Darico Nobar: Boa noite! Eu sou o Darico Nobar e este é o Talk Show Literário. No programa de hoje, teremos como convidado um homem apaixonado. Ele também é médico formado, escritor prolífico e pai de quinze filhos. Com vocês, Doutor Augusto! [Palmas da plateia para o entrevistado que sobe ao palco].
Augusto: Olá, pessoal! Boa noite, Darico.
Darico Nobar: Obrigado pela sua presença, Doutor Augusto. Para início de conversa, gostaria de saber: por que você largou a medicina e investiu na carreira de escritor?
Augusto: É uma história complicada. Eu sempre amei a medicina e nunca passou pela minha cabeça trabalhar em algo fora da área da saúde. Entretanto, na época da universidade, fiz uma aposta com meus colegas. Ao perdê-la, precisei escrever um romance. Como não dominava a técnica da escrita, levei muito tempo para concluir o livro. Isso prejudicou os anos finais da faculdade e os primeiros anos de residência médica.
Darico Nobar: Depois da publicação de A Moreninha, você voltou a atuar como médico?
Augusto: Infelizmente, não. Quando finalizei o livro da minha história com Carolina, fiz uma nova aposta, dessa vez com o Lauro Mendonça, um amigo meu. Disse a ele que A Moreninha seria um fracasso retumbante de público. Ele garantiu que a obra seria um sucesso. Fui derrotado. Como punição, tive de escrever outro romance, agora narrando a vida de Lauro e de sua prima Honorina.
Darico Nobar: E essa obra teve boa aceitação do público?
Augusto: Teve sim. O problema é que continuei perdendo as apostas que fazia. Até hoje não sei por que me arrisco nesses palpites banais do dia a dia. Perdi uma série de apostas na sequência: para um sujeito simples que vivia no campo, para um vizinho míope que eu detestava e para um jovem comerciante... Até para uns escravos que sonhavam com a alforria fui vencido. E como se fosse uma sina, todos exigiam como pagamento da aposta a produção de uma narrativa sobre suas vidas. Assim, tornei-me um dos mais populares escritores brasileiros da segunda metade do século XIX.
Darico Nobar: O mesmo aconteceu com o Joaquim Manuel de Macedo.
Augusto: Sim! E como ele, precisei abandonar a medicina.
Darico Nobar: O que Carolina achava disso? Na certa, ela ficava zangada quando descobria que você perdia essas apostas e precisava, depois, cumprir o combinado.
Augusto: Para ser sincero, naquela época, eu pouco falava ou via a Carolina. Ela estava sempre cuidando da casa e das crianças ou estava preocupada com sua nova gravidez. Não é fácil ter quinze filhos...
Darico Nobar: Ter tantos filhos, creio, é uma maravilha para o casal! Isso só demonstra que o amor romântico de vocês dois, tão bem descrito em A Moreninha, não acabou depois do casamento, né?
Augusto: Não é bem assim... É verdade que sempre amei muito minha esposa. Entretanto, é preciso admitir que viver casado por décadas e décadas com a mesma pessoa não é fácil. Aquela menina endiabrada e encantadora se transformou em uma mulher brava e mandona. Era só me olhar para ela começar a reclamar: "Augusto, o Marcelinho caiu e quebrou o braço", "Estou grávida", "Acabou o leite fresco das crianças", "Preciso de mais dinheiro para comprar os materiais escolares", "Precisamos levar a Marcinha ao dentista", "Por que você voltou tão tarde ontem?", "Não acredito que você está escrevendo outro livro", "Você não me dá mais atenção" e "Estou grávida outra vez". Todo homem fica com a cabeça cheia, desejando desaparecer.
Darico Nobar: Casar nunca foi fácil.
Augusto: Só depois de viver na pele o que é o matrimônio, entendi o porquê dos escritores românticos terminarem suas histórias no momento em que o casal de protagonistas chega ao altar. Se eles prosseguissem na narrativa, na certa ninguém mais se casaria nesse mundo ou o Realismo teria chegado bem antes na literatura.
Darico Nobar: Sinto um tom pessimista em suas palavras.
Augusto: Fique casado por mais de um século e meio com a mesma mulher e você descobrirá sozinho os motivos do meu pessimismo. E imaginar que quando jovem, eu não conseguia ficar apaixonado pela mesma mulher por mais do que quinze dias... Como a vida pode ser irônica!
Darico Nobar: O que aconteceu com seus amigos Filipe, Fabrício e Leopoldo depois da publicação de A Moreninha?
Augusto: Eles também se casaram. Esse é um mal que a maioria dos homens não consegue escapar. O Filipe e Fabrício ainda trabalham como médicos. Já o Leopoldo cansou da medicina, se mudou para São Paulo e abriu um restaurante. Há muito tempo não falo com eles nem os vejo. Depois que a gente casa e passa a cuidar de uma penca de filhos, netos, bisnetos e tataranetos, fica difícil rever os antigos amigos.
Darico Nobar: Você e a Carolina ainda visitam a ilha de Paquetá? Foi lá que vocês se conheceram, né?
