A crônica é naturalmente um gênero narrativo perecível. Em questão de dias, semanas, meses ou (no mais tardar) anos os temas trabalhados pelos escritores se tornam irrelevantes e até mesmo obscuros aos olhos dos leitores. Senti na pele essa característica quando estudei o trabalho não ficcional de Machado de Assis que foi publicado nos jornais cariocas no final do século XIX. Por mais brilhante que o carioca fosse como escritor, a coletânea de crônicas daquela época é atualmente um conjunto de texto pouco atrativo ao público contemporâneo. Isso é algo normal de ocorrer. Esse tipo textual envelhece mal e de maneira muito mais rápida do que outras narrativas, como os romances, as novelas e os contos, por exemplo.
Essa particularidade das crônicas, contudo, não pode ser usada como desculpa para acobertar os principais problemas detectados no livro "Em Outras Palavras" (Record). Lida nesse sábado para o Desafio Literário de outubro, a obra com crônicas de Lya Luft é ruim porque já nasceu com graves defeitos. A culpa, portanto, não está em seu envelhecimento precoce, que só agravou suas deficiências, mas está na pobreza conceitual e no debate pobre de temas em que sua autora não tem o que discorrer. Sinceramente, considero Lya Luft uma ótima romancista, porém uma cronista e ensaísta no máximo medíocre. Sua limitação para falar intensamente de alguns temas em que possui domínio de causa e, principalmente, de ser plural (avançar sobre novos assuntos) é evidente e constrangedora.
Publicado em 2006, "Em Outras Palavras" reúne artigos produzidos por Lya Luft entre 2004 e 2005 para sua coluna "Ponto de Vista" da revista Veja. Apesar de gostar muito da escritora (principalmente na área romanesca), sempre vi com ressalvas sua atuação como colunista de uma revista semanal. Como leitor da Veja, achava os textos de Luft terrivelmente chatos. Ela era repetitiva e rasa em seu debate sobre os acontecimentos do presente. Era possível apontar o que ela ia dizer antes de iniciar a leitura das crônicas. Raramente errava em minha previsão. Com o tempo, "Ponto de Vista" se tornou para mim a única seção que eu ignorava dessa publicação. Se isso acontecia quando os textos eram atuais, imagine voltar a lê-los uma década depois. Aí a vontade é de chorar!
Com 54 crônicas distribuídas em 224 páginas, "Em Outras Palavras" trata de temas comuns às obras de Luft (construção de famílias saudáveis, desafios das relações conjugais, complexidade da alma feminina, beleza da infância, machismo e abuso sexual) assim como assuntos mais genéricos que não são comuns de serem encontrados nos romances da autora (violência da sociedade, corrupção endêmica no país, impunidade, consumo de drogas, tráfico de entorpecentes, injustiças sociais, conflito de classes, política, consumismo, pedofilia, crítica cinematográfica, etc). Há também alguns temas bem pontuais da época em que foram desenvolvidos, como o encalhe de uma baleia nas praias cariocas e a votação pela lei do desarmamento.
O que torna "Em Outras Palavras" um livro ruim é o fato de Lya Luft ser uma brilhante pensadora do universo feminino, mas uma fraca analista da realidade contemporânea. Quando embarca nos dramas, nas angústias, nos desafios e na complexidade da alma das mulheres, Luft é brilhante (apesar de repetitiva). Não conheço ninguém mais capacitada e talentosa do que a gaúcha para tratar desse assunto, seja na ficção ou na não ficção. Porém, quando ela resolve debater, por exemplo, os problemas da violência urbana, a corrupção dos políticos no país, a crise moral da sociedade e o comportamento juvenil, temos uma escritora rasa e com um olhar pouco apurado. Esse é o principal problema desse livro. Lya Luft não é original nem brilhante quando escreve sobre temas genéricos.
As melhores crônicas de Luft ainda são sobre seus temas preferidos. O que os torna um tanto chatos é que a autora repete exemplos e abordagens já usados. Em muitos casos, ela repete palavra por palavra. Aí não dá! Por isso, prepare-se para ler novamente e integralmente textos já publicados em outras obras da escritora. Esse mesmo defeito já tinha sido detectado em "Pensar é Transgredir" (Record), outro livro de crônicas da gaúcha. "As Paixões Humanas", "O Feio Vício", "Caio F. (Como ele gosta)", "Incômodo e Belo" e "A Conquista da Velhice" são artigos presentes em "No Rio do Meio" (Mandarim), "Perdas & Ganhos" (Record) e "Pensar é Transgredir". A vontade que se tem ao ler o mesmo texto duas vezes (em alguns casos, três) é de atirar o livro na parede ou jogá-lo em uma fogueira. Como Lya Luft pode ser às vezes tão chata e repetitiva?! Se ao menos ela mudasse um pouco as histórias e os exemplos de suas crônicas, até poderia conseguir lê-la sem tanta raiva.
Para meu alívio, o sexto e último livro da escritora nesse Desafio Literário é um romance (Ufa!). Na próxima quinta-feira, dia 26, retorno ao Blog Bonas Histórias para comentar "O Tigre na Sombra" (Record), o mais recente romance publicado por Lya Luft. Espero todo mundo lá para debatermos esse livro. Até mais!
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