No mês passado, a edição brasileira da revista Rolling Stone produziu uma matéria interessante sobre Belchior, um dos mais polêmicos e misteriosos compositores nacionais. O jornalista Paulo Cavalcanti conseguiu montar um belo retrato deste músico cearense que ficou em evidência durante as décadas de 1970 e 1980 e está sumido há mais de uma década.
Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, nascido no Ceará em 1946, ficou nacionalmente conhecido quando Elis Regina gravou "Como Nossos Pais". A canção de autoria de Belchior entraria para a história como uma das grandes músicas brasileiras de todos os tempos. A versão na voz de Elis é a melhor, mas há uma conhecida versão feita na própria voz do compositor que também é muito boa.
"Como Nossos Pais" abre o disco "Falso Brilhante" de Elis, de 1976. O sucesso do LP e da canção colocou em evidência o até então desconhecido músico cearense. Nesta época, Belchior, que vivia há dez anos no Rio de Janeiro, passava por sérios problemas financeiros. Ele tinha trinta anos de idade e seu primeiro álbum, lançado em 1971, havia sido um fiasco. A carreira de compositor e músico estava em perigo antes mesmo de ter engrenado.
Belchior foi até a casa de Elis, sem um tostão no bolso, para apresentar pessoalmente "Como Nossos Pais" à cantora. Ao ouvir a canção pela primeira vez, Elis percebeu o potencial bombástico daquela produção. A letra que falava em tom de deboche da letargia da geração que não fazia nada para mudar o panorama da vida encantou a geniosa cantora. O célebre trecho "Minha dor é perceber/Que apesar de termos/Feito tudo o que fizemos/ Ainda somos os mesmos/E vivemos/ Como nossos pais" ganhou ainda mais força dramática na incrível interpretação de Elis. Não foi à toa que a canção foi colocada logo na abertura de "Falso Brilhante".
Veja a letra inteira da canção que completa neste ano 40 anos de vida.
"Como Nossos Pais" (1976 ) - Belchior:
Não quero lhe falar, meu grande amor De coisas que aprendi nos discos Quero lhe contar como eu vivi E tudo o que aconteceu comigo Viver é melhor que sonhar E eu sei que o amor é uma coisa boa Mas também sei Que qualquer canto é menor do que a vida De qualquer pessoa Por isso cuidado, meu bem Há perigo na esquina Eles venceram e o sinal Está fechado pra nós Que somos jovens... Para abraçar seu irmão E beijar sua menina, na rua É que se fez o seu braço, O seu lábio e a sua voz... Você me pergunta pela minha paixão Digo que estou encantada como uma nova invenção Eu vou ficar nesta cidade não vou voltar pro sertão Pois vejo vir vindo no vento cheiro de nova estação Eu sinto tudo na ferida viva do meu coração... Já faz tempo eu vi você na rua Cabelo ao vento, gente jovem reunida Na parede da memória esta lembrança É o quadro que dói mais... Minha dor é perceber Que apesar de termos feito tudo o que fizemos Ainda somos os mesmos e vivemos Ainda somos os mesmos e vivemos Como os nossos pais... Nossos ídolos ainda são os mesmos E as aparências não enganam não Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém Você pode até dizer que eu tô por fora Ou então que eu tô inventando... Mas é você que ama o passado e que não vê É você que ama o passado e que não vê Que o novo sempre vem... Hoje eu sei que quem me deu a ideia De uma nova consciência e juventude Tá em casa, guardado por Deus Contando vil metal... Minha dor é perceber que apesar de termos Feito tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos Nós ainda somos os mesmos e vivemos Ainda somos os mesmos e vivemos Ainda somos os mesmos e vivemos Como os nossos pais...
O sucesso de "Como Nossos Pais" foi instantâneo. Rapidamente, Belchior passou a ser cortejado por outros intérpretes e por gravadoras interessadas em seu repertório. Ainda no ano de 1976, Belchior lançou seu segundo disco, chamado de "Alucinação". Com "Apenas um Rapaz Latino-americano", "A Palo Seco", "Velha Roupa Colorida" e "Como Nossos Pais", o álbum foi um sucesso. Em apenas um mês, foram vendidos mais de 30 mil cópias.
Estava iniciada a fase dourado do cantor, que se estenderia pela década seguinte. Porém, o jeito introspectivo e antissocial do músico, o afastou da mídia. Nos últimos dez anos, Belchior está desaparecido tanto da mídia quanto da própria família. Seu paradeiro é totalmente desconhecido.
Neste cenário de mistério, Belchior completou, em 2016, 70 anos de vida e sua obra-prima chegou à marca de 40 anos de idade. Confira este clássico da nossa música na voz inesquecível de Elis Regina.
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