Anna Mary Clarissa Miller entrou para a história como a maior escritora de romances policiais da literatura mundial. Seu pseudônimo: Agatha Christie. O primeiro nome é uma invenção sua, enquanto o sobrenome é do primeiro marido. Nascida em 1891 na cidade de Torquay, localizada no sul da ilha britânica, perto do Canal da Mancha, a autora que ficou conhecida como a "Rainha do Crime" faleceu em 1976 em Wallingford, pequeno município no sudeste da Inglaterra.
Agatha Christie começou a escrever para provar para a irmã que era possível desenvolver uma história policial que surpreendesse o leitor no final da trama, algo que a irmã duvidava. Sua primeira história foi publicada em 1920, quando a escritora tinha quase trinta anos. A partir daí foram mais de oitenta livros produzidos, onde foram assassinadas mais de trezentas pessoas. O ritmo de produção foi avassalador. São quase dois livros publicados por ano. A maioria dessas obras era romances policiais, mas ela também atuou como contista, dramaturga e poetisa.
Seus livros venderam conjuntamente mais de quatro bilhões de exemplares no mundo todo. “O Caso dos Dez Negrinhos" (também chamado de "E Não Sobrou Nenhum"), sua obra mais conhecida, atingiu a marca de 100 milhões de livros vendidos nos quatro cantos do planeta. Traduzida para mais de 100 idiomas, a inglesa criou um ícone da cultura contemporânea: o investigador Hercule Poirot. O detetive belga é o responsável por desvendar os crimes na maioria dos romances da inglesa. Ela também criou outros personagens de sucesso. O casal Thomas Beresford (Tommy) e Prudence Cowley (Tuppence) foi protagonista de cinco romances. Miss Jane Marple, uma solteirona que resolvia seus casos de maneira nada convencional, esteve presente em doze romances e vinte contos.
Agatha Christie promoveu algumas inovações na literatura policial. Ela foi a precursora em terminar suas histórias com um final surpreendente, não permitindo que o leitor descobrisse facilmente os mistérios durante a leitura das suas tramas. Assim, o clima de mistério e suspense permanece durante toda a narrativa.
A iniciação na literatura profissional ocorreu com “O Mistério Caso de Styles”, publicado em 1920. Nesta época, Agatha Christie ainda estava unida com o piloto das Forças Armadas inglesa com quem fora casada por doze anos. O casal teve uma única filha. Já nessa primeira história somos apresentados ao pitoresco detetive Poirot.
Nos três anos seguintes, são publicados cinco livros, a maioria com o personagem do investigador belga no enredo. É desse período a publicação de “O Inimigo Secreto”, a primeira aventura do casal de detetives amadores Thomas Beresford e Prudence Cowley, mais conhecidos como Tommy e Tuppence, respectivamente. O casal acompanharia a “Rainha do Crime” ao longo dos anos e por mais quatro livros: “Sócios no Crime” (1929), “M ou N” (1941), “Um Pressentimento Funesto” (1968) e “Portal do Destino” (1973).
Thomas Beresford e Prudence Cowley foram os personagens mais populares de Agatha Christie depois do detetive Hercule Poirot. Tommy e Tuppence formaram o único casal criado pela mente da britânica que esteve em mais de uma história dela. Ao longo dos livros, é possível acompanhar a evolução da vida da dupla. Curiosamente, o envelhecimento das personagens respeita a passagem cronológica do tempo entre as publicações dos livros. No início, eles são apenas jovens, solteiros e amigos de infância que se arriscam em uma investigação amadora. Depois, se apaixonam, casam e tem um filho, tornando-se detetives profissionais. Na última história, temos os dois já idosos e aposentados, vivendo tranquilamente em uma cidadezinha do interior da Inglaterra.
“O Inimigo Secreto” é recheado de intrigas, assassinatos, suspense, perseguições e reviravoltas. Com pouco mais de 200 páginas, é possível ler este livro em um único dia. Basta ler o primeiro capítulo para ter vontade de ir até o final. Realmente, o casal Tommy e Tuppence é muito carismático. Não foi à toa que Agatha Christie quis dar continuidade a vida fictícia da dupla.
