O segundo livro do Desafio Literário, que tem como foco em agosto a escritora Nora Roberts, é "Doce Vingança" (Bertrand). Li esta obra no último final de semana. Depois do decepcionante "Pecados Sagrados" (Bertrand), primeiro romance da norte-americana analisado no Blog Bonas Histórias, admito que estava um tanto apreensivo. Contudo, terminei a leitura de "Doce Vingança" positivamente impressionado com o resultado final. Trata-se de uma publicação excelente, muito acima da média. Sua trama possui muita ação, suas personagens são carismáticas e o enredo mistura romantismo e suspense nas doses certas.
Assim, o livro consegue cativar tanto quem aprecia as histórias de amor quanto o leitor que gosta de bons thrillers. Em minha visão, Nora Roberts teve a competência de produzir, neste caso, uma narrativa que aproveitasse os elementos clássicos das histórias românticas (rainhas e reis, princesas e príncipes) inserindo-os em um ambiente moderno e cosmopolita (alta sociedade dos Estados Unidos e universo de Hollywood). Além disso, a autora acrescentou pitadas de aventura e de perseguição (polícia e ladrão, vilões e mocinhos) ao estilo dos melhores romances policiais.
Para começo de conversa, é preciso dizer que o livro "Doce Vingança" não tem nenhuma relação com a série cinematográfica homônima (I Spit on Your Grave: 2010), lançada nos últimos anos nas salas de cinema. Enquanto o romance aborda a relação conflituosa de Adrianne, uma jovem princesa do Oriente Médio que foi criada nos Estados Unidos, com seu pai tirano, o filme explora a desforra de Jennifer, uma escritora principiante, contra os homens que a estupraram.
Publicado em 1988, "Doce Vingança" possui 472 páginas e é uma das mais belas histórias escritas por Nora Roberts. Por aqui, o livro foi lançado apenas em 2004, figurando na lista das obras mais vendidas do Brasil naquele ano. Best-seller nos Estados Unidos no final dos anos 1980, o romance permaneceu em evidência no seu país natal durante a década seguinte após uma polêmica envolvendo sua autoria.
Em 1997, uma leitora comparou algumas partes deste livro com passagens de um romance de Janet Dailey, popular escritora romântica. As semelhanças entre as duas obras foram postadas na Internet e indicavam que uma das autoras havia plagiado a outra. Depois de forte pressão da imprensa, Dailey acabou admitindo o crime. Ela plagiou Nora Roberts! Ou seja, "Doce Vingança" possui uma trama tão boa que serviu de inspiração para outros escritores copiarem seu enredo.
O livro é dividido em três partes: "O Amargo", "O Sombra" e "O Doce". No primeiro capítulo da seção inaugural, Philip Chamberlain, um agente secreto da Interpol, conversa com Stuart Spencer, seu chefe. As personagens estão em Nova York e o ano é 1989. Chamberlain é um ex-assaltante de joias inglês que aceitou abandonar o crime e agora trabalha para a polícia internacional. Assim, teve perdoadas as infrações de sua antiga carreira. O agente secreto revela para Spencer que descobriu a identidade de Sombra, o mais procurado ladrão de joias da atualidade. Entretanto, ao invés de montar uma operação para capturá-lo, Philip Chamberlain quer fechar um acordo de leniência com o bandido igual ao que foi feito anos trás com ele próprio. Em seu plano, Sombra seria perdoado e passaria a trabalhar como agente da Interpol. A princípio, Stuart Spencer é contra e fica revoltado com a proposta indecorosa do seu melhor funcionário.
No segundo capítulo, voltamos ao ano de 1968. Em Jaquir, um reino fictício do Oriente Médio, o xeique Abdu, todo poderoso do país, se casou com Phoebe Spring, a maior estrela de Hollywood da época. A atriz vivia o seu auge artístico quando abriu mão da carreira e da fama para ser a esposa do rei. Após o casório, o casal vai viver em Jaquir, seguindo as regras do islamismo. Apaixonada por Abdu, Phoebe aceita a vida diferente a que estava acostumada no ocidente. Como prova do amor, o monarca dá de presente para a atriz o colar mais impressionante da história: O Sol e a Lua. A joia pertence à família do rei de Jaquir há séculos e possui um valor inestimável.
