Como os leitores do Bonas Histórias podem constatar regularmente, sou um leitor muito mais assíduo de prosa do que de poesia. Para cada 30 análises de romances, novelas e livros de contos publicadas aqui no blog, acabo fazendo, em média, apenas um único post sobre coletâneas de poemas. Tenho consciência do quão vergonhoso é essa relação (ou seria desproporção?!). Admito, assim, conhecer muito pouco quando o assunto é a produção poética da nossa literatura.
Para reparar, em parte, esse grave defeito de minha formação, eu li no começo desta semana "Sentimento do Mundo" (Companhia de Bolso), coletânea de poemas de Carlos Drummond de Andrade. Para os especialistas da área, Drummond é o mais influente poeta brasileiro do século XX e um dos principais da história da literatura em língua portuguesa. Apesar de ter feito também contos e crônicas, o escritor nascido em Itabira, Minas Gerais, é muito mais conhecido pela sua poesia do que pela sua prosa.
Este livro me foi emprestado, no começo do ano, pelo Paulo Sousa, meu amigo de longa data. Quem acompanha o Bonas Histórias sabe que Paulo é escritor e produziu, em 2016, a série de contos chamada "Histórias de Macambúzios", disponível na seção Contos & Crônicas. E "Sentimento do Mundo" é uma indicação da minha professora e orientadora do UNIS, Carina. Carina é uma grande fã de Drummond e, em várias oportunidades, me incentivou a lê-lo. Reparem que todos à minha volta parecem empenhados em estimular a minha leitura de poesia. Agradeço desde já a ajuda de vocês.
"Sentimento do Mundo" é o terceiro livro da carreira de Carlos Drummond de Andrade. Publicada em 1940, a obra teve uma tiragem inicial bastante restrita. A maioria dos 150 exemplares da sua primeira edição foi distribuída apenas para amigos do poeta e contatos dele no mercado editorial. Embora jovem, tinha 37 anos de idade nessa época, Drummond de Andrade já era um nome de prestígio no círculo literário nacional e entre os modernistas "nascidos" sob a influência da Semana de Arte de 1922.
Apesar da tímida edição, o livro representou uma nova fase na carreira do artista. Após se mudar para o Rio de Janeiro, em 1934, e vivenciar os horrores do início da Segunda Guerra Mundial e a violência do Estado Novo de Getúlio Vargas, Drummond atinge a maturidade poética ao acrescentar em seus versos as angústias sociais e as intrigas políticas daquele período conturbado da história do planeta e do Brasil. "Sentimento do Mundo" possui doses fortes de pessimismo. Essa visão negativa da vida na cidade grande e do mundo moderno é embalada com o lirismo e a sutileza de um poeta talentoso. Nunca o feio, o terrível, o injusto e o monstruoso pareceram tão bonitos nas páginas de um livro.
"Sentimento do Mundo" é uma coletânea de poemas de tamanho curto. A obra tem menos de 90 páginas. É possível lê-la em uma tacada só. Cada uma de suas 28 poesias ocupam, na maioria das vezes, apenas uma ou duas páginas. Os poemas contemplados no livro são: "Sentimento do Mundo" (poema que empresta seu nome à obra), "Confidência do Itabirano", "Poema da Necessidade", "Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte", "Tristeza do Império", "O Operário do Mar", "Menino Chorando na Noite", "Morro da Babilônia", "Congresso Internacional do Medo", "Os Mortos de Sobrecasaca", "Brinde no Juízo Final", "Privilégio do Mar", "Inocentes do Leblon", "Canção do Berço", "Indecisão do Méier", "Bolero de Ravel", "La Possession Du Monde", "Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro", "Os Ombros Suportam o Mundo", "Mãos Dadas", "Dentaduras Duplas", "Revelações do Subúrbio", "A Noite Dissolve os Homens", "Madrigal Lúgubre", "Lembrança do Mundo Antigo", "Elegia", "Mundo Grande" e "Noturno à Janela do Apartamento".
Se "Alguma Poesia", de 1930, e "Brejo de Almas", de 1934, as duas primeiras coletâneas de poemas de Drummond, falavam da vida interiorana do autor em Minas Gerais, dos primeiros amores, da família e do fazer literário, em "Sentimento do Mundo" a temática é radicalmente oposta. A maioria dos poemas do livro de 1940 versa sobre a realidade social e política do país e do mundo. O panorama apresentado é o mais corrosivo e angustiante possível. As mortes nos campos de batalhas, as injustiças sociais típicas da cidade grande (ao menos no Brasil e no Rio de Janeiro), o egoísmo gerado pelo consumismo, a cultura da acumulação desmedida de capital e o medo de viver em um mundo caótico dão o tom aos versos da obra.
Curiosamente, "Sentimento do Mundo" continua sendo uma obra atual depois de quase seis décadas de sua primeira publicação. Parte da "culpa" por isso está na competência de Carlos Drummond de Andrade, que soube imprimir lirismo em algo essencialmente pouco belo. Porém, a outra parte na "culpa" está, infelizmente, na nossa realidade violenta e depressiva. O mundo retratado pelo poeta em 1940 é muito parecido ao que temos no primeiro quarto do século XXI. Ou seja, ler "Sentimento do Mundo" hoje em dia é uma experiência estética tão interessante quanto foi na metade do século XX.
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