Li, neste final de semana, o livro "Diário da Queda" (Companhia das Letras), o quinto romance do escritor gaúcho Michel Laub. Pela primeira vez na carreira, o autor abordava mais diretamente em uma trama ficcional alguns aspectos da sua vida pessoal, como o judaísmo e certas passagens delicadas de sua infância. O resultado é simplesmente espetacular! Em um enredo entrecortado pelas histórias de homens de três gerações diferentes de uma mesma família judia (avô, pai e filho), o leitor adentra nos dramas cíclicos dessas personagens melancólicas e atormentadas por episódios de seus passados.
Publicado em 2011, "Diário da Queda" conquistou vários prêmios nacionais. Os primeiros foram o Prêmio Brasília de Literatura de 2012 como melhor romance do ano e o Prêmio Bradesco/Prime de 2012 de melhor romance daquela temporada. Além disso, a obra foi finalista dos importantíssimos Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Portugal-Telecom, ambos de 2012. Ou seja, não há dúvida nenhuma da qualidade deste texto, né?
Michel Laub nasceu em Porto Alegre, em 1973, e atua como escritor e jornalista em São Paulo, onde mora há muitos anos. O gaúcho tem outros sete livros publicados além de "Diário da Queda": "Não Depois do que Aconteceu", coletânea de contos de 1998, "Música Anterior" (Companhia das Letras), romance de 2001, "Longe da Água" (Companhia das Letras), romance de 2004, "O Segundo Tempo" (Companhia das Letras), romance de 2006, "O Gato Diz Adeus" (Companhia das Letras), romance de 2009, "A Maça Envenenada" (Companhia das Letras), romance de 2013 e "O Tribunal da Quinta-feira" (Companhia das Letras), romance de 2016.
Dessas obras, as mais importantes são "Diário da Queda" e "O Segundo Tempo". "Segundo Tempo" foi finalista do Prêmio Jabuti de 2007 (ficou no segundo lugar) ao narrar o drama de dois irmãos durante uma partida de futebol. Com esse portfólio literário, Laub se tornou um dos principais escritores brasileiros da atualidade. Seus livros foram traduzidos para dez idiomas e foram publicados em treze países. Ele, inclusive, coleciona alguns prêmios internacionais.
"Diário da Queda" é narrado em primeira pessoa por um judeu nascido em Porto Alegre. Ele não tem seu nome revelado durante toda a trama. As lembranças do protagonista voltam-se para quando ele tinha treze anos. Naquela época, ele deixou propositadamente um colega de classe cair em uma festa de aniversário (daí o título do livro). Aquele ato provocou graves sequelas não apenas na vítima da brincadeira infeliz, mas também ao agressor. O narrador brigou com o pai e se desentendeu com os demais colegas da escola. Inicia-se, assim, a fase de alcoolismo e de tristeza profunda do protagonista-narrador.
Enquanto relata o fato marcante de sua infância e descreve como esse triste episódio gerou um adulto solitário e deprimido, o narrador também faz uma retrospectiva da vida do seu pai e do seu avô, duas pessoas também amarguradas pelos passados tumultuados que carregavam. De maneira inconsciente, as três gerações de homens dessa família judia estão presas pelos mesmos traumas: relação complicada com a sociedade e com o judaísmo, necessidade de escrever suas memórias, relação fria com os filhos, indiferença com as esposas, episódios tristes do passado e melancolia intensa.
Com 152 páginas, "Diário da Queda" é um romance curto. Dá para lê-lo em uma única tarde ou mesmo em uma única noite. Foi o que fiz no sábado passado. Além de pequeno, a linguagem simples do livro e o carisma do narrador atraem a atenção do leitor para a história contada, acelerando ainda mais a leitura. Michel Laub possui um texto elegante e uma técnica apurada de construir suas ficções, o que ajudam ainda mais a tarefa de quem navega por suas páginas.
São vários os elementos que gostei neste romance. O primeiro é a mistura de presente, passado e (mais no final do livro) futuro. Acompanhamos lado a lado os dramas da família do protagonista como se estivéssemos juntos dessas personagens. Em muitos momentos, confundimos as histórias de avô, pai e filho. Isso é muito legal (e provavelmente proposital), pois elas são tramas relacionadas e cíclicas. Impossível entender um homem sem compreender a vida do seu pai e, depois, projetar as consequências para a existência de seu filho. Sublime!
Outro aspecto interessante é a verossimilhança da trama. O leitor chega a acreditar que o que está lendo é uma autoficção (ou mesmo uma autobiografia) e não uma simples criação ficcional. Michel Laub consegue impor com tanta força em sua escrita a voz e a consciência do narrador do romance que é natural acharmos que ele (o escritor) está descrevendo as suas próprias lembranças e os fatos de sua família. Tem prova maior da excelência literária de um autor do que quando o leitor confunde o narrador com o escritor e a trama do romance com a biografia do autor, hein?!
Outro ponto que merece elogios é o final do livro. O desfecho de "Diário da Queda" é ao mesmo tempo surpreendente, reflexivo e melancólico. Incrível notar como o escritor conseguiu manter a força narrativa do seu drama até a última página. Ele faz isso sem abrir mão de sua proposta e sem fazer concessões aos leitores mais românticos, preocupados com finais totalmente felizes. Confesso que sou fã de desenlaces amargos, que deixam um sabor azedo na boca do leitor.
Gostei tanto de "Diário da Queda" que pretendo ler, ainda neste ano, o romance "O Segundo Tempo", a outra grande obra de Michel Laub. Realmente, o cara é excelente. Fiquei fã de sua literatura. Inegavelmente, estamos diante de um dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea.
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