Nos capítulos seguintes, acompanhamos a reviravolta dessa história romântica. Em alguns anos, o estado de espírito da atriz transformada em rainha muda sensivelmente. Após o nascimento da filha, Adrianne, a esposa do xeique tem um problema no parto e fica estéril. A falta de um herdeiro do sexo masculino desgasta a relação do casal real. Abdu passa a odiar Phoebe e a filha. Para pior as coisas, o rei casa-se com novas esposas (algo permitido na religião islâmica), desprezando ainda mais a primeira mulher. Ele deseja, acima de tudo, um herdeiro homem, desvalendo-se das esposas e das filhas que se opõem a esse sonho. Lembremos o quanto a cultura local é machista. Phoebe sofre com a violência do marido e é alvo de constantes estupros dele. Um desses estupros é presenciado por Adrianne, então com oito anos de idade. A menina passa a odiar o pai pela violência praticada contra a mãe.
Para não ser separada da filha, prometida ainda criança como esposa para um aliado político do rei, Phoebe Spring planeja uma fuga de Jaquir. Aproveitando-se de uma viagem diplomática para Paris com o xeique, a mãe de Adrianne foge com a menina para Nova York. Como consequência, o rei não tem alternativa a não ser assinar o divórcio. Com a separação oficializada, Phoebe volta a viver como atriz nos Estados Unidos e o ex-marido segue sua vida suntuosa em seu país natal. Entretanto, como punição ao abandono da esposa, o rei nega-se a ajudá-la financeiramente e retém o colar O Sol e a Lua que havia dado de presente no casamento.
A separação e a dificuldade financeira acabam afetando psicologicamente a atriz, que nunca mais conseguiu repetir o sucesso do passado, entregando-se às bebidas e às drogas. Quem mais sofre vendo a mãe definhar é Adrianne. O drama das duas é potencializado com o suicídio de Phoebe, em uma véspera de Natal. A filha, agora adolescente e sendo a provedora da família apesar da pouca idade, se revolta com a indiferença paterna. Ela, então, decide se vingar do xeique Abdu. Seu objetivo é roubar dele o Sol e a Lua. Não há vingança mais doce do que tirar do pai a joia mais preciosa do planeta, orgulho nacional de Jaquir.
A segunda parte do livro se passa em 1988. Neste momento, Philip Chamberlain conseguiu descobrir que a bela e jovem Adrianne, princesa de Jaquir que mora nos Estados Unidos frequentando a alta sociedade local, é a maior ladra de joias do planeta. Ela é o Sombra. A prisão da moça seria fácil se Chamberlain não estivesse apaixonado pela moça. Assim, ao invés de detê-la, o policial da Interpol passa a ajudá-la. Incapaz de se envolver afetivamente com alguém, Adrianne ignora os sentimentos do agente secreto e tenta de todas as formas se livrar dele.
A terceira e última parte do romance é a volta de Adrianne para Jaquir. Inventando que retorna à corte paterna para a realização de seu casamento com Philip Chamberlain, o falso casal irá tentar colocar em prática um arriscado plano para roubar O Sol e A Lua. O problema é que a joia está, obviamente, muito bem guardada, sendo quase impossível obtê-la sem chamar a atenção da guarda real e do rei.
"Doce Vingança", como já falei, é um livro muito interessante. Sua trama reúne de maneira extremamente feliz aventura, ação e romantismo. Junta os aspectos clássicos das melhores histórias de reis e rainhas com o que há de mais emocionante nos romances policiais contemporâneos. Geralmente, as narrativas que envolvem vingança familiar e planos ousados de roubos dificilmente dão errado. E quando elas se juntam em um enredo só, a probabilidade dos leitores saírem frustrados é quase nula.
Nora Roberts também acrescenta bom humor ao romance, tornando leve a ambientação do livro, que poderia ficar extremamente pesada por causa da violência sofrida pelas mulheres e dos conflitos psicológicos das personagens principais. A escritora norte-americana escreve bem e sabe contar uma boa história. Sua trama é sólida e bem construída, com poucos furos. A linguagem é simples e direta, tornando a leitura rápida e fácil. Li "Doce Vingança" em dois dias. Comecei no sábado à tarde e conclui no domingo à noite.
