Comecei a leitura de Graciliano Ramos, o autor foco deste mês do Desafio Literário, por sua obra mais conhecida: "Vidas Secas" (Record). Escrito entre 1937 e 1938 e publicado originalmente em 1938, este livro foi o quarto romance do escritor alagoano - "Caetés" (1933), "São Bernardo" (1934) e "Angústia" (1936), nessa ordem, foram antecessores.
O enredo de "Vidas Secas" relata a vida sofrida da família de retirantes sertanejos: Fabiano (marido), Dona Vitória (esposa), o menino mais velho e o menino mais novo (os filhos, ainda crianças, não possuem uma denominação). Completa o grupo a cadela Baleia, considerada por todos como o quinto integrante do clã.
A narrativa começa e termina com a família em caminhada para uma região menos árida. A seca castiga e devasta o Sertão, matando o gado, exterminando as plantações e trazendo fome e pobreza à população. Com a esperança de uma existência mais digna e melhor, o grupo abandonada tudo para trás e segue em caminhada para o sul do país.
A primeira inovação de "Vidas Secas" foi jogar luz para um tipo de brasileiro que até então era desprezado pela literatura nacional: o sertanejo retirante. Nessa obra, entramos na vida e na mente das pessoas humildes que sofrem com a natureza (a seca implacável), com a ganância dos conterrâneos (sendo roubados pelo proprietário do armazém, pelo soldado e pelo dono das terras) e com a sua própria ignorância (não possuem qualquer estudo). Percorrer os pensamentos e os sonhos das personagens chega a ser poético. Fabiano deseja se tornar um homem respeitado socialmente; Dona Vitória sonha com uma cama de verdade e um futuro diferente para os filhos; e as crianças querem apenas emular as ações do pai-herói.
Outro ponto muito interessante desta obra está em retratar o cenário (seca) e as personagens (seus comportamentos e aspirações) através da estética das palavras e do discurso. Como assim? Fabiano e sua família são descritos mais como animais do que como gente. Afinal, falam pouco (quando dizem algo é através de monossílabos ou de grunhidos), raramente conversam e estão sempre se agredindo. A seca do relacionamento e do diálogo entre eles, de certa forma, é um reflexo do ambiente em que estão inseridos. Por isso, a narrativa também é seca, sem diálogos e formada por textos curtos nos quais são descritas principalmente as ações das personagens. Ou seja, a aridez do ambiente invade as características das personagens e deságua na composição textual da obra de Gaciliano Ramos.
O livro é pequeno, com pouco mais de 120 páginas. Contudo, o que é narrado é ainda mais limitado (demonstrando a pobreza da vida da família e dos acontecimentos por eles vividos). Podemos contar as cenas dessa história: Fabiano cuidando dos animais, Vitória cozinhando, as crianças brincando, Fabiano sendo roubado e maltratado pelos demais cidadãos e a família em migração por causa da seca.
Possivelmente, o capítulo mais forte e marcante é aquele em que a cachorrinha da família precisa ser sacrificada. Curiosamente, há várias passagens do livro em que Baleia é quem possui os comportamentos e as características mais humanas (ela sofre um processo de humanização, enquanto seus donos passam por um processo de animalização). É realmente uma passagem muito triste e tocante. Eu que tinha lido esse livro pela primeira vez há quase vinte anos, a única personagem que me recordava em detalhes era a cadelinha Baleia e sua morte jamais saíra da minha mente.
Como há pouca ação, "Vidas Secas" torna-se um livro mais descritivo (com relato dos cenários e dos acontecimentos) e psicológico (entramos nas cabeças das personagens, descobrindo seus medos, suas intenções e suas aspirações). Quem não está acostumado com uma obra literária mais reflexiva e sem tanta ação pode se incomodar um pouco.
Gostei muito de reler esse livro. "Vidas Secas" realmente é um belo livro, demonstrando uma facete triste e desalentadora do nosso país.
O próximo livro do Desafio Literário de maio que será analisado no Blog Bonas Histórias é "Insônia" (José Olympio), uma coletânea de contos de Graciliano Ramos. Até o próximo post!
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