O mais interessante nessa história é que apesar de poucos personagens suspeitos, ainda sim a escritora consegue ludibriar o leitor, provocando uma reviravolta no final da trama, surpreendendo a todos. A história é bem amarrada do início ao fim, com boas doses de política e romance. O tempo inteiro está acontecendo alguma coisa e a sensação é que a ação domina toda a narrativa. Tudo tem um motivo e uma razão de ser. Só não gostei da sequência de coincidências que abre a trama. Essa é a única parte que foge da verossimilhança.
Em 1926, veio o retumbante sucesso com o lançamento de “O Assassinato de Roger Ackroynd”. Essa obra foi a responsável por tornar a escritora nacionalmente conhecida. Das obras lidas da inglesa neste mês de Junho, esse foi o meu livro preferido. Parte do charme dessa obra se deve a polêmica criada em relação ao seu desfecho. A solução do enigma da narrativa contrariou a lógica até então em voga nos romances policiais da época, despertando a ira dos mais conversadores.
Como ocorria nas obras em que Hercule Poirot era o protagonista, esta história é escrita em primeira pessoa por um dos personagens da trama. A narrativa é ágil e prende o leitor. Os mistérios se tornam intrigantes e a pergunta “Quem foi que matou?” fica o tempo inteiro martelando na cabeça de quem lê as páginas dessa publicação. Como de hábito, a escritora inglesa deixa um monte de pistas durante a narrativa que só iremos sacar quando a trama é elucidada por Poirot. Até isso acontecer, a cada momento, acredita-se que um personagem diferente é o responsável pelo assassinato, o que gera muitas reviravoltas.
Por ser narrada em primeira pessoa por um dos personagens aparentemente secundários do livro, não temos uma visão completa da situação (sabemos apenas o que esse personagem tem consciência e quer nos mostrar). Além disso, esse recurso torna mais verossímil a investigação, pois parece que estamos participando dela como os demais envolvidos.
O final de “O Assassinato de Roger Ackroyd” é espetacular!!! Sem sombra de dúvida, os últimos capítulos dessa obra são os melhores que já li em um romance policial. Somente um leitor muitíssimo atento consegue descobrir o verdadeiro responsável pela morte do Sr. Ackroyd um pouco antes dele ser anunciado pelo investigador Poirot. Mesmo assim, essa revelação é chocante. Não é à toa que ela tenha provocado tanta polêmica na época do lançamento do livro (óbvio que não vou contar quem era o assassino). Além do assassino ser uma das pessoas menos óbvias da história, o recurso narrativo utilizado por Agatha Christie foi de uma ousadia digna de aplauso. Ficou evidente toda a maestria dessa escritora durante o desfecho dessa trama.
No mesmo ano da publicação de “O Assassinato de Roger Ackroyd”, o marido de Agatha Christie pediu o divórcio, fugindo de casa para viver com uma nova mulher. Assim, a escritora passou a cuidar sozinha da filha e enfrentou uma série crise emocional, o que a fez interromper por algum tempo a escrita. Em 1930, a romancista se casa novamente, agora com um jovem arqueólogo, catorze anos mais novo do que ela. Esse matrimônio durou até o falecimento dela, em 1976.
Ao lado do segundo marido, Christie viajou o mundo, construindo cenários e novos enredos para os seus livros. Um bom exemplo disse é “Morte na Mesopotâmia”. A partir de uma visita ao sítio arqueológico de Ur, no atual Iraque, a escritora criou uma trama que se passa nessa localidade e tem novamente o protagonismo do detetive belga. Em suas 220 páginas, temos novamente o melhor de Agatha Christie: mistério, surpresas, reviravoltas, suspense, intrigas e dúvidas. Muitas dúvidas, por sinal! A cada momento o assassino parece ser um e no final é a pessoa em que menos acreditássemos que era. Nesse sentido, a escritora inglesa é mestre.
A trama dessa obra é boa, ágil e interessante. Contudo, a estrutura de "Morte na Mesopotâmia" é basicamente igual ao do livro "O Assassinato de Roger Ackroyd". Uma série de assassinatos acontece em determinado lugar e o culpado é um dos moradores daquela localidade. A história também é contada em primeira pessoa por um personagem "secundário". Cabe ao detetive Poirot esclarecer o que parece ser um crime quase perfeito. A única diferença é que esta trama se realiza no interior do Iraque enquanto a outra acontecia no interior da Inglaterra. Ou seja, só muda-se o cenário.
Com o segundo casamento, a carreira da escritora deslancha. Ela passa a escrever ininterruptamente, lançando ao menos uma nova obra por ano até a metade da década de 1970. Durante os anos de 1930 e 1940, a média de lançamentos é de dois livros inéditos por ano.
