Estou apaixonado! Depois de um longo tempo solteiro, voltei a namorar. Em plena era dos romances digitais, conheci minha amada através da boa e velha televisão. Se comparada às mídias sociais e aos sites de relacionamento, a TV continua sendo, pelo menos para mim, muito mais eficiente como cupido.
Meu primeiro amor, ainda na infância, foi a apresentadora Angélica. Ficava encantado ao ver a loira cantando e dançando em um shortinho minúsculo. Não deixava que minha irmã nem minha prima trocassem de canal. Inexplicavelmente, uma preferia a Mara Maravilha e a outra a Xuxa. Que péssimo gosto! Nunca achei graça em outra apresentadora que não fosse a loira com a sexy pinta na perna.
Meu sonho, naquela época, era ir ao programa da Angélica e falar "pra você" se ela me perguntasse para quem eu mandaria um beijo. Nada de "pro meu pai e pra minha mãe". O beijo seria só para ela. Só! Quando os adultos me questionavam sobre o que desejaria ser quando crescesse, sentenciava sem hesitação: taxista. Nunca ninguém entendeu essa minha fascinação. Fazer o quê? Contudo, aquele foi um amor inocente e platônico. Sabia que ela jamais iria se interessar por um menino simples, inexperiente e dez anos mais novo do que ela.
Minha primeira namorada foi uma jovem gaúcha que informava o boletim do tempo no telejornal local. Seu nome era Patrícia Poeta. Na época em que a conheci, eu já havia saído da adolescência. Fazia estágio durante o dia e cursava faculdade à noite. Com a rotina corrida de ambos, só conseguíamos nos encontrar ao meio-dia. Lembro que saía pontualmente para o almoço e escolhia sempre um restaurante que tivesse um aparelho de televisão sintonizado na emissora correta.
A Paty era extremamente carinhosa! Adorava quando ela me avisava: "Não se esqueça de pegar o guarda-chuva hoje. Vem chuva forte no final da tarde!". Achava meiga aquela preocupação dela. Esse é o amor de verdade! Mesmo distante, ela cuidava diariamente de mim.
Para minha tristeza, a linda morena desapareceu repentinamente. Em uma segunda-feira nublada, ela não compareceu ao nosso encontro. Naquele dia, meu coração chegou encharcado na faculdade. Fiquei sem saber seu paradeiro por muito tempo. Quando nos reencontramos, ela já estava casada e apresentando um programa dominical. Respeitei suas escolhas, mas admito ter ficado ressentido com a forma como nosso relacionamento foi interrompido.
Meu segundo namoro foi um tanto clandestino. Ela era casada... Sei que é errado, mas não podia fazer nada. Não controlamos nossos corações, né? Minha amada era uma cantora e estava no auge. Seu nome era Kelly de Almeida e tínhamos a mesma idade. Eu a chamava de Kellinha, mas a maioria a conhecia como Kelly Key.
Nosso relacionamento foi intenso e breve. A agenda de shows dela era insana, assim como minha rotina. Nesse período, minha carreira executiva exigia muitas viagens. Praticamente não parávamos em casa. Para atrapalhar, o marido dela era do tipo latino ciumento que não desgrudava da esposa. Não dava para dar certo mesmo!
Após ficar um tempo mal, conheci outra jornalista, três anos mais jovem do que eu. Como dizia a música, ela era carioca. Encontrei-a em um programa esportivo. Estava de férias quando a Fernandinha veio me visitar na sala de casa. Além de ser muito bonita, ela me conquistou pela simpatia. Sempre de bom humor, ela contava piadas e tinha um sorriso maravilhoso. Não à toa seu sobrenome era Gentil.
Por algumas semanas, nos encontrávamos diariamente. Quando precisei voltar ao trabalho, nosso namoro esfriou. Por isso, não foi surpresa nenhuma quando soube que fora trocado por um amigo dela de infância. O casal se casou no Rio e, obviamente, não me convidou para a cerimônia. Entendi perfeitamente e não reclamei. Também não fiquei mal dessa vez. Ao término do relacionamento com a Fernanda, meu coração já tinha uma nova dona: uma mineirinha temperamental.
Conheci a Paula em um show em Belo Horizonte. A moça era cantora sertaneja e passara aquela noite em cima do palco. Rapidamente, ela se tornou famosa. Mesmo sendo eu seu único namorado, as pessoas teimavam em dizer que ela estava tendo um caso com o Roberto Carlos. Aquilo machucou de mais meu já sofrido coraçãozinho. Depois de segui-la por três meses, tive a certeza da sua fidelidade.