Podemos dizer, assim, que esta é uma moderna história de princesa. Como toda atualização histórica, há algumas coisas que não mudam (mantendo sua essência) enquanto outras sofrem alterações pontuais (se modernizando). A princesa dos dias de hoje continua sendo bonita, honrada, virtuosa e casta (até encontrar o homem certo). Sua vida é em prol dos necessitados e é regida segundo seus ideais (nobres). Ela age passionalmente, querendo reparar erros e injustiças do passado.
Por outro lado, a princesa contemporânea vive fora (e longe) dos muros imponentes dos palácios reais. O glamour e a sofisticação da vida moderna são representados pela participação dos eventos da alta sociedade capitalista, constantemente cobertos pela imprensa televisiva. Além disso, ela pode trabalhar em qualquer profissão que julgar válida, até como uma ladra internacional, se assim preferir. E para completar, como uma boa feminista, ela não fica esperando a chegada do "príncipe encantado" (como ocorria antigamente). Ela é independente e autossuficiente. Se ele aparecer montado em um belo cavalo branco, na certa ela irá afugentá-lo ou vai sair correndo, não querendo se comprometer como nada e com ninguém.
Assim, Adrianne possui as características típicas de uma heroína clássica. É bonita, inteligente, companheira, corajosa, virtuosa, justa e filantropa. Ao mesmo tempo, também possui características modernas. É solitária, pouco sentimental e muito esperta. E é uma ladra da pior espécie! Ou melhor, é a maior criminosa de joias do planeta, roubando pessoas próximas a ela.
A relação afetiva de Adrianne com Philip Chamberlain é um dos pontos altos do livro. O príncipe moderno terá muito mais dificuldades para convencer sua princesa a ficar com ele do que tinha no passado medieval, por exemplo. A mocinha atual tem sérias dificuldades para se apaixonar e prefere viver sozinha a ter um homem ao seu lado. Assim, Philip terá que se descabelar para provar a moça que está realmente apaixonado por ela e que merece sua companhia.
A principal crítica negativa que faço sobre esse romance é que ele possui poucos elementos inovadores. A sensação durante sua leitura é que estamos diante de um pot-pourri de narrativas já consagradas. Os clichês que desfilam durante o livro são numerosos! Phoebe Spring seria uma versão fictícia de Grace Kelly. O xeique Abdu é um típico patriarca de Khaled Hosseini. Adrianne é muito parecida com Tracy Whitney, personagem de "Se Houver Amanhã" (Best Bolso), livro de Sidney Sheldon (publicado em 1985, pouco antes de "Doce Vingança" ser criado). E Philip Chamberlain é uma mistura do clássico ladrão de joias com um agente secreto internacional.
Outro ponto negativo (e muito forçoso) é a transformação de Adrianne em uma ladra internacional com apenas 16 anos de idade. É pouco verossímil que uma jovem (criada ora na corte do Oriente Médio, ora na luxuosa residência de uma atriz de cinema) consiga escalar prédios e casas com tanta facilidade, seja perita em sistemas eletrônicos de segurança, tenha tanto conhecimento em joias e consiga arrombar fechaduras e cofres com facilidade enquanto foge de cachorros de guarda e policiais. E todas essas características juntas! Sinceramente, estamos diante de um super-herói ou de uma super-heroína.
Apesar desses elementos, "Doce Vingança" é uma história convincente. Esta miscelânea de histórias já consagradas e os exageros na constituição da protagonista não comprometem o livro. A construção da narrativa é tão boa que o leitor se esquece desses aspectos durante a leitura.
Admito que, agora, estou empolgado para continuar lendo os romances de Nora Roberts. Talvez este Desafio Literário não seja tão frustrante como se desenhou após a leitura do primeiro livro. Se encontrar novas obras tão boas da escritora norte-americana quanto "Doce Vingança", estarei feliz no final de agosto. Para seguir nessa busca, vou ler "Nudez Mortal", livro publicado por Roberts com o pseudônimo de J. D. Robb. Postarei aqui no blog a análise desse romance no próximo domingo, dia 13. Até lá.
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