Augusto: Foi lá que nos apaixonamos. Deve fazer uns oitenta ou noventa anos que não visitamos a antiga casa de Dona Ana na ilha. A última vez que fomos até lá foi para forçar uma de nossas filhas a beber a água da fonte mágica. Como ela não queria se casar com um rapaz honesto, bondoso e bem-educado que havia pedido sua mão, demos uma forcinha ao casal. Você sabe qual gruta estou me referindo? É aquela formada pelas lágrimas da antiga índia apaixonada.
Darico Nobar: Sei sim. Você fala muito dela em seu primeiro romance. O que estou achando estranho é você acreditar no poder sobrenatural da fonte da ilha de Paquetá. Você crê nesse tipo de crendice popular?
Augusto: É claro que não acredito! Sou um homem das ciências. Só fiz isso porque a Carolina confia muito nessas lendas pré-coloniais. Aí quando uma mulher põe uma coisa na cabeça, você sabe, é difícil de tirar.
Darico Nobar: Sua filha se casou com o tal sujeito depois de irem à gruta?
Augusto: Claro! Estão juntos até hoje. Posso não acreditar nos poderes sobrenaturais daquela fonte, mas é fato que ela sempre funciona. Eu mesmo estou casado desde a década de 1840 com a Carolina. Nós bebemos daquela água e nunca mais nos desgrudamos. Por isso, aconselho os mais jovens a nunca beber água desconhecida quando saem de casa. É um perigo!
Darico Nobar: Então, a água da gruta da ilha de Paquetá é mesmo casamenteira! Você já pensou em explorar comercialmente aquele lugar?
Augusto: Não sou tão inescrupuloso assim. Não faria mal a ninguém por mais dinheiro que pudesse ganhar com isso. Jamais pensaria em me aproveitar da desgraça alheia. Para mim, aquela fonte deve permanecer lacrada e inacessível. O meu genro, o mesmo que se casou após beber daquela água, voltou ao local depois de alguns anos e colocou uma placa: "Cuidado! Água tóxica. Não beba".
Darico Nobar: Sua mulher e sua filha o deixaram fazer isso?
Augusto: Ele teve o apoio de todos os homens da família. Fizemos isso sem o consentimento das nossas mulheres. Acho que elas não sabem dessa história até hoje.
Darico Nobar: Essa atitude não pode trazer problemas para vocês?
Augusto: Que nada! Depois dessa medida, as novas gerações de nossa família pararam de se casar. Poucos têm filhos hoje em dia. É uma beleza! Os jovens, quando muito, passam a viver juntos apenas por um tempo. Quando falamos em casamento, eles se arrepiam e ficam ofendidos. Depois de alguns anos juntos, eles decidem se separar e vão viver sozinhos novamente ou se juntam com novas pessoas. Filhos nem pensar! É um estilo de vida mais tranquilo e descontraído, creio eu. Tudo graças à placa que foi colocada na maldita gruta. Se alguém tivesse feito isso há mais tempo...
Darico Nobar: Você se chateia quando criticam o seu estilo literário? Muita gente se incomoda com os excessos de informalidade e de gírias presentes no seu texto.
Augusto: Se minhas histórias fossem feitas como os médicos normalmente falam ou escrevem, na certa ninguém entenderia nada. Faço um bem para os meus leitores e para a literatura nacional quando uso a linguagem coloquial.
Darico Nobar: Você é o alter ego do Joaquim Manuel de Macedo?
Augusto: Só porque nossas vidas possuem semelhanças, as pessoas levantam suspeitas a esse respeito. Sinceramente, não sei a resposta. Acho que quem poderia responder melhor a essa questão é o próprio senhor De Macedo, se ele estivesse vivo.
Darico Nobar: Em sua opinião, qual foi o primeiro romance brasileiro de todos os tempos: A Moreninha ou O Filho do Pescador?
Augusto: Não há dúvida que foi A Moreninha. O Filho do Pescador não pode ser considerado um romance propriamente dito. O livro de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa é muito esquisito, de difícil compreensão. Talvez essa obra não tenha sido finalizada ou não tenha passado por uma revisão. Nossa literatura romanesca não merece ter uma inauguração tão sofrível. Assim, o pioneirismo deve ser atribuído à trama de A Moreninha. Mesmo com o lançamento posterior, meu livro tem os elementos básicos de um romance, como uma história lógica e começo, meio e fim.
Darico Nobar: Pessoal, esta foi minha conversa com o médico e escritor Augusto. Obrigado pela sua visita ao nosso auditório, doutor.
Augusto: Eu que agradeço o convite, Darico. A única coisa ruim de ter vindo ao seu programa foi ter perdido mais uma aposta.
Darico Nobar: Não acredito! O que você apostou dessa vez?!
Augusto: Apostei com a Carolina, no começo do ano, que jamais seria chamado para participar do Talk Show Literário. Achei que ninguém mais se lembrava da gente...
Darico Nobar: Você não tem jeito mesmo, Doutor Augusto. Pessoal, até o próximo programa. Boa noite e até o mês que vem. Tchau!
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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Nesta primeira temporada, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.
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