Patrício acordou cedo para seu padrão, por volta das dez da manhã. Como de costume desde a faculdade, leu durante o café três jornais, em busca de informações sobre geopolítica ou macroeconomia que possam afetar seu negócio. Solteiro, veste sua roupa importada de jogging e faz duas vezes o percurso de oito quilômetros da península em ida e volta. Almoça algo saudável, faz a barba, veste seu blazer e vai ao trabalho, sem hora definida para voltar para casa.
Patrício é dono de uma das mais badaladas boates do Brasil, a Espelho do Mundo, ponto de encontro de turistas e empresários dos cinco continentes, aberta todas as noites. Nos idos dos anos oitenta, Sting veio ao Brasil e gastou cinco milhões de dólares, uma dinheirama em épocas de hiperinflação, para fechar a casa para ele e seus vinte e cinco guerreiros caiapós divertirem-se. Bem relacionado, Patrício aproveita para ganhar muito dinheiro com a casa, e ao longo dos anos tornou-se figura constante em jantares com autoridades.
Desde muito cedo é um empreendedor. Enquanto estudava administração de empresas na capital fluminense, fez estágio em um banco de investimentos, ganhando muito dinheiro no mercado de ações. Mas não era esse seu destino. Ao formar-se já tinha ganhado mais dinheiro que muitas pessoas não ganham em uma vida. Mesmo com pouca idade, tinha muita experiência, mas recusou um cargo de gerência para realizar seu sonho de ser cafetão.
Ele sabia muito bem lidar com clientes e o mercado de ações, e com a grana acumulada, fundou a Espelho do Mundo, single bar de nível internacional e referência. Apesar de trabalhar com a profissão mais antiga do mundo, a Espelho do Mundo era inovadora no sistema de precificação.
Todas as prostitutas passavam por um intenso processo seletivo antes de lá entrarem, que incluía testes de doenças e análise de currículo. Todas são no mínimo bilíngues, e enquanto lá trabalham recebem treinamentos de massagem, strip-tease e media training. Mas não era só isso que tornava a Espelho do Mundo algo único.
Ao serem contratadas, as moças eram classificadas de acordo com sua etnia e seu credo, e essas características determinavam seu preço. O valor dos programas varia de acordo com a cotação, que oscila em tempo real com a oferta e a demanda. Por exemplo, caso as latinas protestantes tenham mais procura, seu preço acaba subindo, pois a demanda é maior que a oferta. Entretanto, caso poucas pessoas se interessem pelas japonesas xintoístas, o preço do estereotipado programa cai, pois a demanda é menor que a oferta. Cabe às prostitutas a negociação baseada na cotação do momento. Patrício recebia das putas uma porcentagem fixa e certas taxas diárias, e dos clientes, a entrada no recinto.
O livre mercado era de encher os olhos até de Adam Smith! Uma ideia simples, que garantia aos clientes o preço efetivamente justo de cada garota, sempre classificada de acordo com a religião e a etnia. Isso atraia empresários endinheirados do mundo inteiro, que achavam o conceito extravagante e libertino, ao mesmo tempo que implacável e voraz.
Naquele dia, a Espelho do Mundo estava ainda fechada, quando uma candidata se ofereceu para lá trabalhar.
“Então meu amor, você fala inglês?”, iniciou Patrício a entrevista.
“Sim, falo inglês e espanhol fluente. Já fiz programa no Chile e na Argentina, inclusive!”
“Muito bom. Você é limpa e gostosa, mas vou ter que arquivar seu currículo para uma próxima oportunidade, pois você é negra e espírita.”
“Mas isso é discriminação! Você não pode me recusar baseado nisso!” Bradou a moça, muito familiarizada com o lado sórdido do mundo, excetuando a parte capitalista.
“Isso, meu amor, não é discriminação. Trata-se de mercado de trabalho e negócios. Veja, as ações das negras espíritas caíram 12,5% nos últimos dois meses, e elas estão muito chateadas. Afinal, todas têm filhos para criar, contas para pagar... Caso você seja aceita, a oferta por esse tipo de programa aumentará, o que vai acentuar a tendência de queda na cotação. Desculpe, mas no momento não podemos contratá-la. Espere até o próximo filme sobre Chico Xavier ser lançado, talvez as coisas melhorem para você.”
