No último final de semana, li "Canto Geral" (Bertrand Brasil), um dos principais livros de Pablo Neruda. O próprio autor considerava esta a principal obra de sua carreira. Escrito no final da década de 1940, o livro apresenta a história do continente americano em uma perspectiva inovadora. Os versos denunciam as injustiças históricas que os países da América Latina sofreram ao longo dos séculos. Vilões e heróis são reclassificados a partir da perspectiva do poeta.
Publicado oficialmente no México em 1950 e clandestinamente no Chile no mesmo ano, "Canto Geral" se transformou em um clássico da literatura hispano-americana e mundial. Neruda escreveu os versos dessa obra quando fugia do Chile. Ele precisou atravessar a cordilheira dos Andes para entrar no território argentino. O poeta, nessa fase de sua vida, era perseguido pelo governo chileno. Sempre identificado com o partido comunista, ele teve seu mandato de senador da República cassado e viveu foragido quando a ditadura de direita tomou o poder em seu país.
"Canto Geral" é um livro distinto do portfólio de Neruda. A primeira diferença está em seu tamanho. Com mais de seiscentas páginas, essa publicação é muito grande. A título de comparação, nenhum dos três livros de poesia que já li do autor ("Ainda", "Cem Sonetos de Amor" e "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada") tem mais de cem páginas cada uma. Outra particularidade está na temática. Ao invés de cantar em versos o mundo sentimental (seus amores e sofrimentos românticos), dessa vez Pablo compromete-se a narrar a história do continente americano. Sua poesia visa explicar os acontecimentos mais importantes ocorridos no território da América do Sul, da América Central e da América do Norte. Ele cita quase todos os países da região. Acredito que não falte nenhuma nação relevante.
Assim, "Canto Geral" é a epopeia latino-americana. Se Homero cantou as aventuras gregas da antiguidade em "Ilíada" e "Odisseia" e Camões cantou as aventuras portuguesas em "Os Lusíadas", Pablo Neruda narrou em versos a história do seu povo neste livro. A obra é uma aula de geografia e de história da América. Ali desfilam os principais personagens do continente: reis indígenas, colonizadores espanhóis, revolucionários que lutaram pela independência dos países latino-americanos, os libertadores e os ditadores nacionais. A perspectiva do autor é inovadora e com um viés esquerdista. Isso é bem interessante e fica mais evidente quando ele cita o Brasil. Os dois personagens que mereceram ser descritos foram Castro Alves e Luis Carlos Prestes. Ambos foram considerados os libertadores do Brasil. O primeiro por ser abolicionista e por produzir textos poéticos em prol dos escravos negros. O segundo por pegar em armas e lutar contra a burguesia capitalista que oprimia o povo pobre.
"Canto Geral" é divido em quinze partes. A obra começa descrevendo a geografia do continente. As belezas da fauna e da flora dos vários cantos da região são cantadas pelo poeta. Depois, Neruda apresenta a carnificina provocada pelos exploradores europeus, que dizimaram a população indígena. Inicia-se, assim, a fase de revoltas. Entram em ação os libertadores do continente. Uma vez independente, os países passam a ser governados pelas oligarquias locais (caudilhismo). Nova fase de injustiças e opressão ao povo. Os inimigos, nesse instante, não são mais os estrangeiros, mas sim os conterrâneos.
O poeta também fala de problemas típicos do século XIX: imperialismo norte-americano, Macarthismo e princípio da Guerra Fria (polarização entre capitalismo e comunismo). A exploração latino-americana deixa de ser feita pelos europeus e passa a ser feita pelos vizinhos do Norte.
Na parte final, Pablo Neruda passa a discutir o estágio atual do seu país. Os últimos anos da década de 1940 no Chile são marcados por golpe militar e pela perseguição política. O poeta narra a viagem de fuga que teve de fazer (deixando seu país natal) e o exílio que foi obrigado a passar no exterior. Na última parte, ele faz uma recapitulação da sua vida desde o dia do seu nascimento.
"Canto Geral" é uma obra de tirar o fôlego. O livro é muito bom. Para se apreciar com mais intensidade, é necessário um bom conhecimento da história do continente latino-americano. As partes que mais gostei, não por coincidência, foram aquelas em que compreendia em detalhes o que o autor estava narrando. É verdade que há breves legendas contextualizando o que está acontecendo e apresentando os principais personagens. Mesmo assim, os conhecimentos prévios são fundamentais.
A abrangência da obra também merece destaque. Pablo Neruda fala de quase todos os países da América. É incrível o seu conhecimento geográfico e histórico da região. Ele fala com a mesma propriedade sobre o Chile, a Argentina e os Estados Unidos como fala do México, de Cuba e do Brasil. Aborda o tempo pré-colonial aos tempos modernos. A impressão é que ele fala de tudo e de todos.
Em "Canto Geral", Pablo Neruda utiliza-se de rimas livres. Ele também não se preocupa com as métricas dos versos. O estilo de sua poesia é mais moderno. Isso confere certa leveza à obra. De certo modo, a forma mais descompromissada é compensada com a densidade temática.
Gostei muito dessa obra. Demorei alguns dias para concluí-la, mas valeu a pena. Agora tenho a real noção da grandiosidade de Pablo Neruda. Um poeta que produz uma obra desse gênero só pode ser um gênio da história da literatura mundial.
O Desafio Literário caminha agora para sua reta final. No dia 25, segunda-feira, publicarei aqui no Blog Bonas Histórias a análise da quinta e última obra de Pablo Neruda deste estudo, o livro de memórias "Confesso que Vivi". Até lá!
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