No final de semana passado, li "O Caçador de Pipas" (Nova Fronteira), obra de estreia na literatura do médico de origem afegã Khaled Hosseini. Este romance foi lançado em 2003 e se tornou best-seller nos Estados Unidos em 2005, quando alcançou o topo da lista de livros mais vendidos do jornal New York Times. A história de "O Caçador de Pipas" foi adaptada para o cinema, em 2007.
Esta trama é contada em primeira pessoa pelo personagem principal, Amir. Ele nasceu no Afeganistão em uma família rica de Cabul, mas na adolescência foi morar nos Estados Unidos. Na América, ele reconstruiu sua vida ao lado do pai e, depois, da esposa Soraya, uma professora também de origem afegã. Apesar da vida tranquila no novo continente, as lembranças da infância não saem da mente de Amir. Ele se arrepende por ter traído seu melhor amigo, Hassan. Os traumas de infância o prendem ao passado.
Essa triste realidade pode mudar depois que um telefonema feito aos Estados Unidos por Rahim Khan, antigo sócio do pai de Amir, que vive no Paquistão, levanta a possibilidade de reparação dos antigos pesadelos do rapaz. Amir pode, enfim, ajudar Hassan, mostrando de uma vez por todas que ele é um homem bom e correto. Assim, Amir, agora um cidadão naturalizado norte-americano, precisará viajar de volta para seu país, dominado pelos Talibãs, para corrigir o seu sombrio passado.
Para explicar ao leitor a importância daquela viagem e o que realmente se passou em sua infância, o narrador começa a relatar sua antiga vida no Afeganistão, entre as décadas de 1960 e 1970. A mãe de Amir morreu durante o parto do filho. Assim, o garoto passou a viver na mansão da família apenas com o pai, chamado de Baba, que nunca mais se casou. O pai era um homem muito rico de Cabul e sempre deu tudo o que o filho precisava e queria. A vida luxuosa era um peso para Amir porque ele não era compreendido pelo pai. Por gostar de ler e ser um tanto covarde, Baba achava que tinha algo de errado com o filho. A incompreensão paterna fez com que Amir se aproximasse ainda mais de seu amigo Hassan. Hassan era filho do empregado da casa da família, Ali, e adorava o amigo-patrão Amir. Os dois garotos eram inseparáveis.
Contudo, a amizade entre os jovens sofreu um abalado irreversível no inverno de 1975. No dia que era para ser o mais feliz da vida de Amir, afinal ganhara um campeonato de pipas para orgulho de Baba, se transformou no pior. Nada mais foi igual ao que era antes a partir desta data. As coisas só pioraram até culminar com a saída de Hassan e Ali da casa de Baba. A culpa daquele rompimento, na visão de Amir, era unicamente dele.
"O Caçador de Pipas" é um livro incrível. Além de a história ser muito boa, ela é contada magistralmente por Khaled Hosseini. Outro ponto positivo deste romance é podermos conhecer as tradições, a cultura e a história afegã. Os acontecimentos geopolíticos e históricos que permearam o Afeganistão desde a década de 1970 estão presentes fortemente na trama, afetando diretamente a vida dos personagens principais. É possível analisar, por exemplo, como a população local viu a acessão ao poder dos Talibãs e como eles transformaram a vida de todos naquele país.
Para quem gosta de drama, esse romance é um prato cheio. Ao lê-lo, me recordei das telenovelas mexicanas: repletas de tragédias, traições, maldades e reviravoltas trágico-cômicas. A paternidade e os laços familiares variam à medida que a verdade vai sendo revelada. "O Caçador de Pipas" é um dramalhão ao estilo de uma telenovela mexicana, porém com tempero afegão e transcrito para a literatura.
Apesar de ser uma história muito triste, há muita beleza nessa narrativa. O desfecho é espetacular. Hosseini confere uma visão poética e humana para um relato violento e trágico. As emoções que o leitor sente durante o romance são variadas. A única coisa que não se altera é o resultado delas: as lágrimas rolam várias vezes durante o livro.
Os personagens são muito bem construídos e há boas reviravoltas na trama. O maniqueísmo é também relativo. Muitos dos personagens principais não podem ser classificados precisamente como sendo bons ou maus. Tudo depende do contexto, do ponto de vista e da situação. Isso torna esta obra ainda mais rica.
Um ponto muito interessante de reflexão de "O Caçador de Pipas" é o destino das pessoas. Segundo Khaled Hosseini, seus personagens não podem fugir do destino pelo qual estão amarrados. A vida pode dar várias reviravoltas, mas ninguém passa impune do que precisa passar, seja das coisas boas quanto das ruins.
"Caçador de Pipas" é um romance marcante, que tem a propriedade de se fixar em nossa mente por muitos e muitos anos. Trata-se de um ótimo exemplar do que há de melhor na literatura mundial contemporânea.
O Desafio Literário de outubro segue com a análise do segundo romance de Khaled Hosseini: "A Cidade do Sol" (Nova Fronteira). O post com os comentários sobre essa outra obra do escritor afegão estará disponível no Bonas Histórias no domingo da próxima semana, dia 16. Não perca. Até lá!
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