O maior sucesso chegou em 1939. “O Caso dos Dez Negrinhos” é o nome original da obra. Devido à acusação de racismo no título, ela também pode ser encontrada como “E Não Sobrou Nenhum”. A mudança no nome do título de "O Caso dos Dez Negrinhos" para "E Não Sobrou Nenhum" se deu quando a obra chegou ao mercado norte-americano. Lá a palavra "negrinho" foi encarada como um possível sinal de preconceito racial. No Brasil (onde a influência norte-americana é maior), o livro foi publicado como "E Não Sobrou Nenhum", enquanto em Portugal (onde a influência britânica é mais acentuada), o título ficou "As Dez Figuras Negras".
Polêmicas a parte, trata-se de um grande sucesso editorial. Mais tarde, essa história foi adaptada para o teatro e para cinema com grande êxito. Em 1943, a trama foi teatralizada com o nome "O Caso dos Dez Negrinhos". Dois anos mais tarde, o diretor René Clair lançou o longa-metragem com esse enredo com o nome "O Vingador Invisível" (And then There Were None: 1945). Nas décadas seguintes, mais um punhado de filmes foram lançados com essa temática tanto na televisão quanto no cinema.
"E Não Sobrou Nenhum" é uma história incrível. Ela possui todos os elementos de um grande suspense: ilha deserta, uma mansão misteriosa, personagens contraditórios e suspeitos, ambiente fantasmagórico e mistério envolvendo um poema antigo. O clima é de tensão do início ao fim. Não é à toa que mais tarde muitos desses elementos foram banalizados pelas futuras tramas de mistério.
A narrativa é feita em terceira pessoa, algo incomum em se tratando de Agatha Christie (os outros quatros livros lidos neste Desafio Literário foram escritos em primeira pessoa). Além disso, a história não possui como personagens principais os investigadores (Hercule Poirot, a dupla Thomas Beresford e Prudence Cowley e Miss Jane Marple nem aparecem por aqui). Na verdade, os detetives e a polícia só surgem no final, de forma um tanto tímida. Os principais envolvidos nessa trama são os dez habitantes da residência, que ao mesmo tempo são vítimas e suspeitos.
A construção psicológica desses personagens merece uma exaltação. Não há nenhum bonzinho ou santinho no grupo. Contudo, eles sofrem com a tensão do ambiente e ficam sujeitos aos dramas que qualquer um sentiria se fosse abandonado para o sacrifício em uma ilha deserta. Assim, é difícil saber se, como leitores, tememos ou torcemos pelas personagens. É um misto de curiosidade e resignação.
Outro ponto positivo dessa narrativa é a sua velocidade. Ela se desenvolve muito velozmente. O livro não é longo e é possível lê-lo em uma tarde. Tudo acontece rapidamente por aqui. O estilo de escrita é direto e focado na ação. Não há enrolação ou componentes supérfluos. A linguagem é simples e clara.
"E Não Sobrou Nenhum" é realmente um livro digno da fama alcançada. A história é muito interessante e o final é tipicamente Agatha Christie, ou seja, surpreendente. Só iremos saber o que aconteceu de fato quando percorrermos todas as linhas da publicação. É no último capítulo em que o mistério é finalmente desvendado.
Curiosamente, sabemos do desfecho porque o(a) assassino(a) resolve nos contar. Ele(a) escreve uma carta, coloca-a em um garrafa e a joga ao mar. Afinal, este é um daqueles típicos assassinatos perfeitos, em que a polícia não consegue desvendar os fatos.
O último livro da série do detetive Poirot foi publicado um mês antes da morte da escritora. Em dezembro de 1975, depois de ficar mais de três décadas trancado em um cofre, chega às livrarias "Cai o Pano". Nessa trama sabemos o desfecho da história de um dos mais importantes personagens da literatura mundial.
Se eu acreditava que já tinha visto de tudo com o final de “O Assassinato de Roger Ackroyd”, agora sei que estava redondamente enganado. Agatha Christie consegue novamente surpreender com um final incrivelmente original. E o grande lance do desfecho da obra não está na morte de Poirot (algo que os fãs já previam que iria acontecer). A surpresa está na solução do último enigma do detetive belga e em como o assassino é, enfim, contido.
