Na quinta-feira da semana passada, estive no Reserva Cultural, na Avenida Paulista, para conferir a estreia nos cinemas brasileiros do filme israelense "Shivá - Uma Semana e Um Dia" (Shavua ve Yom: 2016). Esta comédia-dramática marcou a estreia de Asaph Polonsky na direção de um longa-metragem. O jovem cineasta também criou o roteiro do filme. Até então, Polonsky só havia comandado a produção de curtas-metragens. Importante não confundi-lo com o experiente e polêmico Roman Polanski, também com descendência judaica, mas nascido na França na década de 1930.
"Shivá - Uma Semana e Um Dia" foi estrelado por Shai Avivi, Evgenia Dodina e Tomer Kapon, trio de atores mais conhecido do público israelense do que da plateia internacional. O filme recebeu alguns importantes prêmios tanto em seu país natal quanto no exterior. Em Israel, a produção levou os troféus de melhor filme e de melhor roteiro no Festival de Cinema de Jerusalém do ano passado. No Festival de Cannes de 2016, o longa-metragem foi indicado à Câmera de Ouro e ao Grande Prêmio da Crítica, conquistando o segundo.
No começo de "Shivá", há uma explicação sucinta para quem não conhece a cultura judaica. Após a morte de um parente próximo, é realizada por uma semana a Shivá. Neste período de luto, a pessoa fica recolhida em casa. Compreendida esta particularidade da tradição judaica, é possível entender o enredo do filme.
A família Spivak acabou de cumprir sua Shivá. Eyal (Shai Avivi) e Vicky Spivak (Evgenia Dodina) perderam o único filho do casal, um rapaz que tinha deixado recentemente a adolescência e tinha ingressado no universo adulto. No dia seguinte ao término do luto obrigatório (daí o nome da produção), as duas personagens precisarão reconstruir suas vidas em meio à dor da perda do jovem filho.
A retomada da rotina e dos afazeres cotidianos se mostrará contraditória para o casal Spivak. Enquanto Vicky volta ao trabalho como professora em uma escola primária e tenta ser durona, Eyal descamba para uma fase hedonista e de experimentações. O senhor de cabelos brancos passa, então, a querer consumir drogas e a se empanturrar de doces. Ele se incomoda com as atitudes dos vizinhos e começa a ser grosseiro com as pessoas à sua volta. Além disso, Eyal aproveita-se da comoção geral pela morte do filho para conseguir pequenos privilégios das pessoas mais sensíveis.
Ou seja, o protagonista do filme regride à fase adolescente. Não é à toa que seu melhor amigo a partir deste momento será o destrambelhado Zooler (Tomer Kapon), antigo colega do filho de Eyal e que vive como um típico adolescente inconsequente. Será Zooler que irá ensinar Eyal a fumar maconha, a se aventurar pela cidade como um louco e a não se preocupar com nada além do prazer imediato. Com isso, o protagonista viverá um dia totalmente atípico para um homem da sua idade, para desespero da esposa aparentemente regrada.
"Shivá - Uma Semana e Um Dia" é um exemplo típico do humor negro dos israelenses. Para achar graça nas cenas protagonizadas por Eyal, Vicky e Zooler, é preciso entender (e gostar) do tipo de humor judaico. Eu aprecio, mas, na sessão de cinema que estive presente, percebi que a maioria não curtiu tanto assim. Um grupo, inclusive, quis sair antes do término da produção. Na certa, devem ter achado o longa-metragem parado e sem grandes acontecimentos. Esta impressão pode ser sentida por quem não consegue se envolver com os dramas das personagens e não entende a graça sutil dos seus comportamentos amalucados.
É verdade que "Shivá" não é tão engraçado quanto os prêmios conquistados podem indicar. Por outro lado, também não é tão chato como o comportamento daquele grupo no Reserva Cultural pode parecer. O filme de Asaph Polonsky se parece, para compararmos com dois filmes recentes, com "A Missão do Gerente de Recursos Humanos" (The Human Resources Manager: 2010), do incrível Eran Riklis, e com "A Festa de Despedida" (Mita Tova: 2014), da dupla de diretores Sharon Maymon e Tal Granit. Porém, "Shivá" acaba perdendo em graça e em dramaticidade para estas duas produções (o que não é um mau sinal, vistos a qualidade e o sucesso destes conterrâneos mais velhos).
De maneira geral, gostei de "Shivá". O filme é sensível e engraçado. Ele aborda um tema delicado para qualquer cultura: a perda de um filho. Por isso mesmo, não ficamos sabendo nada (ou quase nada) sobre o rapaz morto. A história não é sobre o jovem falecido e sim sobre seus pais. Como eles vão encarar o futuro sem o garoto? Compreender as angústias, os dramas e a falta de perspectiva do casal desolado é uma maneira de entender (e aceitar) seus comportamentos atípicos.
Aí, a atuação de Shai Avivi (como o ranzinza Eyal Spivak) é esplendida. Ajudado pelo bom roteiro, o experiente ator dá um show ao interpretar um típico judeu rabugento, hedonista e muquirana. Apesar de bem caricato, a personagem principal do filme consegue cativar o público com um jeito peculiar. O hilário Tomer Kapon (como o jovem vizinho Zooler) ajuda o protagonista a entrar em mais confusões.
"Shivá" é um pouco parado em determinados momentos. Neste ponto, preciso concordar com aqueles que criticam a morosidade do longa-metragem. Algumas passagens poderiam ter sido cortadas ou substituídas. Outras situações mais cômicas e emocionantes poderiam também ter sido melhores exploradas no roteiro. Para uma produção cinematográfica classificada como comédia-dramática, faltou aumentar principalmente a dose de humor. Além disso, conferir um pouco mais de ação ao drama não faria nada mal ao filme. Os espectadores mais impacientes na certa agradeceriam.
Se você está procurando uma comédia inteligente, sensível e que apresente um drama genuinamente complexo, esta é uma boa opção em cartaz nos cinemas. Você não sairá da sala de cinema chorando de tantas gargalhadas dadas (duvido até mesmo que dê uma só durante a sessão), mas estará com um sorrisinho leve e cínico no rosto ao final da sessão. Foi assim que sai do Reserva Cultural na semana passada. Às vezes, um humor leve e sádico é capaz de trazer uma graça ao nosso dia a dia.
Veja, a seguir, o trailer de "Shivá - Uma Semana e Um dia":
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