Quando falamos de Teoria Literária e de Análise Literária, assuntos centrais desta coluna do Bonas Histórias, uma das primeiras dúvidas que surge na cabeça das pessoas é: qual é a diferença entre Teoria Literária, Crítica Literária e Historiografia Literária? Realmente, essa confusão conceitual é muito comum. E ela gera outras. A principal delas é: o trabalho do analista literário é diferente dependendo do tipo de caminho escolhido? Em outras palavras, o processo de análise é distinto na Teoria Literária, na Crítica Literária e na Historiografia Literária? Para responder a estes questionamentos, vamos tratar neste post dos Fundamentos e da Extensão da Análise Literária.
A análise literária possui três fundamentos conceituais básicos que estão intrínsecos ao processo analítico. Dependendo da concepção utilizada pelo analista para a construção do seu trabalho, seu estudo pode adquirir diferentes vieses e extensões. Os três fundamentos conceituais possíveis são a teoria literária, a crítica literária e a historiografia literária (COMPAGNON, 2014: p. 21-22). A seguir, vamos tratar de cada um deles.
1. Teoria Literária:
A teoria literária reúne um conjunto de elementos, regras, sistemas, modelos e métodos de cunho científico-filosófico que é aplicado à interpretação do texto literário. Ou seja, ela trata a literatura como um campo de estudo científico e estabelece padrões conceituais e metodológicos para realizar sua investigação (MOISÉS, 2014, p. 18-24). Além disso, é normal a teoria literária recorrer a outras ciências, como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Linguística, a Semiótica, entre outras, para embasar seus estudos textuais (EAGLETON, 2006, 1-.24).
Os principais elementos considerados pela teoria literária são: o texto (a materialização da literatura), o autor, o mundo (a realidade), o leitor, o estilo, a história (o contexto) e o valor literário (COMPAGNON, 2014: 25). As distintas interpretações destes sete elementos ao longo da história resultaram no desenvolvimento de várias correntes teóricas da literatura, muitas delas opostas e dicotômicas.
O formalismo russo, o estruturalismo de Praga, o new criticism norte-americano, a fenomenologia alemã, a psicologia genebresa, o marxismo internacional, o estruturalismo e o pós-estruturalismo franceses, a hermenêutica, a psicanálise, o neomarxismo e o feminismo são alguns exemplos dos tipos de correntes literárias que surgiram no século XX (COMPAGNON, 2014, p. 16).
2. Crítica Literária:
A crítica literária, por outro lado, não possui um rigor científico-filosófico tão acentuado como a teoria literária. Ela compreende um discurso mais subjetivo, menos metodológico e mais pessoal do processo analítico, pautando-se essencialmente na experiência de leitura do indivíduo (COMPAGNON, 2014: p. 21). Por suas características peculiares, o analista aqui é chamado mais comumente de crítico literário.
Além do menor rigor avaliativo do texto (muitas vezes, não há qualquer preocupação no sentido conceitual e metodológico), o crítico busca com suas análises um juízo de valor. Este é, não por acaso, o atributo principal da crítica literária (MOISÉS, 2014, p. 19). O texto é bom ou ruim, é legal ou chato, é interessante ou desinteressante? A avaliação é um julgamento genérico de um indivíduo em relação àquele texto. A escolha avaliativa tem como base única e exclusivamente uma leitura recreativa feita por alguém muitas vezes pouco preocupado com o formalismo investigativo.
Ou seja, a crítica literária não respeita as (oito) etapas básicas para a realização de uma análise literária formal (ver tópico "3.3. Como se faz uma Análise Literária?" deste trabalho acadêmico). Além de não considerar a necessidade de várias leituras e do embasamento metodológico-conceitual da teoria literária, o crítico literário faz normalmente apenas uma leitura rasa (ou recreativa) antes de emitir seu julgamento sobre aquela obra. Ele, assim, fica eternamente preso à primeira fase da análise literária (MOISÉS, 2014: p. 45 e 46).