Indignada com o fato da mão de Patrício não ser tão invisível assim, a moça se despede e volta para sua casa na cidade de Macambúzios, o que deixa o cafetão mais famoso e rico de Búzios voltar para o trabalho, que consiste em checar fornecedores, fazer estudos de variação baseados nas inevitáveis turbulências do mercado e pagar algumas propinas usando como intermediária a Vivanal, ong que criara em prol de filhos de prostitutas abandonados pelos pais.
Chegando a noite, ele mesmo faz questão de recepcionar em sua sala os mais ilustres e poderosos clientes. Já recebeu xeiques, príncipes, esportistas e membros do clero. Costuma também andar no salão e observar o painel cheio de gráficos e números piscando, bem atrás do balcão de bebidas, aos moldes daqueles das bolsas de valores. O piso do local era todo quadriculado em preto e branco, com o palco para show na extremidade oposta à entrada.
As garotas acabam se tornando excelentes negociadoras, mesmo as não judias, pois disso dependem seus ganhos. Muitas já ficaram ricas e saíram dessa vida; outras se endividaram e viram seu valor virar pó, para depois cheirá-lo. Muitas rixas existiam entre os grupos, mas todas eram muito afáveis com Patrício, que as considerava irmãs incestuosas, cujos olhares mereciam ternos afetos.
Um pouco antes de abrir a casa, ele resolveu verificar mais uma vez seus e-mails. Para sua surpresa, recebeu uma missiva eletrônica com o assunto de “Eu sei de tudo”, com uma foto em anexo. Abriu a mensagem, e ficou de olhos petrificados no que viu e leu.
“Prezado,
Venho através desta lhe informar que sei de suas mais estranhas fixações sexuais e posso divulgá-las. Em breve, voltarei a entrar em contato para informar o valor a ser pago para o mundo não receber essa informação.
Segue em anexo uma amostra do material que tenho a seu respeito.
Obrigada,
Juliana Assanhada”.
Os dedos de Patrício começaram a tremer, e seu coração a bater acelerado. Poderia ser um vírus da tal Juliana Assanhada, chegou a pensar, mas todo homem que se conhece sabe o quanto poderia ser incriminado, e na dúvida, abriu o anexo. Viu então uma foto sua, recente, masturbando-se em seu próprio quarto.
Pensamentos e mais pensamentos remoeram a imaginação do proxeneta. Como a pessoa tinha conseguido a foto, que era verdadeira? Como tinha conseguido o e-mail? Quanto vai cobrar para não divulgar a imagem? Essas e muitos outros devaneios entretiveram o homem por tempo suficiente para se esquecer de abrir o prostíbulo.
“O senhor não vai querer abrir a porta hoje? Alguns clientes já fazem fila...”, perguntou uma solícita e bem articulada indiana budista.
“Pode deixar Aishwarya Jamal Gandhi, vou abrir agora mesmo. Namastê.”
Naquela noite não conseguiu sorrir. Os clientes vinham, o cumprimentavam, mas ele tinha um pensamento fixo naquela foto, com seu pênis ereto e cara constrangedora. Não se importou com as iranianas xiitas, sempre de burca, a dançarem no pole dancing; tampouco com a desvalorização das índias pagãs, que sempre sofriam no outono. Nada fazia sentido. Afinal, como aquele e-mail tinha a foto? Porque ele fora escolhido?
Os dias passaram de forma lenta entre um e-mail e outro. Patrício parou de correr na praia, os inúmeros aparelhos eletrônicos de sua casa de luxo, ao lado da Pousada do Cânhamo, foram desligados, por precaução. Nem mesmo suas irmãs putas, que comumente dormiam com ele por prazer, faziam-lhe feliz. Tentou uma nuru massage com uma oriental cristã, sexo tântrico com uma mexicana hindu, mas seus pensamentos estavam tomados. Passou-se uma semana. Patrício estava novamente no escritório da Espelho do Mundo, mas com a caixa de e-mail aberta. Com o assunto de “Eu continuo sabendo”:
“Prezado,
Caso ainda não tenha sido clara, eu continuo sabendo. Como vamos tratar agora de negócios, achei justo mostrar-lhe o meu produto, afinal, é por ele que você vai pagar. É claro que sempre existe uma surpresa no final, aquela que encanta o cliente, que obviamente fiz questão de omiti-la.