Agatha Christie escreveu “Caiu o Pano” na metade da década de 1940. Já prevendo que um dia precisaria contar os últimos dias e o último caso do detetive Poirot, ela o fez antecipadamente. Assim, terminou essa história e a guardou no banco. A ordem era clara: esse livro só poderia ser publicado quando sua autora não tivesse mais condições de escrever. A assim aconteceu.
Ela publicou mais algumas dezenas de livros em que o investigador belga é o protagonista até o ano de 1975. Percebendo que não conseguiria mais escrever, Agatha autorizou a publicação da última história de Poirot. “Caiu o Pano” chegou às livrarias do mundo todo no segundo semestre daquele ano. Em janeiro de 2016, Agatha Christie faleceu. Ou seja, essa foi a última obra da escritora inglesa lançada em vida. Não é errado afirmar que a autora e sua principal criatura/personagem morreram quase que ao mesmo tempo.
Em “Caiu o Pano”, temos um Hercule Poirot já bem idoso, sofrendo de vários problemas de saúde. Sem conseguir se locomover (suas pernas já não lhe obedeciam), o detetive resolve se hospedar no hotel Styles, mansão que fora palco de sua primeira história, “O Misterioso Caso de Styles” (Nova Fronteira), publicado em 1920. Assim como no primeiro livro, o narrador é Arthur Hastings, amigo de Poirot. Agora viúvo e com filhos já crescidos (na obra de estreia, ele era um jovem solteiro), Hastings aceita o convite de Poirot e também se hospeda alguns dias na velha mansão Styles.
Para surpresa de Hastings, a proposta de Poirot não é para ambos reviverem os “bons tempos” nem para tirarem um período de férias juntos. Logo de cara, o belga informa seu amigo que eles estão lá para solucionar um crime. O último da carreira do famoso detetive e, possivelmente, o mais complicado de todos.
Esta obra foge um pouco do convencional de Agatha Christie e das histórias de Poirot. Ao invés de investigar um crime, trabalha-se para evitar um. Além disso, não estamos falando unicamente de um caso do presente e sim de vários episódios do passado distante entrelaçados em si. Ou seja, o quebra-cabeça é um pouco mais elaborado e complexo. E para dificultar ainda mais as coisas, Poirot apresenta sérias limitações físicas que comprometem seu trabalho, apesar de afirmar a todo instante que está bem e que está em condições de resolver qualquer caso.
Logo no início de “Caiu o Pano”, somos remetidos a algumas passagens de “O Misterioso Caso de Styles”. Quem leu esta publicação irá se lembrar de alguns personagens e citações. Contudo, quem não leu o antigo livro poderá acompanhar tranquilamente essa “nova” história. O interessante desse recurso literário utilizado por Agatha Christie é que ela amarra a primeira e a "última" narrativa de Poirot, conferindo um ar de continuidade à carreira do investigador belga.
Gostei muito desta trama. O ponto alto, como na maioria das histórias de Christie, está em seu desfecho. Novamente a escritora consegue surpreender o leitor de uma forma que ele suspira para si: “Nossa! Juro que não tinha imaginado isso!!!”. Diria que o encerramento dessa publicação é tão inovador quanto em “O Assassinato de Roger Ackroyd”. Pensei que era impossível Christie ser mais espetacular em um final do que ela tinha sido naquele livro. E ela conseguiu!!! Além de o assassino ser alguém inimaginável, alguns episódios são completamente extraordinários, jamais passando pela cabeça do leitor que fossem possíveis de acontecer.
Como última história de Poirot, achei o livro perfeito. Ele consegue retratar a astúcia do detetive ao mesmo tempo em que consegue mostrar a passagem do tempo e os efeitos da idade. Além disso, há a inserção de um elemento moral/ético novo (e maravilhoso) nas histórias de Poirot que nos faz refletir. Obviamente não citarei qual é para não estragar a leitura de quem não o fez.
Depois de “O Assassinato de Roger Ackroyd”, essa é minha obra favorita de Agatha Christie. Agora entendi porque sua autora deixou os originais dessa publicação guardados por três décadas no cofre de um banco. Trata-se de uma joia dos romances policiais modernos.
Gostei muito de ter acompanhado a carreira e as obras de Agatha Christie durante o Desafio Literário de junho. Realmente ela foi uma mestre no desenvolvimento de tramas policiais, levando o suspense e o mistério das suas histórias ao ponto máximo. Vale a pena muito lê-la.
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