã consciência não reconheça o excelente trabalho literário feito por Zambra), uma coisa é indiscutível: o espetacular começo da novela. Com um jeito (falsamente) meio brejeiro, Alejandro Zambra inicia sua história contando o desfecho da trama. Veja o primeiro parágrafo da obra:
“NO FINAL ELA MORRE E ELE FICA SOZINHO, ainda que na verdade ele já tivesse ficado sozinho muitos anos antes da morte dela, de Emilia. Digamos que ela se chama ou se chamava Emilia e que ele se chama, se chamava e continua se chamando Julio. Julio e Emilia. No final, Emilia morre e Julio não morre. O resto é literatura”.
Curiosamente, saber o final da narrativa não tira a curiosidade do leitor. Pelo contrário, o recurso inusitado utilizado pelo autor só aumenta o suspense. Quem é Julio e quem é Emilia? Por que ele ficou sozinho? E por que ela morreu de maneira precoce?
Outro aspecto da narrativa que achei muito interessante foi o da escolha das personagens secundárias. As histórias de Julio e de Emilia (no início a trama é conjunta, mas depois ela se transforma em duas histórias paralelas) são pontuadas por pessoas que acabam cruzando, em um momento ou outro, com os dois protagonistas. Essa costura narrativa é maravilhosa. Alejandro Zambra consegue escrever uma novela sensível, triste e poética amarrando muito bem todas as pontas da novela. Não dá para não se emocionar quando vemos uma história tão bem confeccionada como esta.
Como poeta, o escritor chileno traz elementos líricos para a sua prosa, o que enriquece ainda mais a leitura de “Bonsai”. Nota-se que cada frase, cada termo e cada palavra foram pensados para surtir um determinado efeito no leitor. Se a vida e a personalidade dos protagonistas do livro passam a sensação de secura, melancolia e tristeza à história, por outro lado, a escrita de Zambra confere um tom de grandiosidade e beleza à narrativa. Esse contraste (história em si trágica, mas com uma estética literária bela) é o que mais choca o leitor atento, que passa a ver as desgraças das personagens principais com uma dimensão sublime do relato ficcional.
Não sei o porquê, mas ao ler “Bonsai” me lembrei um pouco de “A Insustentável Leveza do Ser” (Companhia das Letras), romance clássico de Milan Kundera. Talvez tenha, com um grande esforço comparativo, alguma relação entre as obras. Assim como o escritor tcheco fazia, Alejandro Zambra mergulha no interior sentimental de suas personagens para descobrir as razões para as crises conjugais e as desilusões amorosas. Sinceramente, não sei se “Bonsai” possui elementos autobiográficos. Minhas suspeitas são que sim, mas não encontrei em nenhum lugar o escritor chileno afirmando categoricamente esta associação entre a ficção e a realidade de sua vida.
Adorei ter lido um dos principais escritores sul-americanos da atualidade. “Bonsai” é um livro pequeno (seria um conto ou uma novela? – ainda permaneço com essa dúvida), mas contém a força narrativa digna das narrativas mais longas (ou seria, por causa disso, um romance? – essas classificações só me confundem). Confesso que fiquei com vontade de ler “A Vida Privada das Árvores” e “Formas de Voltar a Casa”. Há quem diga que a segunda e a terceira novelas de Alejandro Zambra sejam até melhores do que a primeira. Isso ainda não posso afirmar. Quem sabe em breve eu retorne ao Bonas Histórias com um post com a resposta para essa questão. Até lá!
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