Você tem duas semanas para depositar duzentos mil reais na conta 04568, Francis Drake Bank, Road Town, Ilhas Virgens Britânicas. A conta está no nome de minha empresa, a SexyLeaks. Por gentileza, para sua segurança, identifique-se na transferência bancária, para saber a quem entregar definitivamente o produto.
Obrigada,
Juliana Assanhada”.
Em anexo à mensagem, não havia uma foto, mas sim um vídeo. Mesmo com todos os instintos pedindo-lhe para simplesmente apagar a mensagem, Patrício foi além e clicou para exibi-lo. Entretanto, como sempre fazem os computadores quando temos mais pressa, o vídeo demorou muito a ser carregado. E nos momentos que precedem a queda de nossas máscaras – ou simplesmente a expectativa – um segundo é uma eternidade. A barra ia se preenchendo paulatinamente, rindo do incrédulo e ansioso destinatário. A porta abre.
“Patrício, preciso falar com você”. Era Madalena, uma negra evangélica, retinta, alta, carnuda e forte. Sua voz era clara, um pouco cantada e com um sotaque minimamente forçado texano, que lhe garantia fantasias com alguns estadunidenses endinheirados e racistas. “Você sabe quem sempre ganhou mais por aqui. As negras sempre foram as mais fiéis à casa, e damos duro para agradar seus clientes.”
“Sim, claro. Mas a cotação de vocês está muito boa.”
“Muito boa não é ótima. Você sabe que o que sua ganância fez! Estou falando daquelas três neguinhas macumbeiras que você contratou semana passada. Elas estão roubando nossos clientes, e além de tudo, professam em nome do diabo.”
“Madalena, veja bem. Elas têm o total direito de credo. Se sua religião só acredita em demônios, nada posso fazer. Além disso, elas fizeram sucesso por aqui.”
“Patrício, me escuta”, e o olhar da evangélica adquiriu um tom ameaçador, como que chamando para um desafio. “Você pode conhecer muito de negócios e gente rica. Mas quem entende de puta aqui sou eu! E você sabe que perderia muito sem mim, apesar da assimetria de poder que há entre nós. Além disso...”
“Além disso nada!”, grita Patrício dando um tapa na mesa. “Você sabe que só eu posso demitir alguém aqui, inclusive você! Para eu fazer o que você está pedindo, vai ter que atender um pedido meu antes.”
“Negócio fechado. Que o nosso acordo seja de bom tamanho para nós dois, em nome de Jesus!”
E então Patrício lhe faz o pedido. Uma coisa simples, que passou pela sua cabeça ao ver a líder das prostitutas entrar em sua sala sem pedir licença. Selam as mãos olhando um para o outro, e até esboçam um pequeno sorriso, interrompido apenas por uma tela saindo da hibernação e um som familiar aos dois ecoar de caixas de som.
O vídeo mostrava Patrício masturbando-se e gritando. Batia seu pênis cada vez com mais força, enquanto comprimia os lábios e fechava os olhos. Uma cena repugnante para os pudicos, mas muito engraçada para Madalena. E Patrício continuava a bater sua punheta observando algum vídeo pornográfico gratuito. A expectativa começa a tomar conta do recinto, e os dois, mesmo sem nada falar, sabiam onde isso tudo ia terminar. Afinal, os movimentos iam se intensificando, e ambos sabiam que um homem nessa situação não costuma esperar muito tempo para ir dormir.
O vídeo acaba no exato momento que Patrício comprime o abdome e abre os olhos, pronto para ejacular em qualquer livro ou gadget mal afortunado que estivesse em um raio próximo. Patético, poderíamos concordar sem grandes discussões, mas não para uma prostituta e um cafetão.
“Parece que nossa assimetria de poder acaba agora, não é?”, pergunta o punheteiro.
