Na semana passada, comecei as leituras das obras do Desafio Literário de setembro. Posso dizer que meu final de semana foi com muito Markus Zusak, o mais bem-sucedido escritor australiano da atualidade. Na sexta-feira à noite, li "O Azarão" (Bertrand), romance de estreia de Zusak. No sábado e no domingo, as opções foram, respectivamente, "Bom de Briga" (Bertrand) e "A Garota que Eu Quero" (Intrínseca). Como os três romances são curtos, muito agradáveis e integram uma trilogia (descrevem os dramas da família Wolfe), não foi nada difícil concluir esta tarefa.
Hoje, vou comentar apenas "O Azarão". Nos próximos dias, repetirei a dose com o restante da série. "Bom de Briga" será o tema principal do post do próximo domingo, dia 10, enquanto "A Garota que Eu Quero" será o assunto do post da quinta-feira da próxima semana, dia 14.
Publicado em 1999, "O Azarão" foi fruto do trabalho de sete anos do jovem escritor. Na época do lançamento deste livro, Markus Zusak tinha vinte e quatro anos de idade. De cunho autobiográfico, o romance retrata, de maneira ficcional, um pouco da infância do autor passada no subúrbio de Sidney. Vindo de uma família pobre, Markus descreve a dureza financeira dos pais, as brincadeiras com o irmão mais velho, as partidas de futebol com os amigos, as lutas de boxes travadas no quintal de casa, as descobertas amorosas e, principalmente, as travessuras juvenis. É um livro sobre a infância e a entrada de um garoto na adolescência.
A receptividade da crítica australiana foi muito positiva. Logo de cara, Markus Zusak conquistou o Prêmio CBCA Children's Book, um dos mais importantes voltados para a literatura com temática infanto-juvenil. O sucesso no cenário nacional o fez prosseguir com a história da família Wolfe, transformando o pequeno romance na primeira parte de uma trilogia.
Narrado em primeira pessoa, "O Azarão" mostra a vida da família Wolfe pela perspectiva do filho caçula, Cameron. Com quinze anos de idade, o menino se sente um pária social. Ele não consegue achar sua posição nos ambientes frequentados, seja dentro de casa, na escola ou na comunidade local. Ao mesmo tempo, a passagem da infância para a adolescência traz muitos aborrecimentos ao garoto. Extremamente influenciado pelo irmão Ruben, um ano mais velho, Cameron está na iminência de se tornar um delinquente juvenil.
O pai de Cameron é encanador e a mãe é empregada doméstica. Ambos trabalham muito e de maneira pesada, sendo muito rigorosos com os filhos. Cameron e Ruben, os mais novos, são alvos de constantes críticas paternas. Afinal, a dupla está sempre suja, maltrapida e aprontando pequenas travessuras. Apesar da pobreza, o casal tenta dar uma boa educação aos quatro filhos.
Steve é o mais velho e já trabalha, sendo visto como o único integrante daquela residência que obteve algum sucesso. Ele é o mais ajuizado dos filhos e ajuda nas finanças domésticas, sendo o orgulho dos pais. Sarah é a única mulher entre os irmãos. Ela passa o dia se agarrando com o namorado no sofá da sala. Ruben, o terceiro na linha sucessória dos Wolfe, tem dezesseis anos e é daquele tipo de garoto encrenqueiro. Fã de uma boa briga, Rube, como ele é chamado carinhosamente pelo caçula, está sempre metido em alguma confusão. Ora está assaltando os comerciantes do bairro para descolar uns trocados, ora está furtando as placas de trânsito das ruas para decorar a parede do quarto.
Muito influenciado por Ruben, Cameron se lança ao submundo da delinquência juvenil. Os irmãos bolam os mais variados planos para cometer seus pequenos crimes. Todas as ideias fracassam. Ou falta coragem para a dupla ou falta competência na hora de executar o que foi planejado. Com isso, Cameron e Ruben, que são inseparáveis, vão entrando na adolescência com a sensação de serem dois derrotados.
A vida de Cameron sofre uma transformação quando o rapaz larga seus amores platônicos (por todas as mulheres bonitas que passam na sua frente ou que se exibem com poucas roupas nas páginas das revistas masculinas) e concentra sua atenção em uma paixão mais concreta. O coração do garoto é conquistado por uma jovem de sua idade. Ele conhece a menina quando está ajudando o pai com o encanamento da casa de um cliente. A garota é filha dos donos da residência. É amor à primeira vista. A partir daí, Cameron começa a se questionar se ele é digno do amor de uma jovem bonita, inteligente e bondosa. Ele, o arruaceiro que passa os dias metido em brigas e em roubos pela vizinhança, conseguirá não magoar o coração daquela moça que ele tanto gosta?
"O Azarão" é um livro sensível e muito bonito. Ele mostra, ao mesmo tempo, a dureza da vida da classe trabalhadora australiana e as dificuldades dos jovens pobres de atravessarem o período da adolescência. As dúvidas do personagem-narrador são representadas pela série de indagações que o rapaz faz durante seu relato. Além disso, é possível ver os sonhos e as aspirações da personagem principal. Cada capítulo é encerrado com um sonho de Cameron. Eles retratam fielmente o que o adolescente está sentindo. Às vezes, o leitor tem a sensação que o narrador está em um divã, relatando seus sonhos em um consultório psicológico.
As frases curtas, a inocência infantil do texto, a sinceridade do narrador e a banalidade poética do cotidiano da família dão maior realidade ao relato. A impressão é que estamos mesmo diante das palavras expressas por um garoto de quinze anos. Vale lembra que Markus Zusak, quando começou a escrever "O Azarão", já tinha aproximadamente dezessete anos.
Outro aspecto positivo do livro está na contradição das características da dupla de protagonistas. Os irmãos Cameron e Ruben são brigões, folgados, não tomam banho, estão sempre sem dinheiro, vivem maltrapidos, são demitidos dos empregos que arranjam e tentam o tempo inteiro roubar as pessoas. Por outro lado, rezam à noite pedindo proteção divina aos familiares, são fiéis companheiros um do outro, não têm coragem de cometer deslizes, juram fidelidade às futuras namoradas e se apaixonam por toda mulher bonita que passam por eles. Impossível não gostar dessa dupla. Cameron é o mais sensível, sendo romântico, altruísta e zeloso com todos da família. Ruben também tem bom coração, apesar de não querer demonstrar isso na maior parte do tempo.
Gostei muito do desfecho de "O Azarão". O encerramento do romance é poético e muito simbólico. Apesar da subjetividade escancarada, ele também é profundamente pragmático. O autor não faz concessões ao sentimentalismo dos leitores. A verdade dura da vida real é revelada friamente nas páginas do livro. Apesar de permitir algumas interpretações diferentes, o final da obra retrata com propriedade as frustrações do narrador-protagonista e, com isso, o seu amadurecimento. Como um legítimo Wolfe, uma hora ou outra Cameron precisaria se transformar em um lobo.
Como é muito curto, possuindo apenas 176 páginas, "O Azarão" pode ser considerado uma novela, apesar de Zusak chamá-lo sempre de romance. Novela ou romance, trata-se de uma boa história sobre a infância de um garoto pobre e sua família problemática. Li o livro em uma única noite. Em cerca de quatro horas é possível concluí-lo.
Fiquei com uma boa impressão de Markus Zusak. No domingo, dia 10, retorno aqui no Blog Bonas Histórias para passar minhas considerações sobre "Bom de Briga", a continuação da trilogia da família Wolfe. Até lá!
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