Portanto, a crítica descreve, avalia e julga os sentidos/efeitos que as obras literárias transmitem aos leitores comuns. O analista/crítico, aqui, não precisa ser um profissional ou um acadêmico da área literária. Não há a obrigatoriedade de erudição ou de conhecimentos específicos para a realização da análise por meio da crítica literária. Qualquer pessoa com a mínima habilidade de leitura e com algum senso crítico pode realizar essa atividade. Segundo Antoine Compagnon: "A crítica aprecia, julga, procede por simpatia (ou antipatia), por identificação ou projeção: seu lugar ideal é o salão do qual a imprensa é uma metáfora, não a universidade; sua primeira forma é a conversação" (2014, p. 21).
Mais recentemente, a crítica literária migrou da imprensa tradicional para os blogs literários (e suas extensões online: vlogs e canais no Youtube). Há centenas ou milhares de sites em língua portuguesa com a finalidade de avaliar as obras literárias, sejam elas clássicas ou contemporâneas. Tradicionalmente, estes críticos são pessoas apaixonadas por literatura. Eles se consideram "especialistas" na tarefa de analisar os romances comerciais que chegam regularmente às livrarias, apesar de não possuírem, na maioria dos casos, formação, experiência, prática e/ou conhecimento da teoria literária.
3. Historiografia Literária:
A historiografia literária é um campo de estudo da literatura que se interessa fundamentalmente pelos fatores externos à experiência de leitura (COMPAGNON, 2014, p. 21). Instituída como disciplina acadêmica ao longo do século XIX, ela procura ordenar os textos em uma sequência linear ou em uma continuidade histórica. Enquanto a crítica literária se interessa pelo julgamento do texto lido, a historiografia se preocupa essencialmente com o contexto da produção literária (MOISÉS, 2014: p. 21).
Para os analistas que trabalham segundo a historiografia literária, o escritor é influenciado acima de tudo pelo cenário e pelo momento histórico nos quais ele está inserido. Assim, compreender o texto requer, antes de qualquer coisa, o entendimento do ambiente político-econômico e sociocultural daquela região ou país.
Como campo de estudo acadêmico, a historiografia literária possui seus próprios princípios metodológicos e seus procedimentos de análise. Ela trabalha de maneira parecida com a teoria literária (apesar dos conceitos dessas duas áreas serem bem distintos) e, por consequência, trabalha de forma muito diferente da crítica literária (que não possui muitos fundamentos teóricos).
Comumente, o resultado mais prático da historiografia é o estabelecimento das escolas literárias nas quais as obras podem ser catalogadas. Dependendo de suas características histórico-temáticas e estruturais, os textos são classificados como pertencentes ao classicismo, trovadorismo, humanismo, renascimento, quinhentismo, barroco, arcadismo, romantismo, realismo, naturalismo, parnasianismo, simbolismo, pré-modernismo, modernismo e contemporaneidade.
E aí, ficaram claras as diferenças entre Teoria Literária, Crítica Literária e Historiografia Literária? Podemos dizer que o tipo de análise literária realizado por um estudioso ou acadêmico é completamente distinto dependendo do caminho por ele escolhido. Há tipos de análise para quem trabalha com a Teoria Literária, há outros para a Crítica Literária e outros diferentes para quem atua com a Historiografia Literária. Conhecer essas nuances é fundamental para o início da atuação de um analista literário.
No mês que vem, retorno à coluna Teoria Literária para continuar tratando de aspectos técnicos da Análise Literária. A ideia é discutirmos, em julho, a seguinte questão: Existe um modelo padrão de análise literária para a Teoria Literária? Ficou interessado(a)? Então, não perca as novidades do Bonas Histórias! Até mais.
Bibliografia:
COMPAGNON, Antoine. O Demônio da Teoria - Literatura e Senso Comum. 2a ed. Belo Horizonte: UFMF, 2014.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura - Uma Introdução. 6a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MOISÉS, Massaud. A Análise Literária. 19a ed. São Paulo: Cultrix, 2014.
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