“Sim, meu caro. Vou me lembrar disso em breve. Amanhã espero você na porta, para lhe fazer o que prometi.”
O leitor poderia fazer muitas perguntas nesse momento, mas com certeza deve estar sentindo um leve incômodo. Acostumado a ler algumas histórias de Macambúzios, até aqui só foi falado de sexo, dinheiro e poder, três forças que movem ambas as cidades, mas que são mascaradas de forma diferente.
Pois é justamente na manhã seguinte que Macambúzios, a cidade vertical, entra na história. Madalena é uma moradora influente também por lá. Às segundas, e em dias que está impura, a moça é uma ativista da Vivanal, controlando campanhas de controle de natalidade e distribuição de preservativos. Conhece muito bem os moradores, como o psiquiatra e segurança Carlos, uma tal de Luíza, e claro, Mano Metido, dono das leis da cidade e do tráfico de drogas. Como todas as prostitutas da Espelho do Mundo são daquela cidade, não é raro Patrício ter que pagar alguma propina ao chefe, mas como tem receio de subir sozinho, sempre pede ajuda à capitã das putas.
Eles subiram em silêncio, cortado apenas quando ela cumprimentava os moradores, que assim como Patrício, a respeitavam. Na verdade, depois de vários anos negociando, ambos poderiam até alimentar uma certa amizade. Como uma sindicalista, Madalena lutava pelos direitos das putas, a maioria das mais antigas, e Patrício sempre a ouvia, abrindo mão quando possível. Isso os aproximou, criando uma cumplicidade, e não foi por acaso que o cafetão delegou à puta várias atividades em sua ong.
A casa de Mano Metido era talvez a única que merecesse a alcunha. Tinha uma porta de verdade, com maçaneta. Tinha uma piscina e dois flamingos de estimação. As paredes eram todas brancas, de uma claridade e higiene comparáveis com a Espelho do Mundo. Em frente à casa, dois homens armados, cujo semblante amedrontador não foi desfeito nem com o sorriso de Madalena.
“Mano Metido”, iniciou Patrício, “eu preciso da sua ajuda. Você sabe como responder a uma chantagem, já deve ter feito isso muitas vezes.”
“Sim, fiz isso algumas vezes. Mas você sabe, tudo na vida tem um custo. Fale o que você precisa e eu lhe direi o preço.”
Então os dois homens de negócios começaram a conversar. Experientes, ambos sabiam dos papéis que representavam e do poder de cada um. De fato, Patrício estava encrencado, apesar de ter omitido que a chantagem poderia acabar com o pagamento à SexyLeaks, mas pouca gente em Macambúzios entendia de segurança digital.
Mano Metido não era de deixar nenhum cliente seu na mão, e resolveu selar o acordo.
“Enfim, o preço é de cinquenta mil reais. Entretanto, não precisa pagar nada agora. Vou ficar esperto na situação, e se eu pegar esse bandido, mesmo que seja um suíço de merda, lhe entrego seus dentes em troca do dinheiro.”
Patrício não ficou nada aliviado com aquilo tudo, mas pelo menos poderia aguardar uma surpresa. Teve que descer sozinho todas as ladeiras, pois Madalena ficou com o traficante para uma tarde de amor.
Ao chegar ao seu empreendimento, Patrício deletou o vídeo por precaução, e movimentou duzentos mil reais para sua conta corrente, por motivos idênticos. Teria uma semana para fazer a transação, mas ainda estava com dúvidas se devia realmente fazê-la. Não era um trote, pois o vídeo era verídico, mas de nada o golpista poderia se beneficiar caso fosse publicado. Era uma encruzilhada.
O cafetão não tinha o apoio da polícia, pois seria ridicularizado e perderia muitos clientes. O tráfico também já fizera a proposta, pouco alvissareira. Enfim, era entre ele, seu pudor e sua ganância. Uma briga praticamente constante na vida do ser humano, mas que nessa situação tomou proporções um pouco mais ácidas.
Naquele mesmo dia, pouco antes de abrir a porta da casa, entram no escritório três moças, duas brancas e uma oriental, todas umbandistas. A combinação pode parecer um pouco exótica, mas tolerável em um país de diversidade étnica e religiosa.
