Sábado retrasado, em uma visita descompromissada à Livraria Cultura do Conjunto Nacional, deparei-me com "Ferrugem" (Record), o novo livro de contos de Marcelo Moutinho. A obra estava à venda na seção de literatura nacional e eu não pude resistir, adquirindo-a. Depois de alguns desencontros e adiamentos da semana passada, na última quarta-feira à noite consegui, enfim, ler esta publicação com o cuidado merecido. A leitura foi super-rápida, como é típico dos livros de contos. Em pouco mais de duas horas, já tinha finalizado a obra inteira.
"Ferrugem" foi lançada no finalzinho de janeiro e marca a chegada do seu autor a uma editora de maior peso no cenário editorial brasileiro. Para quem não conhece Marcelo Moutinho, ele é um dos principais contistas cariocas da atualidade. O jornalista dedica-se à literatura há quase duas décadas. Sua especialidade é a narrativa curta (contos, crônicas e ensaios). Suas histórias são normalmente ambientadas no Rio de Janeiro ou na região metropolitana do estado fluminense. Os enredos de suas tramas focam geralmente o cotidiano das pessoas simples e as cenas banais da vida na metrópole.
"Ferrugem" tem 160 páginas e 13 contos. O livro segue o estilo literário que consagrou Moutinho: a linguagem coloquial, a trama contemporânea, os personagens comuns e os enredos extraídos do dia a dia da população carioca. A grande novidade deste lançamento está na velada crítica ao progresso e à modernidade que o Rio de Janeiro vem passando. O tom principal das histórias é de melancolia e saudosismo.
A sensação é que os cariocas perderam algo em sua cidade nos últimos anos e não conseguem mais achar suas emoções no novo cenário. Este vazio sentimental acaba afetando suas vidas atuais e suas crenças quanto ao futuro. A menina que repentinamente deixou a inocência da infância; a mulher que não crê no futuro ao lado do homem amado por causa de uma doença; a modernização do Maracanã impede que as lembranças dos antigos torcedores voltem à tona; o velho casal que sai para jantar, mas que não possui mais nenhuma afinidade; e o rapaz que procura compreender quem foi seu avô são casos emblemáticos desta condição. Assim, praticamente todas as tramas dialogam com as dicotomias passado-futuro, saudosismo-esperança e tradição-progresso.
Em alguns contos, o autor explora o aspecto onírico da vida das suas personagens. Elas passam a sonhar, imaginar e desejar um tipo de vida, de cidade e de companhia que não existe mais. Neste ponto, a emoção sonhadora volta-se tanto para o futuro idílico quanto para o passado morto e enterrado. Viver sonhando e rememorando são práticas comuns do carioca contemporâneo.
Apesar do bom texto e dos recursos literários interessantes empregados na construção dos enredos, o que mais gostei de "Ferrugem'" foi da composição das suas personagens. Aqui, temos um retrato atual da diversidade da população carioca. As histórias abordam os tipos comuns, pessoas que apesar da riqueza literária, muitas vezes passam esquecidas das publicações (e que são exploradas tematicamente com mais afinco pelas músicas).
Nos contos de "Ferrugem", temos: o professor universitário que tem vontade de experimentar uma relação homossexual; a menina que ao visitar o Maracanã com o pai tenta acabar com o trauma dele pela derrota do Bangu na final do Campeonato Brasileiro de 1985; o rapaz que tem sentimentos contraditórios em relação ao avô que trabalhou na Rádio Nacional; a menina pequena que flagra o irmão mais velho se masturbando com sua boneca favorita; a jovem aidética que sonha com o antigo namorado e com a construção de uma família; o rapaz que sonhava em ser jogador de futebol, mas virou gandula; o jantar sem graça do antigo casal em comemoração ao aniversário dela; a mulher que deseja se casar com o amigo de infância que não vê há décadas; a cobradora de ônibus que acompanha a tentativa de flerte de um dos passageiros da sua linha; um cantor cover de Roberto Carlos que canta em uma boate e sonha em fazer um show completo com o repertório do Rei; e um sujeito que gosta de pescar em um viaduto que não existe mais. São estas as histórias que me lembro de cabeça.
"Ferrugem" é um belo livro de contos. Ao lê-lo, conseguimos compreender um pouco o sentimento do carioca comum pela sua cidade e pela sua vida nos dias de hoje. Ao mesmo tempo, percebemos que Moutinho continua em ótima forma literária e com a perspicácia de enxergar o belo nos dramas corriqueiros da sua cidade. É ou não é um excelente contista?!
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