Nesse final de semana, estreou nos cinemas brasileiros o filme "O Melhor Professor da Minha Vida" (Les Grands Esprits: 2017). Essa produção francesa foi dirigida e roteirizada por Olivier Ayache-Vidal, cineasta mais conhecido pelos trabalhos em curtas-metragens, e foi protagonizada por Denis Podalydès, de "Monsieur & Madame Adelman" (2016), "Feito Gente Grande" (Du Vent Dans Mes Mollets: 2011) e Caché (2005). Aqui em São Paulo, o longa-metragem está sendo exibido no Reserva Cultural e no Espaço Itaú de Cinema.
"O Melhor Professor da Minha Vida" faz parte de um gênero cada vez mais comum no cinema contemporâneo: o do filme que aborda a relação docente-discente e os problemas da educação nos dias atuais. São vários os exemplares dessa categoria: "Sociedade dos Poetas Mortos" (Dead Poets Society: 1989), "O Sorriso de Mona Lisa" (Mona Lisa Smile: 2002), "A Onda" (Die Welle: 2008) e "Entre os Muros da Escola" (Entre Les Murs: 2008). Mais recentemente, foram comentados aqui no Blog Bonas Histórias os bons filmes "O Que Traz Boas Novas" (Monsieur Lazhar: 2011) e "Escritores da Liberdade" (Freedom Writers: 2007).
Apesar de abordar uma temática recorrente no cinema nos últimos anos, "O Melhor Professor da Minha Vida" consegue encantar a plateia, não sendo repetitivo. Com graça, bom humor, alguma originalidade e doses certeiras de dramaticidade, o filme escancara a difícil realidade da educação pública na França. Além disso, ele joga luz em um assunto delicado: a marginalização de negros, islâmicos e famílias pobres nos subúrbios parisienses. Nem sempre problemas graves e complexos podem ser resolvidos de maneira simplista e reacionária. Infelizmente, grande parte da crença da elite intelectual de muitos países não consegue explicar o que acontece nas regiões mais desfavorecidas de seus territórios.
O longa-metragem começa com o professor de literatura François Foucault (interpretado por Denis Podalydès) lecionando no Liceu Henri IV, escola particular de Paris. A instituição é uma das mais tradicionais e renomadas da França. O professor Foucault, um homem de 40 anos, solteiro e sem filhos, é rígido e intransigente com seus alunos. Ele parece ter prazer em humilhar os estudantes, ridicularizando o desempenho da turma sempre que possível. Além disso, o professor é adepto do velho sistema educacional. Suas aulas são expositivas, ele gosta de aplicar notas baixas para todos, prioriza a realização de atividades mecânicas como o ditado gramatical e exige a decoreba da garotada.
Certa noite, François Foucault, filho de um importante escritor francês, vai ao lançamento do novo livro do pai. Durante o coquetel desse evento, ele comenta corriqueiramente, em uma rodinha de pessoas mais ou menos conhecidas, que o principal problema da educação pública francesa está relacionado ao fato do Estado enviar professores inexperientes aos subúrbios. Enquanto os melhores e mais experientes docentes permanecem nas regiões centrais das metrópoles, os piores e os novatos são enviados para onde a exigência é maior, em um claro contracenso. Assim, a dificuldade da educação nas escolas mais afastadas não está na incapacidade dos alunos, mas na falta de preparação do corpo docente em encarar os desafios impostos por aquela complicada realidade.
O discurso do professor Foucault no coquetel é puramente ideológico, feito aparentemente para agradar os ouvintes de alguns esquerdistas que o rodeavam. Além disso, a intenção do mestre é mostrar o quão bom profissional ele é. Afinal, seu trabalho é no conceituado Henri IV, em uma das regiões centrais de Paris, bem longe do subúrbio da cidade. As palavras de Foucault despertam à atenção de uma bonita jovem que estava por perto. A moça se interessa pelo discurso do professor, fazendo várias perguntas para ele. Ao final, ela diz trabalhar no Ministério da Educação e o convida para almoçar com ela. Prontamente ele aceita.
A refeição, porém, não é como o professor Foucault imaginava. Ao invés de irem a um restaurante romântico a sós, a dupla se junta com os colegas dela em um almoço de negócios no gabinete do assessor da ministra da Educação. Foucault, para a alegria dos presentes, é apresentado pela amiga como sendo o professor do Liceu Henri IV que deseja lecionar no subúrbio para capacitar os jovens desfavorecidos. O professor até tenta consertar o mal entendido, mas não consegue. Quando a ministra da Educação aparece na sala e o cumprimenta pelo empenho em querer a ajudar o país, ele desiste de revelar a verdade. Assim, ele recebe a incumbência de dar aulas por um ano em uma escola pública distante de Paris.