“Pelo que vi”, começa Iansã, líder da categoria, “as três negras umbandistas foram demitidas ainda ontem. Você sabe que elas tinham um apelo com o público maior que o nosso, o que aumentava nossa cotação. Exijo a recontratação delas!”
Lobbies desse tipo eram frequentes, e o cafetão não os achava de todo mal. Ambas tinham razão nos seus pontos de vista. Madalena via nas negras umbandistas um excesso de oferta de programas afros, o que diminuía a cotação. Já Iansã via como um aumento da qualidade dos programas de umbandistas, o que tendia a aumentar a cotação. Ambas defendendo seu próprio umbigo, conforme a lei da sobrevivência determina. Entretanto, na situação, o buraco é mais embaixo, e a assimetria de poder – e informação – de Madalena em relação a Iansã era enorme. As Umbandistas teriam que se virar sozinhas.
“Olha Iansã, elas foram demitidas porque era o melhor a ser feito. Nada posso fazer a esse respeito para voltar atrás.”
Patrício decidiu esquecer toda aquela história de chantagem e pagamentos fazendo o que mais gostava: trabalhar. Logo ao abrir a casa, fez questão de ser ainda mais afável e atencioso aos seus clientes. Cumprimentava a todos, sem distinção, e elogiava as escolhas que faziam. Se tinha uma coisa que Patrício era realmente bom, era com negócios. Sabia exatamente que categoria de mulher oferecer para cada categoria de homem. Para os germânicos, as mulatas do candomblé; para os anglicanos, árabes fundamentalistas do islã; para os japoneses, as japonesas; para os palestinos, as judias. Todos sempre tinham sua preferência e perversão, impossíveis de serem realizadas em seus países e com suas famílias. No fundo, esse era o negócio da Espelho do Mundo. Dar a oportunidade de homens ricos realizarem seus sonhos mais moralmente controversos por uma quantia justa de dinheiro e um pequeno risco de contrair doenças tropicais sexualmente transmissíveis.
E assim passaram os dias. Focado nos negócios, o proxeneta esqueceu um pouco todas as suas perversões e concentrou-se nas dos clientes. É lógico que nem tudo correu uma maravilha, problemas eram constantes no puteiro. Como na noite em que Israel fora bombardeado pela Palestina, o que fez as cotações das árabes despencarem. Algumas tiveram que se retirar do salão, para tender reverter a tendência de queda.
Certo dia, andando pelo chão quadriculado e atento aos números por detrás do balcão, ele viu todas as judias – invariavelmente brancas – formando um círculo, com um rapaz negro dentro. Aproximou-se, e percebeu ser um homem atlético, com ombros largos, que mostrava o pau a elas.
“Veja isso!”, exclamou Sarah quando Patrício aproximava-se. “Veja o pênis dele! Nunca vi nada parecido!”
Elas estavam em êxtase, o que era de se esperar. Todas admiravam um falo muito maior do que a média, mas não era isso que as enchia de espanto. Elas esperavam um pênis incircunciso, quando o que viam era um membro isento de qualquer prepúcio.
“Ele é um dos nossos, apesar de negro”, admirava outra moça, chamada Esther. “Shabbat shalom!”
Sem tempo para insignificâncias, Patrício voltou a trabalhar, e foi procurar por Madalena. Qual não foi sua surpresa ao perceber que a moça não estava no recinto. Aliás, ele deu por si que não a vira no dia anterior, algo raro, pois Madalena era uma das mais assíduas funcionárias. Em todo caso, voltou ao trabalho, esperando por melhores dias vindouros.
Mas eles não vieram. A poucos dias da data final, o pensamento fixo novamente lhe cobriu a mente. Não dormia, comia ou transava. Estava petrificado de medo da dúvida. Afinal, seu pudor valia duzentos mil reais? Existiam mais variáveis, como a esperança de Mano Metido encontrar o meliante e o sumiço de Madalena, que durava quatro dias, o que também preocupava o cafetão. Foi trabalhar somente com o corpo, pois deixara a cabeça entre cifras e gigabytes.
