Monteiro Lobato, nascido em Taubaté-SP, em 1882, sempre foi muito conhecido pelas suas obras voltadas ao público infantil. Impossível não falar do escritor e não se lembrar de Narizinho, Emília, Pedrinho, Dona Benta e Visconde de Sabugosa. Entretanto, o legado do trabalho de Lobato vai além da literatura infantil. O paulista também foi um dos principais autores modernistas, produzindo inúmeros contos, crônicas, artigos e ensaios sobre tipos genuinamente brasileiros e sobre a defesa ideológica de riquezas nacionais como o petróleo e o minério de ferro.
Sua obra-prima é o livro de contos "Urupês" (Globo), lançado originalmente em 1918. Esta publicação marcou o início do regionalismo brasileiro ao inserir elementos de caráter local na literatura nacional. Estes contos de Monteiro Lobato, publicados anos antes em jornais e revistas e aqui agrupados em um livro, abordam a vida em cidades do interior de São Paulo na perspectiva do caboclo humilde. O foco de todas as narrativas é o caipira, representado na figura de Jeca Tatu.
Com aproximadamente 180 páginas, "Urupês" possui catorze contos. A primeira história, "Os Faroleiros", narra uma briga protagonizada por dois homens que trabalhavam em um farol. Na segunda trama, "O Engraçado Arrependido", um rapaz cômico deseja ser levado a sério pelas pessoas de sua cidade. Em "A Colcha de Retalhos", uma velhinha do interior produz uma colcha para a neta com pedaços de todos os vestidos que a menina utilizou em sua vida. Em "A Vingança da Peroba", conhecemos as brigas de dois vizinhos caboclos e a tragédia que ocorre na família de um deles. A quinta história, "Um Suplício Moderno", é sobre as agruras passadas pelo agente dos Correios durante o expediente pelo interior do país. Em "Meu Conto de Maupassant", um ex-policial comenta as suspeitas de um crime antigo. E em "Pollice Verso", conhecemos um jovem médico que após se formar na capital volta a morar, a contragosto, no interior.
A segunda metade do livro começa com o conto "Bucólica". Nele, descobre-se o motivo pela morte de uma menina. "Mata-pau", na sequência, faz uma relação entre a história de um tipo de árvore que mata outra planta e um homem que é assassinado por um semelhante. Em "Bocatorta", uma família entra na mata para ver pessoalmente o sujeito mais feio daquelas bandas. Em "O Comprador de Fazendas", conhecemos uma propriedade rural que leva a falência todos os seus donos. O último proprietário, porém, recebeu a visita de um fino rapaz da cidade muito interessado em comprar aquela fazenda por uma boa quantia. "O Estigma" apresenta a história do matrimônio de Fausto, rapaz formado na cidade. Ele se casa com uma mulher feia e má e vai viver no campo com ela.
Em "Velha Praga" e "Urupês", os dois últimos contos, temos o surgimento da figura icônica de Jeca Tatu. Na penúltima história, temos o relato de como os caboclos utilizam indiscriminadamente as queimadas para preparar a terra, provocando danos ambientais e agrícolas. Em "Urupês", o autor narra o estilo de vida preguiçoso e extrativista de Jeca Tatu, o típico caipira do interior do país.
O primeiro aspecto que chama a atenção no livro "Urupês" é a linguagem utilizada. Tanto as personagens quanto o autor utilizam-se de palavras, expressões e gírias do interior do estado de São Paulo. Ler os contos é mergulhar na realidade e na oralidade caipira do início do século passado. Por causa disso, às vezes, a compreensão fica um pouco prejudicada para quem não está familiarizado a estes termos. Assim, é recomendável uma leitura atenta.
Outro elemento marcante é a visão negativa de Jeca Tatu que Monteiro Lobato faz neste primeiro livro. Jeca Tatu é descrito aqui como um homem preguiçoso, grosseiro, intelectualmente limitado e danoso para a economia e para o meio ambiente do país. Ele vive de extrair da natureza tudo o que precisa, não se preocupando em plantar e criar nada. Praticamente, exaure a terra e o lugar onde vive. Acabado os recursos, o caboclo se muda com a família para uma nova região, onde possa voltar a explorar intensamente. Além disso, Jeca Tatu é explorado politicamente pelos grandes fazendeiros da região. Tendo uma educação precária e sendo um homem desprovido de intelectualidade, o caipira se torna alvo fácil dos donos do poder local.
É verdade que ao longo dos anos e com a criação de novos contos sobre Jeca Tatu, Monteiro Lobato foi revertendo esta visão tão negativa do seu principal personagem. Ao final da carreira, o escritor já conseguia narrar elementos positivos do caráter de Jeca Tatu como sua honestidade e seu amor à família. As injustiças sociais e a exploração da mão de obra simples do campo também foram ressaltadas.
Jeca Tatu ficaria imortalizado no imaginário popular em 1959, quando Mazzaropi interpretou a personagem em filme escritor e dirigido por Milton Amaral. O longa-metragem foi um sucesso de público e até hoje é lembrado quando alguém faz menção ao caipira típico do interior.
"Urupês" é um livro gostoso de ler. É possível lê-lo em "uma batida só", em uma única tarde. Os contos possuem em média dez páginas. As tramas são centradas, principalmente, na complexidade das suas personagens e no cenário rural. Esta é uma ótima opção para quem deseja conhecer a realidade do interior do país durante os primeiros anos do século XX.
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