Rapidamente, o excêntrico François Foucault e seus métodos autoritários destoam naquele ambiente povoado de negros, islâmicos e alunos de origem pobre. Nada como o subúrbio parisiense para mostrar a variedade cultural da França contemporânea. Depois de se sentir totalmente impotente frente ao desinteresse coletivo dos estudantes, o professor entende que precisa rever sua metodologia de trabalho. Assim, passa a cativar mais e mais os alunos para suas aulas de literatura e para as belezas das histórias narradas nos livros. Troca, portanto, a rigidez e o autoritarismo pela persuasão e pela humanização da relação docente-discente. Ao mesmo tempo em que fica feliz com os primeiros resultados positivos da turma, ele também começa a gostar genuinamente dos estudantes. Após muitos problemas com o pior aluno da classe, Seydou (Abdoulave Diallo), o professor passa a se interessar pelo desenvolvimento do rapaz. A amizade entre os dois aumenta ao longo do ano letivo.
"O Melhor Professor da Minha Vida" é um ótimo filme. Ele possui algumas características bem francesas, como o humor peculiar, o gosto pelos diálogos e o ritmo cadenciado da narrativa. Quem não se incomoda com essas particularidades dessa escola cinematográfica, tenderá a gostar da produção. Além disso, esse é um filme obrigatório para quem trabalha com educação. Professores, pedagogos e licenciados têm o dever de assisti-lo.
O primeiro elemento que chama à atenção nesse filme é sua câmera nervosa. A movimentação constante da imagem e os enquadramentos pouco convencionais mostram o inconformismo dos alunos com o novo professor e a preocupação de François Foucault com o ambiente na nova escola. Além disso, esse recurso dá um ar de documentário ao filme, aumentando sua verossimilhança. O detalhamento das diferenças entre o centro e o subúrbio parisiense e entre a realidade da escola particular e da instituição pública francesa também ajudam na composição desse retrato antagônico.
Outro ponto que merece elogios é a atuação de Denis Podalydès como o protagonista. Ele está brilhante no papel do professor enérgico, ranzinza, intolerante e patético. O elenco formado essencialmente por jovens não atrapalha em nada a fluidez do filme.
Algo que precisa ser comentado aqui é o quanto a realidade da escola pública do subúrbio francês é infinitamente melhor do que a realidade da maioria das escolas brasileiras. A violência, o inconformismo e a agressividade dos adolescentes europeus parece coisa de criança quando comparados à nossa realidade. A infraestrutura local, apesar de parecer precária aos olhos dos europeus, é algo admirada pelos professores brasileiros que convivem diariamente com o abandono das escolas públicas nacionais. Assim, o choque de realidade sofrido pelo personagem principal ao chegar à nova escola não é tão acentuado na ótica dos espectadores brasileiros.
Gostei também do recurso criado pelo roteirista para mostrar a passagem do tempo na trama. Eventos sequências específicos (irmã vai viajar por dois meses/ela volta de viagem) e datas marcantes do calendário (Natal, mudanças das estações do ano, férias de verão) são incorporadas à história exclusivamente para indicar a passagem do tempo. Apesar de ser algo simples, Olivier Ayache-Vidal trabalhou muito bem esses elementos em sua narrativa. A trilha sonora também é muito boa.
Para quem trabalha com educação, seja como pedagogo, licenciado, professor ou administrador, poder ver na prática o choque de mentalidade entre as metodologias convencionais e as novas do processo de ensino-aprendizado é muito legal. O professor Foucaut, por exemplo, vai pouco a pouco mudando suas crenças e seus métodos de trabalho durante o filme. Não são apenas os alunos que se transformam ao longo da história. O professor também se torna um melhor docente ao procurar cativar os estudantes e ao se interessar por compreender a realidade objetiva de sua turma (ao invés de tentar impor-se através da ordem e da disciplina). Isso fica mais evidente no tipo de aula dada por ele e em sua relação com Seydou, o garoto-problema da escola. As aulas de Foucaut, pouca a pouco, deixam de ser expositivas para se tornarem atividades com metodologias ativas de ensino-aprendizado. A disputa de poder entre professor e Seydou se transforma em uma relação de amizade verdadeira entre a dupla.
O desfecho da história é do tipo aberto. O que acontece com o menino Seydou e com o professor François Foucault ao final do ano letivo retratado?! Na verdade, isso não importa. O que o filme tenta mostrar é o que aconteceu com essa dupla de personagens durante aquele ano letivo. Esse período teve a propriedade de mudá-los definitivamente. Gostei da conclusão final, apesar de ela não decretar objetivamente o que será do futuro da dupla de protagonistas.
"O Melhor Professor da Minha Vida" é um filme leve (apesar da temática pesada), muito engraçado (não é preciso comentar a ironia do nome da personagem principal, né?) e profundo. O longa-metragem tem a capacidade de discutir uma série de temas ligados à educação com uma singeleza que não torna sua narrativa entediante para as pessoas que não trabalham nessa área.
Veja o trailer dessa bela produção francesa:
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