A noite foi muito movimentada, pois chegara à cidade uma comitiva do Vaticano, que exigiu algumas moças ciganas, muito embora elas não representassem nem uma etnia nem uma religião. Infelizmente, Patrício não deu atenção, assim como não deu atenção ao lobby das arianas siques, às ativistas da Vivanal e a mais nada. A cena que lhe vinha à mente era sua masturbação e a ausência da Madalena.
Em uma hora que não se lembra bem qual, o telefone toca. Era um celular clonado por Mano Metido:
“E então Mano”, falava como se já estivessem íntimos, “alguma novidade?”
“Não, não encontrei nenhum moleque que manja de computador.”
“E Madalena, você a tem visto?”
“Não, não tenho não, isso é verdade. Em todo caso”, muda de assunto o traficante, “vou ter que cobrar mais caro pelo serviço. Acontece que as buscas precisam ficar mais intensas, vou colocar alguns capangas meus de confiança para procurar, e vou ter que cobrar um pouco mais caro.”
“Quanto vai ficar o valor agora?”
“Duzentos mil reais.”
“O que?”, o proxeneta indigna-se, afinal, duzentos mil reais era muito dinheiro. Além do que, por essa quantia, ele pagaria para a SexyLeaks diretamente. “Mas por esse preço eu pago para a SexyLeaks diretamente!”
“É, mas quem garante que eles vão cumprir o prometido. Em mim você pode confiar. Em todo caso, vou deixar você pensar até amanhã. É como sempre digo, otário nasce morto”, e desliga o telefone.
A ligação somente complicou a cabeça de Patrício. Estava nas mãos de duas pessoas que queriam explorá-lo, sem se importar com mais nada. E então, como num ataque de consciência, ou subconsciência, pensou em seu trabalho e seus clientes.
Patrício ganhava muito dinheiro explorando mulheres pobres, que só tinham o corpo e a malícia para venderem. Nem mesmo conferia se as religiões declaradas eram mesmo praticadas. Somente queria saber de quanto dinheiro ele ganharia com a oscilação dos programas. Seus clientes, por sua vez, eram sórdidos, que gostavam de exibir seu poder para o que consideravam exótico ou inferior, desde que em algum lugar do mundo a religião ou etnia da moça estivessem em guerra com a sua.
É bem verdade que seu puteiro mantinha também a Vivanal, que até fazia bons trabalhos de controle de natalidade em prostitutas, mas sabia que aquilo era apenas fachada para desviar dinheiro para autoridades. Não era pela boa-fé. Ele era sórdido. Seus clientes eram sórdidos. Mas aí percebeu que o problema não era com eles, mas sim com a alma humana, haja visto que o lado sujo, egoísta e cruel mora no coração de cada um. Se assim não fosse, não existiriam cafetões para explorar, traficantes para traficar, clientes para se exibir, sexo para vender e chantagistas para chantagear.
Percebeu-se, então, um desbravador, um pensador iluminado, pois ganhava dinheiro e poder mostrando justamente como a alma humana se comporta sem nenhum ímpeto moral, em tempo real. Não à toa sua boate chama-se Espelho do Mundo. E percebeu também que de todas as perversões, a sua, que estava prestes a ser publicada na rede, era a menor, e como tal, não valia duzentos mil reais. Decidiu então, num corajoso ato de ascetismo imoral, aceitar seu lado um pouco sujo e não pagar o dinheiro à SexyLeaks ou ao Mano Metido.
Ninguém podia falar nada dele.
Mais aliviado, ele foi para a cama com a puta mais valiosa do momento, dessa vez pagando normalmente. Depois, medicou-se com algumas flores de seu dispensário particular, como Chem Dawg, Super Silver Haze, Diesel Wreck, Durban Poison, Jack Herer, Afghani, Berry White, Super Trainwreck, Blackberry Bubba Kush e Sour Diesel, sua preferida. Vê-se que mantém hábitos recreativos e medicinais independentes do tráfico nacional.
Tudo isso para acordar tranquilo no dia seguinte e resolver o outro problema que o estava atormentando. O desaparecimento de Madalena.
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