Em 1937, Orlando Silva era um rapaz de 22 anos que estava dando os primeiros passos na carreira de cantor. Em março daquele ano, ele entrou no estúdio para gravar seu disco. A expectativa da gravadora RCA Victor era tanta que ela selecionou sua principal orquestra, comandada pelo maestro Radamés Gnattali, para acompanhar o jovem intérprete. Em um dos lados do compacto seria cantado o samba "Juramento Falso", enquanto no outro a valsa "Lábios que Beijei".
A música "Lábios que Beijei" tinha sido composta pela dupla J. Cascata e Leonel Azevedo. Naquela primeira gravação, a canção recebeu o acompanhamento de Pixinguinha na flauta. A valsa era um gênero musical que fazia muito sucesso na década de 1930. A voz potente de Orlando Silva acabou casando perfeitamente com o destacado naipe de cordas deste tipo de canção. O sucesso de "Lábios que Beijei" acabou servindo de referência para as demais valsas que foram criadas depois.
Pode-se dizer que este foi o primeiro grande sucesso da carreira de Orlando Silva, que passou a integrar, depois do lançamento deste compacto de 1937, o primeiro time de músicos da sua gravadora. Era o começo da ascensão do "Cantor das Multidões".
Veja, a seguir, a letra de "Lábios que Beijei" e ouça a interpretação original de Orlando Silva de março de 1937:
Lábios que Beijei - J. Cascata e Leonel Azevedo (1937)
Lábios que beijei
Mãos que eu afaguei
Numa noite de luar, assim,
O mar na solidão bramia
E o vento a soluçar, pedia
Que fosses sincera para mim.
Nada tu ouviste
E logo que partiste
Para os braços de outro amor.
Eu fiquei chorando
Minha mágoa cantando
Sou estátua perenal da dor.
Passo os dias soluçando com meu pinho
Carpindo a minha dor, sozinho
Sem esperanças de vê-la jamais
Deus tem compaixão deste infeliz
Porque sofrer assim
Compadecei-vos dos meus ais.
Tua imagem permanece imaculada
Em minha retina cansada
De chorar por teu amor.
Lábios que beijei
Mãos que afaguei
Volta vem curar a minha dor
A letra dessa canção narra o drama de um eu lírico masculino que foi abandonado pela mulher amada. As lembranças da imagem dela e, principalmente, dos "lábios que beijou" e das "mãos que afagou", provocam grande tristeza no rapaz. A cura para a melancolia desta vida de saudosismo é a volta da amada. Para o eu lírico, não há outro remédio para afagar suas mágoas.
Os anos de 1930 representaram o auge da valsa. "Lábios que Beijei" é apontada, até hoje, como uma das melhores canções deste estilo musical. Na década seguinte, a valsa perdeu rapidamente espaço nas rádios. Em pouco tempo, este tipo de canção passou a ser vista como música da "velha-geração". O baião, o samba-canção e os boleros passaram a dominar as paradas de sucesso, monopolizando as atenções dos músicos, das gravadoras, das rádios e dos ouvintes. Nunca mais a valsa conseguiu se tornar tão popular. Ouvir este tipo de música, hoje em dia, é voltar a um passado um tanto distante e esquecido da música nacional.
Em 1994, Caetano Veloso chegou a regravar "Lábios que Beijei". Repare no vídeo, a seguir. Nele, o cantor baiano encena uma volta ao passado, indo diretamente para os tempos onde as valsas eram populares. Neste álbum, intitulado "Fina Estampa", Caetano canta vários sucessos sul-americanos de diferentes épocas. Estão ali, juntamente com "Lábios que Beijei", "O Samba e o Tango", "Canção de Amor", "Suas Mãos", e "Você Esteve Com Meu Bem".
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