Dessa vez, quem acabou o romance fui eu. O problema é que minha família não aceitou o relacionamento. A moça, segundo minha mãe, era muito arrogante. Minha irmã a considerava falsa. Minhas tias a definiam como nojentinha. Até meu pai, que não fala mal de ninguém e nunca se mete em meus namoros, certa vez disse: "Esta cantora não sabe tocar violão. Repare! Ela só está fazendo tipo que está tocando". Aquilo foi demais. Não podia viver com alguém que era odiada pela minha família inteira.
O pior é que eles estavam com a razão. Um pouco antes de eu dar um basta no namoro, a Paulinha, pressentindo o rompimento, resolveu me denunciar para a polícia. Era o seu jeito de se vingar de mim. Dá para imaginar o barraco que a desalmada armou?! O delegado disse que eu a estava perseguindo e sendo inconveniente. Justo eu que só queria o melhor para ela! O mais cruel foi o juiz. Ele me condenou a dois anos e meio de prisão. No mínimo, aquele desgraçado nunca amou ninguém de verdade.
Contei um pouco do meu histórico afetivo para explicar como foi natural me apaixonar outra vez por alguém da televisão, mesmo depois de tudo o que passei. O nome da minha nova namorada é Patrícia Levy. Ela foi bailarina e atriz. Hoje é apresentadora de um canal a cabo que vende tranqueiras para o lar. Basta ligar e pedir os produtos anunciados que eles chegam sem complicação em sua casa.
Meu namoro com a Patrícia não começou instantaneamente como os anteriores. Admito: não foi paixão à primeira vista. Só depois de convivermos alguns meses, nosso amor amadureceu. O que mais gosto nela é sua preocupação com a minha residência. Ela vive falando: "Você vai receber visita na hora do almoço? Então, veja a praticidade desta panela de arroz elétrica" ou "Como você consegue ficar em uma sala com um sofá tão velho?! Compre agora mesmo este de três lugares!". Ou seja, além de linda, a Patrícia está o tempo todo preocupada com o meu bem-estar.
Nem tudo, porém, são alegrias. Minha nova paixão me trouxe alguns probleminhas. Primeiro que não é barato namorar uma mulher de classe. Minha conta bancária está no vermelho. É caro comprar tantas coisas que ela me pede diariamente. Só de panela de pressão elétrica já comprei cinco. Como não preciso de tantas, estou presenteando todo mundo que conheço com elas. Trata-se de um ótimo presente, me assegurou a Paty. Até agora, somente o Juvenal, meu vizinho do apartamento de baixo, não gostou de receber uma panela desta de aniversário. O velho muquirana disse que ela puxava muita energia.
Outra dificuldade que estou tendo é com o ciúme alheio. Parece que ninguém a minha volta aprecia o meu novo romance. Meus amigos vieram no final de semana passado aqui em casa e saíram bravos. Não aceitaram que eu tirasse do futebol para colocar em um canal de venda de produtos. Eles não entenderam que o programa da Paty era justamente na hora da partida. Como iria explicar depois para ela minha ausência em nosso encontro?!
Até minha família está indignada com meus novos hábitos. "Onde já se viu ficar na frente da televisão vendo um canal destes?" resmunga minha mãe. "O pior é a mania dele de comprar coisas que não precisa" provoca meu pai. Nada supera a desfeita da minha irmã. Certa noite, ela disse: "Esta apresentadora está um pouco gordinha, não está? Uma dietinha não faria mal!". Fiquei tão envergonhado. Não se fala isso na frente de ninguém. Ainda bem que a Patrícia é educada e fingiu não ouvir.
Apesar de um ou outro aborrecimento, sigo apaixonado. Com o tempo, todos que estão à minha volta entenderão o quanto o namoro é sério. Pensando nisso, vou viajar ao Rio no próximo final de semana. Quero fazer uma surpresinha para a Paty. Já tenho o endereço da casa dela e vou aparecer lá sem avisar. Aposto que o coração dela vai explodir de emoção quando me vir na sua porta.
Quem sabe não aproveitamos e marcamos o casamento, hein? A Patrícia, inclusive, me deu algumas indiretas sobre isso outro dia. Em seu programa, ela apresentou um par de alianças e até colocou no dedo para mostrar como ele ficava bem em sua mão. Mulheres! Tem horas que elas não são nada sutis.
-----------------
Paranoias Modernas é a série mensal de narrativas curtas criada por Ricardo Bonacorci. Os 11 contos do quadro estão sendo publicados com exclusividade no Blog Bonas Histórias ao longo deste ano.
Gostou deste post e do conteúdo do Bonas Histórias? Compartilhe sua opinião conosco. Para acessar outras narrativas do blog, clique em Contos & Crônicas. E não se esqueça de curtir a página do Bonas Histórias no Facebook.